• Cleyton Vilarino
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Mapeamento, oficinas nas comunidades do Matopiba e construção do app Tô no Mapa (Foto: Eduardo Rodrigues/ISPN)

(Foto: Eduardo Rodrigues/ISPN)

Invisíveis aos olhos do poder público, milhares de comunidades tradicionais do cerrado brasileiro localizadas na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) podem, desde outubro, incluir por conta própria o mapeamento de seus territórios nos registros da Plataforma de Territórios Tradicionais do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), mantido pelo Ministério Público Federal (MPF) desde o ano passado.

A partir de um aplicativo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), com apoio da Rede Cerrado, ribeirinhos, quilombolas, indígenas e outras não incluídas nos programas federais de demarcação territorial poderão solicitar sua inclusão na plataforma, onde o cadastro é recebido e segue o rito normal de validação exigido.

“A realidade que a gente encontra em campo não são as mesmas refletidas nos dados oficiais”, explica Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN.

Com três décadas de atuação na região, a instituição iniciou o projeto com oficinas para capacitar as comunidades no processo de mapeamento de seus territórios, mas percebeu que o desafio era bem maior do que se imaginava.

“O problema é tão grande que demoraria muitos anos pra fazer esse mapeamento. Por isso, a gente resolveu, ao invés de dar continuidade ao trabalho de oficinas, desenvolver um aplicativo para que as próprias comunidades pudessem mostrar seus territórios”, explica Isabel.

Mapeamento, oficinas nas comunidades do Matopiba e construção do app Tô no Mapa (Foto: Eduardo Rodrigues/ISPN)

(Foto: Eduardo Rodrigues/ISPN)

Até o momento, a iniciativa já mapeou 1.244 comunidades fora das demarcações oficiais em municípios dos quatro Estados que compõem o Matopiba, além do norte de Goiás – 630 delas só no oeste da Bahia.

“Esses grupos são grupos de pessoas que têm uma diferenciação cultural muito grande. Elas se identificam entre si e com o território ao qual elas pertencem e possuem uma relação com biodiversidade e com o clima bastante antiga daquele território”, afirma a coordenadora do ISPN.

Ela também destaca o papel dessas comunidades no manejo sustentável dos recursos naturais. “Essas populações desenvolveram uma relação com a biodiversidade muito grande. Conhecem remédios e processos da natureza que a gente não conhece”, ressalta a pesquisadora.

Embora a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais instituída em 2007 pelo governo federal reconheça apenas 28 agrupamentos no país, Isabel destaca há centenas delas sem reconhecimento oficial, o que impede a demarcação legal de seus territórios e as expõe a uma maior pressão fundiária nas áreas de fronteira agrícola. 

"A maior parte dessas comunidades está numa situação de vulnerabilidade fundiária absurda e guardam uma cultura que não tem preço. Conservam a biodiversidade com serviços ecossistêmicos ajudando o Brasil todo e não são reconhecidas por isso"

Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN

Das 2,4 mil comunidades já mapeadas pelo aplicativo, 83% encontram-se em média ou alta vulnerabilidade fundiária no Matopiba, segundo Isabel. “Elas estão na rota do desmatamento e não têm proteção legal. E o que temos visto no Matopiba é um avanço da fronteira agrícola de forma muito desenfreada baseada em grilagem de terras e quem mais sofre com essa expansão são o território dessas comunidades”, alerta.

Mapeamento, oficinas nas comunidades do Matopiba e construção do app Tô no Mapa (Foto: Eduardo Rodrigues/ISPN)

(Foto: Eduardo Rodrigues/ISPN)

A partir dos dados de conflitos de terra identificados pelo mapeamento, as três instituições pretendem elaborar parcerias com outros órgãos, inclusive com o MPF, para elaborar relatórios públicos periódicos que deem visibilidade ao problema.

“A gente gostaria de amadurecer uma parceria para dar tratamento a alguns casos e, eventualmente, judicializar essas demarcações, mas ainda estamos construindo essa estratégia”, explica a coordenadora do ISPN.