Por G1 PE e TV Globo


Laudo pericial sobre a morte do menino Miguel desmente versão de Sari Corte Real

Laudo pericial sobre a morte do menino Miguel desmente versão de Sari Corte Real

Por meio de perícias feitas no edifício de luxo onde Miguel Otávio, de 5 anos, morreu após cair de uma altura de 35 metros, no dia 2 de junho, o Instituto de Criminalística de Pernambuco (IC) constatou que Sari Corte Real, ex-patroa da mãe da criança, acionou a tecla da cobertura às 13h10, saindo do elevador em seguida. O laudo contradiz a versão dada pelo advogado de defesa de Sari (veja vídeo acima).

Segundo a perícia, a criança chegou a acionar a tecla de alarme antes chegar ao 9º andar, de onde caiu. A ocorrência foi considerada um acidente pelos peritos.

No documento de 82 páginas, a que a TV Globo teve acesso nesta terça-feira (30), o Instituto de Criminalística indica que Miguel entrou e saiu cinco vezes dos elevadores social e de serviço do Edifício Píer Maurício de Nassau, no bairro de Santo Antônio, no Centro do Recife, uma das Torres Gêmeas, como é conhecido o conjunto.

A primeira entrada ocorreu às 13h06, quando a criança aciona a tecla correspondente ao 9º andar do elevador social, mas Sari não solta a porta. Durante essa movimentação, a mãe da criança havia saído para passear com o cachorro da família dos patrões.

Laudo pericial sobre a morte do menino Miguel desmente versão de Sari Corte Real

Laudo pericial sobre a morte do menino Miguel desmente versão de Sari Corte Real

Veja a movimentação, segundo o laudo:

  1. Às 13H06, a criança entra no elevador social e aciona a tecla do 9º andar e o alarme. Miguel é convencido a deixar o elevador por Sari e sai 40 segundos depois de entrar.
  2. Às 13h07, a criança entra no elevador de serviço e e sai depois de 38 segundos. Não há registro de que a tecla 9 foi pressionada, mas o menino aperta a tecla de alarme e é convencido por Sari a sair.
  3. Às 13h08, a criança entra sozinha no elevador social e é seguida por Sari, que fica do lado de fora e segura a porta com a mão direita. Miguel, mais uma vez, aciona a tecla 9. Com a porta sendo segurada por Sari, a criança sai.
  4. Às 13h10, a criança entra sozinha no elevador social e aperta, pela terceira vez, a tecla do 9º andar. Depois de dois segundos, Sari chega e bloqueia a porta com a mão esquerda. O menino é convencido a sair, depois de alguns segundos, e corre em direção à porta de um imóvel, mas muda de sentido e vai em direção ao elevador de serviço.
  5. Ainda às 13h10, Miguel entra no elevador de serviço e aciona a tecla do 9º andar. Um segundo depois, a perícia constata que Sari chegou e bloqueou a porta. A criança aciona outras teclas, desordenadamente, entre elas, a do alarme, que não estava funcionando nesse elevador.
  6. Nesse momento, o laudo aponta que Sari não consegue convencê-lo a sair. Nesse mesmo minuto, Sari aperta a tecla da cobertura e sai. Em seguida, Miguel aperta mais teclas desordenadamente e as portas se fecham.

A criança para no segundo andar e a porta se abre, mas ela não desce. Miguel continua acionar "insistidas vezes a tecla de alarme", segundo o laudo, e o elevador sobe para o 9º andar. Miguel, então, olha para o painel.

Quatro segundos após o elevador parar, as portas abrem. Miguel segue até uma porta corta-fogo. A porta, segundo a perícia, estava quebrada, mas ainda que estivesse fechada, Miguel conseguiria abrir. A última imagem da criança com vida foi registrada às 13:11:32.

Imagem mostra Sari Corte Real apertar botão de elevador em que estava o menino Miguel — Foto: Reprodução/TV Globo

Criança estava sozinha, diz laudo

No 9º andar, Miguel segue em direção a um corredor e para defronte à janela da área técnica, escala um vão e alcança uma unidade condensadora de ar. Miguel tinha 1,10m e a janela, 1,20m. Marcas das sandálias que a criança usava atestam que ele ficou em pé na condensadora.

Para descer de lá, Miguel pisou em um segundo equipamento do mesmo tipo e se dirigiu a um gradil que tem função estética. A criança escalou as grades e, ao chegar ao quarto "degrau", ele se desequilibrou e se precipitou em queda livre.

A perícia descartou a hipótese de que alguém estivesse com a criança no 9º andar. Para isso, foi calculado o tempo em que o garoto saiu do elevador e caiu no térreo: 58 segundos. Também não havia vestígios de outra pessoa no corredor em que a criança entrou.

O laudo foi anexado ao inquérito do delegado Ramon Teixeira. De acordo com a Polícia Civil, a investigação deve ser concluída até a quarta (1º), podendo ser prorrogada por mais 30 dias.

Por meio de nota, o advogado constituído por Mirtes Souza, Rodrigo Almendra, afirmou que "o laudo pericial detalha o abandono" e que "a diferença entre o acidente e o desamparo é a escolha". "Optou-se em desproteger. Miguel foi largado no elevador sem ninguém a sua espera", diz o texto.

O advogado afirmou, ainda, que o trabalho da Polícia Científica de Pernambuco revelou "estudo minucioso, objetivo e esclarecedor".

Defesa

Por meio de nota, a defesa de Sari afirmou que “o acionamento ou não da tecla C é completamente irrelevante para a análise jurídica do caso”.

Na nota, os advogados afirmam que, “diante das especulações levantadas, são necessários alguns esclarecimentos”.

A defesa de Sari diz que “o laudo pericial produzido pelo respeitado Instituto de Criminalística fez uma densa análise da tragédia em apuração no Inquérito Policial, mas limita-se a indicar que o botão C (cobertura) foi pressionado em razão do movimento realizado por Sarí em filmagem amplamente divulgada pela mídia, mas não analisa se foi efetivamente acionado”.

Para os advogados, “além da ausência de iluminação do painel no local da tecla C, é possível observar, nas gravações subsequentes, que o elevador, após a descida de Miguel no 9º andar, abre no 11º (13:11:45), no 15º (13:12:10) e, finalmente, no 20º andar (13:12:31), onde permanece parado por quase 3 minutos e, em seguida, desce (13:15:17)”.

Ainda de acordo com os advogados, “houvesse a tecla sido acionada, é lógico que, após abrir no 20º andar, a porta fecharia imediatamente e o elevador seguiria rumo ao destino comandado – ou seja, a cobertura”.

Diante disso, a defesa afirma que “[o elevador] não seguiu viagem porque não foi pressionado”. Para os advogados, “essa inconsistência do laudo pericial foi devidamente exposta pela defesa nos autos do inquérito policial e, caso persistam divergências, é possível o aprofundamento da análise pericial para maiores esclarecimentos”.

Investigações

De acordo com investigadores ouvidos pela TV Globo, 20 depoimentos foram tomados pela polícia, ao longo da apuração do caso Miguel. Entre eles, estão os de pessoas que participaram do atendimento no Hospital da Restauração (HR), no Recife, além de policiais que registraram a ocorrência.

O depoimento de Sari Corte Real ocorreu na segunda-feira (29). A delegacia de Santo Amaro, responsável pelo inquérito, abriu duas horas mais cedo.

Por volta das 8h30, Mirtes Souza chegou à delegacia para falar com a ex-patroa. Após a conversa, Mirtes afirmou que Sari não demonstrou arrependimento pelo ocorrido (veja vídeo abaixo).

Caso Miguel: tumulto em porta de delegacia marca depoimento de Sarí Côrte Real

Caso Miguel: tumulto em porta de delegacia marca depoimento de Sarí Côrte Real

A empregada doméstica entrou na delegacia e chegou a se encontrar com Sari Corte Real extraoficialmente. Na saída de Mirtes, houve tumulto e policiais buscaram conter a população que estava no local.

Depois de cerca de oito horas, Sari deixou a delegacia em um carro da polícia, sob gritos de "assassina" e mais protestos. O marido dela, prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), saiu em seguida em outro carro.

Caso Miguel

Na tarde do dia 2 de junho, a mãe de Miguel havia descido do apartamento de Sari para passear com a cadela da família e deixou o filho aos cuidados de Sari. O menino entrou no elevador de serviço, e a patroa da mãe parece apertar o botão que leva à cobertura.

Sozinho, ele apertou vários botões. Parou primeiro no sétimo andar, mas não desceu. Subiu mais dois andares, saiu e abriu uma porta. Apenas um minuto depois, ele caiu no térreo. De acordo com a perícia, a queda foi de uma altura de 35 metros (veja vídeo abaixo).

Imagens inéditas de edifício mostram cronologia da tragédia com menino Miguel

Imagens inéditas de edifício mostram cronologia da tragédia com menino Miguel

As câmeras de segurança registraram que, antes de subir sozinho, Miguel entrou outras quatro vezes nos elevadores e foi convencido por Sari a sair. Na segunda-feira (8), os peritos voltaram ao prédio e foram categóricos: “Foi acidental”, disse o perito criminal André Amaral, do Instituto de Criminalística de Pernambuco.

Sari foi autuada em flagrante por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, e pagou fiança de R$ 20 mil para responder ao processo em liberdade. Em nota, o advogado afirmou que a ex-patroa de Mirtes está profundamente abalada e que é solidária ao sentimento da família.

Homenagens e protestos

Justiça por Miguel foi o tema do protesto realizado no Recife, no dia 5 de junho — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

O caso ganhou repercussão nacional, com manifestações de políticos e artistas na internet e criação de um abaixo-assinado virtual com mais de 2,5 milhões de assinaturas pedindo justiça.

No dia 12 de junho, durante um ato em frente ao prédio de onde Miguel caiu, manifestantes levaram cartazes com pedido de justiça e caminharam até a delegacia onde o caso é investigado.

, exigiram que a ex-patroa da mãe do menino seja punida por homicídio doloso, quando há intenção de matar, e não culposo, como entendeu a polícia.

Justiça por Miguel foi o tema do protesto realizado no dia 5 de junho, no Recife — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

No dia 9 de junho, artistas pediram justiça em um protesto em barcos no Rio Capibaribe, no Recife. No dia anterior, 8 de junho, uma missa de sétimo dia foi celebrada virtualmente devido à pandemia da Covid-19.

No dia 7 de junho, outra homenagem a Miguel foi feita, mas em Tamandaré. Em 6 de junho, uma pintura com o rosto do menino foi feita na frente do prédio onde ocorreu o acidente. Em 5 de junho, um protesto reuniu centenas de pessoas em frente ao prédio onde vive a família dos ex-patrões de Mirtes, com forte participação do movimento negro.

Auxílio emergencial

Sari Corte Real estava responsável pelo menino Miguel, que caiu do 9º andar — Foto: Reprodução/TV Globo

O nome de Sari Gaspar Corte Real, primeira-dama de Tamandaré, aparece no portal Dataprev após um pedido de auxílio emergencial, benefício concedido durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus.

Segundo o Dataprev, o auxílio emergencial foi solicitado no dia 14 de maio. O portal recebeu o pedido no dia seguinte. Os dois filhos de Sari, de 6 e 3 anos de idade, estão cadastrados como parte do grupo familiar.

Procurado pelo G1, o advogado de Sari Gaspar Corte Real, Pedro Avelino, informou por telefone que a solicitação de auxílio emergencial feita em nome dela é uma fraude.

Funcionárias-fantasma

Mirtes Souza trabalhava como empregada doméstica na casa do prefeito de Tamandaré, mas era funcionária-fantasma da prefeitura — Foto: Reprodução/TV Globo

O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) confirmou que a mãe e a avó de Miguel eram contratadas da Prefeitura de Tamandaré. Durante a apuração do caso, foi descoberta outra funcionária-fantasma que prestava serviços particulares à família do prefeito.

Os técnicos do TCE-PE fizeram uma visita à prefeitura de Tamandaré e constataram a contratação de Mirtes e Maria, além de Luciene Neves, que trabalha na casa de praia do prefeito. Segundo o o conselheiro do TCE, Carlos Porto, isso implica em improbidade administrativa por estar sendo usado servidores com recursos públicos em trabalhos particulares.

O prefeito Sérgio Hacker afirmou, em nota, que forneceu documentos ao TCE e ao Ministério Público de Pernambuco que demonstram que não houve prejuízo aos cofres públicos. Disse, ainda, que continuará contribuindo com as investigações.

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