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Política Bolsonaro

Impasse desgasta Ramos, articulador de Bolsonaro, com Congresso e Planalto

Aliados do presidente dizem que ele não sabia do valor que acordo destinava aos parlamentares
Sessão do Congresso Nacional Foto: Luis Macedo / Agência O Globo
Sessão do Congresso Nacional Foto: Luis Macedo / Agência O Globo

BRASÍLIA — Enviado pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, o projeto que garante o controle de R$ 19 bilhões do Orçamento pelos parlamentares colocou o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos , responsável pela articulação política, em posição desconfortável tanto no Palácio do Planalto quanto no Congresso. A repercussão negativa do acordo provocou uma reação irritada de Bolsonaro, que reclamou de ter sido induzido a erro e alvo de traição. Após o presidente defender publicamente a rejeição do projeto que ele próprio assinou, a votação na Comissão Mista de Orçamento (CMO) foi adiada ontem e a cúpula do Congresso avalia desistir da proposta. Na berlinda, Ramos espera que o adiamento lhe dê mais tempo para desanuviar a crise, que já provoca dúvidas sobre sua permanência no cargo. Enquanto isso, os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), querem uma reunião com Bolsonaro para definir o tema.

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Bolsonaro negou seguidas vezes ter feito um acordo com o Congresso, apesar de ter assinado o envio dos projetos junto com os ministros Ramos e Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral. As negociações em torno do controle de recursos pelo Congresso começaram no ano passado, tendo Ramos à frente. A equipe econômica e o próprio ministro Paulo Guedes participaram de algumas reuniões para tentar reduzir o montante que poderia ficar nas mãos do Congresso, mas após seguidos entendimentos Bolsonaro desautorizou a negociação.

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Envolvidos no debate admitem que o presidente não foi informado do montante que seria destinado ao Congresso. E que o clima azedou de vez após o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, reclamar de chantagem dos parlamentares e recomendar um “foda-se” do governo na véspera do Carnaval, como revelou O GLOBO.

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Após encontro com Alcolumbre na semana passada, do qual também participaram Ramos e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), Bolsonaro convocou ministros para consultar se poderia enviar o novo projeto. E ouviu que sim, mas novamente sem ser informado sobre o valor em jogo. Na sexta, um dia antes de viajar para agendas nos Estados Unidos, o líder do governo na Câmara, Major Vítor Hugo (PSL-GO), pediu uma audiência com o presidente para reclamar do valor cedido ao Congresso: R$ 19 bilhões. Este montante foi informado pela equipe econômica.

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Ramos sustenta que o valor que ficaria sob o controle do relator do Orçamento, Domingos Neto, seria de R$ 10 bilhões, e passível de contingenciamento. A situação do ministro responsável pela articulação política, porém, é vista como delicada inclusive por aliados. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, é citado como um possível substituto.

Retaliações ao Executivo

O desgaste da articulação política pode se refletir ainda em outras pautas de interesse do governo, para além da partilha do Orçamento. Ontem, a sessão de plenário do Congresso foi encerrada sem análise dos vetos que estavam em pauta. O primeiro da lista era o que impediu a elevação do limite de renda per capita familiar (por pessoa da família) de quem tem direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas).

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No Congresso, parlamentares afirmam que caso o acordo sobre Orçamento seja mesmo desfeito é possível haver retaliações ao Planalto. Uma possibilidade seria manter nos plenários da Câmara e do Senado as alterações feitas na Medida Provisória que permitiu o pagamento do 13º salário do Bolsa-Família no ano passado. Os parlamentares tornaram o benefício permanente e ainda o estenderam a quem recebe o BPC.

Também há temor de que possa haver contaminação na negociação sobre o aumento da complementação a ser paga pela União no Fundo de Desenvolvimento de Educação Básica (Fundeb). E apesar de haver apoio da cúpula do Congresso a reformas consideradas delicadas, como a reforma administrativa e a PEC emergencial (que permite reduzir salários de servidores), há a avaliação que o governo teria dificuldades para evitar desidratações no impacto fiscal destas medidas.

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Após Bolsonaro ter defendido nos EUA a rejeição do projeto, o governo passou a trabalhar para empurrar a votação para depois das manifestações contra o Congresso convocadas para o próximo domingo. O presidente chegou a dizer que uma rejeição do projeto poderia até desmobilizar os protestos, que ele endossou.

A cúpula do Legislativo avalia a possibilidade de abrir mão do projeto. Em reuniões que entraram a madrugada de ontem, o comando do Parlamento se debruçou sobre duas possibilidades: a de colocar o projeto em banho-maria por tempo indeterminado e a de simplesmente rejeitar a proposta. A avaliação é a de que o Congresso tem de fazer movimentos que desidratem a narrativa de Bolsonaro de que o governo é vítima de articulações do Congresso.

Nas conversas da cúpula do Legislativo, a fala de Bolsonaro sugerindo que o Congresso rejeite o texto do governo foi classificada como chantagem explícita. Políticos que participaram do encontro dizem que, em meio ao risco de uma recessão mundial, o Parlamento pode acabar sendo responsabilizado pela crise econômica no Brasil. Segundo essa análise, se os parlamentares ficarem com os R$ 19 bilhões, o presidente daria força ao discurso de que, quando a economia do país não vai bem, deputados e senadores tiram recursos do governo e travam o avanço do país.

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Alcolumbre e Maia esperam se reunir com Bolsonaro ainda esta semana para conversar sobre a polêmica. Eles querem entender o que o presidente realmente pensa sobre o assunto e tentar acertar com ele uma saída para a crise. Aliados de Alcolumbre e Maia dizem que será difícil confiar em novos acordos com o Executivo. Os congressistas reclamam que cumpriram sua parte ao manter os vetos de Bolsonaro na semana passada. E completam que, ao jogar a responsabilidade pelo projeto para o Congresso, o presidente “joga gasolina” para que as manifestações ataquem os parlamentares.

Após o recuo de Bolsonaro e o adiamento da votação na Comissão de Orçamento, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), disse que ainda há uma “tentativa de construção de um entendimento”. Perguntado sobre a possibilidade de retirada do projeto, como pedem alguns deputados e senadores, ele afirmou que essa é uma “prerrogativa” do presidente da República.

— Ele chega de viagem e vai querer receber informações sobre as conversações aqui no Congresso, mas, por enquanto, não tenho nenhuma orientação sobre essa questão (retirada do projeto).