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Desmatamento da Amazônia bate recorde em junho, alerta Inpe

Números apontam que o índice é 10,6% maior do que o registrado no mesmo mês, em 2019; governo enfrenta pressão de investidores estrangeiros pela preservação da floresta
Área de desmatamento na região da Amazônia Foto: CARL DE SOUZA/AFP
Área de desmatamento na região da Amazônia Foto: CARL DE SOUZA/AFP

RIO — O desmatamento na Amazônia em junho quebrou mais um recorde na série histórica do mês e chegou a 1.034,4 km² devastados, segundo números do sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O índice é 10,6% maior do que o registrado no mesmo período, em 2019. A área é um pouco menor do que a cidade do Rio de Janeiro, que tem 1.255 km².

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Segundo o Deter, que compila alertas diários de desmatamento por meio de imagens de satélite, a derrubada da floresta também cresceu 25% de janeiro a junho em relação ao mesmo intervalo no ano passado, quando houve forte consternação internacional pela mitigação do desmatamento ilegal no bioma.

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Ao todo, uma área de 3.069,57 km² foi desmatada nos últimos seis meses.

A alta de junho deste ano coincide com a pressão sofrida pelo governo federal por investidores estrangeiros, que ameaçam retaliar o país caso os índices de desmatamento não sejam reduzidos. Desta vez, o centro das atenções é o vice-presidente Hamilton Mourão , que assumiu o comando do recém-criado Conselho Nacional da Amazônia .

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No ano passado, o desgaste ficou em boa parte concentrado no ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que teve um pedido de afastamento requerido pelo Ministério Público Federal (MPF) por improbidade administrativa. Na reunião ministerial de 22 de abril, Salles defendeu que o governo federal aproveitasse o momento em que a sociedade e a imprensa estão atentas à pandemia para “passar a boiada” nas regulações ambientais brasileiras.

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Em 2019, conforme O GLOBO noticiou na ocasião , os números de junho representaram uma escalada na degradação da Amazônia no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. e tiveram repercussão na comunidade internacional. A crise também levou o presidente a questionar publicamente a confiabilidade dos dados do Inpe, episódio que levou à queda do então presidente do estudo, Ricardo Galvão .

A temporada de queimadas na Amazônia, que se intensificou mais cedo do que o usual em 2020, é a outra face da degradação do bioma amazônico. Foram 2.248 focos de incêndio registrados por satélites de 1º a 30 de junho, um aumento de 19,5% em relação ao mesmo período, em 2019, segundo o Inpe. No ano passado, foram 1.880 focos.

Maior estrago já foi feito, diz WWF-BR

Na avaliação da ONG Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Brasil), os números do sistema Deter para o primeiro semestre de 2020 são os piores da última década. A organização lembra que é o segundo ano consecutivo de aumento do desmatamento desde a posse de Bolsonaro, “eleito com um discurso que acenava para madeireiros, grileiros e garimpeiros, principais agentes do desmatamento na Amazônia”.

O diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil, Edegar Rosa, manifestou por meio de nota a preocupação com o aumento de queimadas, que são intensificadas no período pós-desmate com o objetivo de “limpar” as áreas de floresta derrubada, neste ano.

“Mesmo que não se queime nenhum metro quadrado na atual temporada de fogo que vai até setembro — como espera o vice-presidente da República Hamilton Mourão ao propor novamente a moratória das queimadas na Amazônia Legal este ano —, o maior estrago já foi feito”, disse Rosa no comunicado. “O fato é que uma imensa parcela da floresta amazônica já está no chão”, lamentou.

Para o Greenpeace, a despeito da criação do Conselho Nacional da Amazônia neste ano como resposta à pressão internacional contra o desmatamento e as queimadas, os números do Inpe apontam a “ineficácia” do governo no controle da degradação amazônica.

Na avaliação da ONG, a desmobilização dá “prosseguimento à sua política antiambiental que fragilizou órgãos de fiscalização, como Ibama e ICMBio, enquanto prevê uma grande quantidade de recursos para operações militares ineficazes, sob comando do vice-presidente Hamilton Mourão”.

Para Cristiane Mazzetti, da campanha de Amazônia do Greenpeace, os índices desmontam a narrativa da administração Bolsonaro de que havia uma mudança de cenário concreta em relação à preservação da Amazônia.

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“Mitigar e reverter os danos causados por esta política antiambiental à floresta e à imagem do país exigirá muito mais: precisamos de resultados concretos, e para isso será necessário um plano robusto para conter tamanha destruição”, afirmou Cristiane por meio de um comunicado.

“A começar por ações de comando e controle em caráter permanente e executadas por órgãos competentes e bem aparelhados. Este é um caminho — já conhecido — que este governo insiste em ignorar”, completa.

Falta de coordenação na política ambiental

Declarações de integrantes do governo Bolsonaro nas últimas 24 horas reforçaram a tese de que não há uma coordenação programática para frear o desmatamento ilegal. Em um evento do think tank Personalidade em Foco, na última quinta-feira, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, defendeu a extinção do conceito da Amazônia Legal, conforme informou o jornal Estado de S. Paulo. Na avaliação de Azevedo, trata-se de uma concepção “ultrapassada” por abranger áreas ocupadas.

A tese foi rechaçada durante a discussão do Código Florestal, aprovado pelo Congresso Nacional em 2012. O ministro da Defesa sustenta que é possível voar “horas” sobre a floresta sem encontrar sinais de degradação, embora o desmatamento em áreas protegidas e públicas não destinadas tenha crescido substancialmente.

A Amazônia Legal abrange mais de 5 milhões de km² de terras espalhadas pelas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O conceito foi criado nos anos 50 com o objetivo de desenvolver economicamente a região e, por isso, contempla áreas ocupadas e matas de transição. Ambientalistas, no entanto, sempre se mostraram refratários à revisão de seus critérios.

Outra fala que chamou atenção de especialistas e defensores da área ambiental foi a do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que manifestou desconhecimento em relação à região. Em entrevista ao canal CNN Brasil na última quinta-feira, Faria sugeriu que a floresta é composta “87% por mata atlântica e 13% de queimadas”, embora o bioma amazônico seja bastante distinto da mata atlântica.

— Se você chegar em Manaus e pousar, ou se quiser pedir um avião para ver mata atlântica, (você) fica três horas sem parar vendo mata atlântica atrás de mata atlântica. Mas se quiser fazer o que muitos jornalistas do exterior e artistas fazem, (dizer) “quero ver queimadas”, também tem regiões que mostram (o fogo). Temos 87% de mata atlântica e 13% de queimadas — disse o ministro das Comunicações.

Fábio Faria repercutiu, ainda, uma fala da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que garantiu aos investidores estrangeiros a independência do agronegócio brasileiro em relação às terras da Amazônia. No entanto, muitas áreas desmatadas são queimadas e degradadas para a formação de pastos.

No início de junho, um relatório do Greenpeace concluiu que os frigoríficos JBS, Marfrig e Minerva compraram desde 2018 milhares de cabeças de gado ligados ao desmatamento da Floresta Amazônica desde 2018. O documento apontou, ainda, um processo chamado de “lavagem de gado”, que envolve o transporte de bois criados em áreas desmatadas para fazendas com o objetivo de ocultar suas origens.