• Jornal de Negócios do Sebrae-SP
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Marcos Martins, proprietário do Mar de Café: estabelecimento é um dos que vêm se adaptando às vendas na quarentena (Foto: Ricardo Matsukawa / Ricardo Yoithi Matsukawa-ME / Sebrae-SP)

Marcos Martins, proprietário do Mar de Café: estabelecimento é um dos que vêm se adaptando às vendas na quarentena (Foto: Ricardo Matsukawa / Ricardo Yoithi Matsukawa-ME / Sebrae-SP)

Os 10 mil ímãs de geladeira estampados com os números de telefone e de WhatsApp do empório Armazém Confiança tinham acabado de ficar prontos quando, em meados de março, foi decretada a quarentena no Estado de São Paulo, determinando que a população fizesse isolamento social, ou seja, só sair às ruas em caso de extrema necessidade, e que o comércio só funcionasse se considerado serviço essencial, como alimentação e medicamentos.

Daniel Alves, dono do empório, que fica em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, estava se estruturando para começar a oferecer o serviço de entregas em um mês quando viu que precisaria começar a entregar já no dia seguinte. A inscrição na plataforma do aplicativo de entregas iFood já estava feita, mas ainda faltava treinar os funcionários, organizar as embalagens e fazer o marketing digital para divulgar a novidade.

Os funcionários passaram a ser treinados em tempo real e as embalagens começaram a sair sem a identidade visual da loja. E nem foi preciso fazer a ação de divulgação, já que os próprios clientes procuraram o serviço espontaneamente e, após duas semanas em operação, os pedidos para entrega faziam fila na loja, assim como os motoboys na calçada.

Como o Armazém vende alimentos e bebidas, assim como produtos de limpeza e higiene pessoal, Alves viu os pedidos crescerem exponencialmente, e, de acordo com ele, com um tiquete médio maior que o usual. No início de abril, o delivery já representava 40% do faturamento do empório aberto há pouco mais de nove meses.

O desafio de Alves está sendo acertar a demanda. As compras semanais para abastecimento acabaram virando diárias. E, mesmo após o auge da crise, ele pretende não só manter o serviço de delivery como se prepara para investir em um aplicativo próprio com entregas feitas em parceria com a Loggi.

“A demanda na região é alta, só observar a quantidade de entregas que faz a padaria da esquina. O bairro tem uma população de alto poder aquisitivo e oferecer o serviço de delivery será cada vez mais básico para os estabelecimentos”, avalia.

Os aplicativos consultados – iFood, Rappi e UberEats – não revelaram qual o número de estabelecimentos que se credenciaram ou reativaram suas contas depois do início da crise. A Rappi informou que identificou “um aumento significativo no número de pedidos de supermercado”.

Adaptações
A rotina na empresa Scuadra ajuda a dar uma ideia do aumento da demanda por delivery. Ela é fornecedora de embalagens para restaurantes, entre eles alguns famosos da cidade de São Paulo, e não deu conta de atender a novos clientes, pois o aumento da demanda entre seus consumidores foi de 50% entre fevereiro e o final de março. “Nossas máquinas e nossa equipe estão trabalhando na capacidade máxima e já não conseguem atender na velocidade que a demanda está chegando”, relata o CEO da Scuadra, Luiz Silveira.

O restaurante Cajuí, na Vila Madalena, foi um dos que tiveram de correr atrás de embalagens. Guilherme Pereira de Carvalho e seus dois sócios no estabelecimento vegano estavam dando os primeiros passos para iniciar o serviço de delivery a partir do meio do ano, mas se viram obrigados a adiantar o calendário desse plano quando a crise de saúde pública mundial forçou-os a fechar as portas do negócio, aberto em dezembro de 2019.

A determinação oficial de fechar o atendimento ao público chegou após duas paradas no funcionamento: o recesso da virada de ano e o Carnaval. “Tínhamos voltado a funcionar há cerca de 15 dias apenas quando estourou a crise e estávamos ainda estudando como inserir o delivery na operação”, conta Carvalho.

Além disso, o restaurante ainda tem o desafio de garantir a apresentação dos pedidos, por isso, tiveram de providenciar novas embalagens para suportar alimentos com mais molhos, adaptar alguns pratos e tirar do cardápio algumas sobremesas, principalmente aquelas com sorvete.

“Um legado que essa crise vai deixar será o e-commerce de alimentos, que nunca esteve entre as categorias mais vendidas e agora é o principal. O estabelecimento que trabalha com alimentação tem que se preocupar ainda mais em como esse produto será entregue, para não causar má impressão”, explica a consultora de negócios do Sebrae-SP Ariadne Mecate.

No Cajuí, além dos aplicativos, um motoboy terceirizado faz as entregas dos pedidos que chegam por telefone e WhatsApp. Todo o esforço tem garantido, até o momento, cerca de 10% do faturamento médio habitual, mas Carvalho espera um aumento da demanda conforme o serviço fique mais conhecido. “Vejo capacidade grande de continuar dessa forma, mesmo que não seja com o mesmo faturamento, mas que valha a pena manter, principalmente pelos funcionários, que são a prioridade”, diz Guilherme.

Café em casa
Dono do pequeno Mar de Café, Marcos Martins teve que adaptar seu modelo de negócio: uma cafeteria com menu de bebidas e acompanhamentos como pão de queijo (massa feita por ele mesmo) e o doce francês que é o diferencial da casa, o canelé.

Com uma operação que depende totalmente do fluxo de pessoas na região, e já que oferecer delivery de café espresso é inviável, Martins passou a fazer entregas do pacote de café especial – em pó ou em grãos. Localizado na Aclimação, zona central de São Paulo, o empreendedor resolveu fazer as entregas com o próprio carro pela região e nos bairros do entorno, como Vila Mariana, Cambuci e Chácara Klabin.

A estratégia de “guerrilha”, como ele classificou, foi adotada pois considerou que aderir aos aplicativos não valia a pena, por uma série de fatores, entre eles o “ranqueamento” dos estabelecimentos que os apps promovem entre os usuários – como novato, ele acredita, seria prejudicado. Além disso, Martins não conseguiria absorver o custo do uso da plataforma e ainda teria que enfrentar a concorrência com outros negócios similares espalhados por São Paulo.

“Os clientes habituais são os que estão mais engajados em fazer os pedidos, pois já conhecem bem o produto e ainda querem apoiar os pequenos negócios”, conta. Os clientes sentiram falta dos petiscos, e, atendendo a pedidos, Martins passou a entregar também a massa do pão de queijo e o canelé.

No início de abril, a “guerrilha” estava rendendo ao empreendedor apenas cerca de 5% do que costumava faturar em média. Mas, para ele, a atividade também tem servido como terapia. “É saudável ter o compromisso de trabalhar e ter o que fazer, é a minha terapia”, relata.

Enquanto isso, Martins conseguiu negociar o aluguel do ponto e com os principais fornecedores. Ariadne, do Sebrae-SP, lembra que esse é um momento em que todas as empresas estão tendo de se adaptar. “Foi todo mundo pego de surpresa e o cliente também entende isso. Mas como a operação física está parada, o empresário consegue focar nessa adaptação e organizar a melhor estratégia”, diz.