Por G1 — Brasília


O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou em 27 de abril abertura de inquérito para investigar denúncias contra o presidente Jair Bolsonaro feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro.

Ao anunciar sua saída do governo, em 24 de abril, Moro havia dito que Bolsonaro tentou interferir politicamente no trabalho da Polícia Federal e em inquéritos relacionados a familiares.

O pedido de abertura do inquérito foi encaminhado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Decano do STF, Celso de Mello foi sorteado relator do pedido.

Veja, abaixo, perguntas e respostas sobre o inquérito:

O que significa, juridicamente, a abertura do inquérito?

Significa que o ministro do STF Celso de Mello entendeu que há elementos nas declarações de Moro que justificam uma investigação prévia. Os dados levantados na investigação podem ou não levar à abertura de um processo, a depender do fato de a Justiça considerar as provas suficientes.

Enquanto não há um processo, ninguém pode ser considerado réu. Consequentemente, a abertura do inquérito não significa que a Justiça já considera alguém culpado.

Celso de Mello autoriza inquérito para investigar denúncias de Moro contra Bolsonaro

Celso de Mello autoriza inquérito para investigar denúncias de Moro contra Bolsonaro

O que Celso de Mello justificou para autorizar o inquérito?

O decano do STF argumentou que os fatos narrados por Moro "parecem" ter relação com o exercício do mandato do presidente Bolsonaro, hipótese em que a Constituição permite a abertura de um inquérito.

Segundo Celso de Mello, os fatos narrados por Moro têm relação com o exercício do cargo de presidente, o que permite a investigação de Bolsonaro durante o mandato.

"Os crimes supostamente praticados pelo senhor presidente da República, conforme noticiado pelo então Ministro da Justiça e Segurança Pública, parecem guardar (...) íntima conexão com o exercício do mandato presidencial, além de manterem – em função do período em que teriam sido alegadamente praticados – relação de contemporaneidade com o desempenho atual das funções político-jurídicas inerentes à chefia do Poder Executivo", escreveu o ministro.

Quem pediu ao STF a abertura do inquérito?

O pedido foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O Ministério Público Federal, comandado pelo procurador-geral da República, tem a prerrogativa de acionar o presidente do país na Justiça. Aras tomou a iniciativa após as denúncias feitas por Moro na entrevista coletiva em que anunciou sua demissão.

Quais devem ser os passos do inquérito?

  • O inquérito foi aberto no STF por se tratar de supostos crimes comuns cometidos pelo presidente da República e será conduzido pelo ministro Celso de Mello, que deve supervisionar e autorizar as diligências.
  • Aberto o inquérito, começou a fase de produção de provas, com a coleta de documentos, quebra de sigilos, oitivas de testemunhas, perícias e todas as medidas necessárias para esclarecer os fatos narrados.
  • As diligências são feitas pela PF sob supervisão da Procuradoria Geral da República. O delegado da PF responsável pelo comando das diligências deverá produzir um relatório com as provas e evidências coletadas.
  • A partir do pedido da PGR, Celso de Mello determinou que, em 60 dias, os policiais colhessem o depoimento de Sergio Moro e que o ex-ministro apresentasse os documentos que possui.
  • A partir do relatório da PF, a PGR decidirá se denuncia ou não o presidente por algum crime.
  • No pedido de abertura de inquérito, a PGR indicou a possível existência de crimes como falsidade ideológica (Sergio Moro negou ter assinado a exoneração do ex-diretor Maurício Valeixo pulicada no Diário Oficial); coação no curso do processo (suposta ameaça para interferir em processo em interesse próprio); advocacia administrativa (patrocinar interesse privado diante da administração pública); prevaricação (faltar ao cumprimento do dever por interesse ou má-fé); obstrução de Justiça (tentar impedir investigação); e corrupção passiva privilegiada (ceder à influência agente público ferindo seu dever).
  • Se a PGR apresentar denúncia, a Câmara dos Deputados precisa autorizar o avanço das acusações.
  • Se a Câmara der o aval, o STF decide se recebe ou não a denúncia.
  • Se a denúncia for aceita pelo STF, o presidente é afastado por 180 dias, se torna réu e passa a responder pelos crimes em um processo criminal.
  • Caso a Câmara dos Deputados não dê o aval, a denúncia fica suspensa até o final do mandato do presidente, assim como ocorreu no mandato do ex-presidente Michel Temer e as denúncias apresentadas pelo ex-procurador Rodrigo Janot.
  • Se comprovado que o ex-ministro Sergio Moro mentiu em suas declarações, ele pode vir a responder por denunciação caluniosa e crime contra a honra. No caso de Moro, o processo deve correr na primeira instância, já que ele perdeu o foro privilegiado.

O que disse Sergio Moro?

Ao anunciar a decisão de sair do governo, Moro disse que Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF. Um dos motivos alegados pelo ministro para deixar o Ministério da Justiça foi a exoneração do ex-diretor-geral da PF Mauricio Valeixo, seu homem de confiança.

Moro afirmou que Bolsonaro decidiu trocar a direção-geral da PF porque o presidente gostaria de ter acesso a informações de inquéritos sobre a própria família. O ex-ministro alegou ainda que Bolsonaro fez pressão para tirar o delegado Ricardo Saadi da superintendência da PF do Rio de Janeiro e demonstrou preocupação sobre inquéritos em curso no STF. Saadi deixou o posto após críticas de Bolsonaro à atuação dele, contestadas em nota oficial pela PF.

Além disso, o ministro apresentou imagens de troca de conversas de celular com o presidente. Uma delas mostra que o presidente enviou a Moro o link de uma reportagem que relatava que a PF estava "na cola" de 10 a 12 deputados bolsonaristas. No print, o número que seria de Jair Bolsonaro escreve, em referência a Valeixo: "mais um motivo para a troca".

Moro também entregou ao Jornal Nacional conversas com a deputada a deputada federal Carla Zambelli (PSL), aliada de primeira hora de Bolsonaro. Segundo Moro, nas mensagens a parlamentar afirma que, se ele aceitasse a substituição na direção-geral da PF, poderia, após alguns meses, ser indicado como ministro do STF.

Em depoimento de mais de oito horas à PF no dia 2 de maio, Moro reafirmou que Bolsonaro queria interferir politicamente na PF. De acordo com o ex-ministro, o presidente pediu em fevereiro, por mensagem de celular, para indicar um novo superintendente para a PF no Rio de Janeiro. A mensagem, segundo o relatório do depoimento, "tinha mais ou menos o seguinte teor": "Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro".

Moro disse ainda que, em reunião do conselho de ministros em 22 de abril, o presidente também cobrou a substituição tanto do superintendente da PF do Rio de Janeiro, além relatórios de inteligência e informação da PF. Na ocasião, Bolsonaro teria dito que, se não pudesse fazer a troca no RJ, poderia então trocar o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça.

Essas reuniões eram gravadas e tinham participação de todos os ministros e servidores da assessoria do Planalto. O vídeo do de 22 de abril uma das evidências do inquérito (leia mais abaixo).

No depoimento, Moro declarou que, em 23 de abril, em nova reunião com Bolsonaro, o presidente disse que iria substituir Valeixo por Alexandre Ramagem – atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e amigo da família Bolsonaro.

Em seguida, Moro reuniu-se com ministros militares do Palácio do Planalto – Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Walter Braga Netto (Casa Civil). Nesse encontro, Moro informou os motivos pelos quais não poderia aceitar a nomeação de Ramagem no lugar de Valeixo e disse sairia do governo e "seria obrigado a falar a verdade".

O que disse Bolsonaro?

Confira os principais pontos do pronunciamento de Jair Bolsonaro

Confira os principais pontos do pronunciamento de Jair Bolsonaro

Em pronunciamento (veja no vídeo acima), Bolsonaro afirmou que as declarações de Moro são infundadas e que não tentou interferir na PF.

Disse também que o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril deveria ter sido destruído e disse que, na reunião, sua preocupação era com a segurança da família – não com investigações. A afirmação não faz sentido, já que a segurança da família é feita pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – e não pelo Ministro da Justiça ou pela PF.

Inicialmente, o presidente também negou ter ter usado na reunião os termos "polícia federal", "superintendência" e "investigação sobre os filhos". Dias depois, no entanto, ele admitiu ter falado falou a palavra "PF" no encontro ministerial. Também ressaltou que se posicionou para interferir em assuntos de segurança física de sua família, e não em temas de inteligência e investigações dentro da corporação.

O Jornal Nacional apurou com exclusividade que um ato de Bolsonaro põe em xeque essa versão dele próprio para o que disse na reunião ministerial. A apuração mostrou que, 28 dias antes da reunião, o presidente tinha promovido o responsável pela segurança, em vez de demiti-lo. E ainda promoveu, para o lugar dele, o número dois da diretoria.

E, mesmo no Rio de Janeiro, houve troca na chefia do escritório do GSI menos de dois meses antes da reunião ministerial.

Qual a relação entre a reunião de 22 de abril e o inquérito?

Uma das evidências do inquérito, a reunião do conselho de ministros aconteceu em 22 de abril, em Brasília, e tinha como objetivo apresentar o programa econômico Pró-Brasil.

Na ocasião, segundo Moro, Bolsonaro cobrou a substituição do superintendente da PF do Rio de Janeiro e de Valeixo, além relatórios de inteligência e informação da PF.

Em 12 de maio, a gravação do encontro ministerial foi exibida em Brasília de forma reservada a Moro, a advogados do ex-ministro, à Procuradoria Geral e à PF por determinação do ministro Celso de Mello. O vídeo está sob sigilo desde que chegou ao STF.

‘Eu tenho a PF que não me dá informações’, disse Bolsonaro em reunião ministerial

‘Eu tenho a PF que não me dá informações’, disse Bolsonaro em reunião ministerial

Fontes ouvidas pelo blog de Andréia Sadi no G1 avaliaram que o vídeo devastador para Bolsonaro. Além disso, confirmaram à TV Globo e à GloboNews que o presidente usou palavrões no encontro e fez ameaças de demissão para trocar comando da PF no Rio de Janeiro.

O Palácio do Planalto, no entanto, não acredita em denúncia contra Bolsonaro por parte da PGR em razão do conteúdo da reunião ministerial. Assessores do presidente avaliam que o vídeo não contém “elementos fortes com valor jurídico”.

Em 14 de maio, a Advocacia-Geral da União (AGU) divulgou a transcrição parcial da reunião, em que aparece o presidente falando "PF". Bolsonaro reconheceu que o texto divulgado pela AGU corresponde à realidade.

O presidente defende que não sejam mostradas as partes em que ele fala sobre "questões que têm a ver com política externa e segurança nacional". Já a defesa de Moro pediu ao STF a divulgação do material na íntegra.

O ministro Celso de Mello, relator do inquérito no STF, assistiu em 18 de maio à íntegra da gravação. O STF informou também que Celso de Mello decidirá até o fim desta semana sobre o sigilo do material.

Qual o próximo passo de Aras?

De acordo com o blog de Andréia Sadi no G1, o procurador-geral da República, Augusto Aras, vai questionar Bolsonaro a respeito da troca na segurança pessoal feita 28 dias antes da reunião ministerial do dia 22 de abril.

Segundo o blog apurou, ao final do inquérito, a PGR quer ouvir o presidente – entre as perguntas, questionará a respeito das trocas na PF. Nas palavras de um procurador, "tudo que for do escopo do inquérito Moro x Bolsonaro será analisado".

Nos bastidores, Aras tem demonstrado preocupação com a ampliação da investigação que está no STF. Na avaliação do PGR, o inquérito, que deveria durar 60 dias, "não acaba antes de 2022".

Se o vídeo for divulgado integralmente por Celso de Mello, para a cúpula da PGR, o inquérito “vira palanque eleitoral”.

Aras prepara novas diligências para as próximas semanas – Bolsonaro será o último a ser ouvido. Antes disso, o PGR avalia se pede novo depoimento de Sergio Moro. Nos bastidores, o PGR diz a assessores que, após o depoimento de Mauricio Valeixo, o ex-ministro da Justiça "partiu para o ataque contra o presidente", citando postagens do ex-ministro no Twitter como exemplo. Por isso, segundo o blog apurou, Moro pode ser chamado novamente a depor.

O que dizem outros citados no inquérito?

Além de Moro, o procurador-geral da República, Augusto Aras pediu em 4 de maio que a PF colhesse depoimentos de pessoas citadas pelo ex-ministro. Os chamados a depôr são três ministros do governo, seis delegados e uma deputada federal.

Presidente da República pode ser alvo de inquérito durante o mandato?

Sim. De acordo com a Constituição, o inquérito não poderia ser aberto se apuração se referisse a atos alheios ao exercício do mandato, o que não é caso.

A Câmara não deveria dar o aval para Bolsonaro ser alvo de inquérito?

Não cabe aval da Câmara para o inquérito. A autorização dos deputados, de acordo com a Constituição, é necessária para abertura de processo penal contra o presidente da República. O processo penal, quando é instaurado, é uma etapa posterior ao inquérito.

Em um eventual processo, Bolsonaro poderia ser enquadrado em quais crimes?

De acordo com o pedido de Augusto Aras, a conduta de Bolsonaro, se for verificada a irregularidade, pode ser enquadrada em crimes como:

  • falsidade ideológica;
  • coação no curso do processo;
  • advocacia administrativa;
  • prevaricação;
  • obstrução de Justiça;
  • e corrupção passiva privilegiada.

Celso de Mello citou algum eventual crime que Moro possa ter cometido?

No pedido de abertura de inquérito, Aras indicou que, se Moro não provasse as acusações, poderia ser acusado de denunciação caluniosa e crimes contra a honra.

Na decisão, o ministro Celso de Mello ignorou a citação feita pelo procurador-geral sobre Moro.

Mello não incluiu na decisão nenhum crime que supostamente tenha sido cometido por Moro. O decano faz referência apenas aos fatos narrados pelo ex-ministro e que atingem Bolsonaro.

Alguém mais será investigado no inquérito?

Um pedido de investigação apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi anexado ao da Procuradoria-Geral da República. No documento, o parlamentar pediu que a PGR apreenda o celular da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) para investigação.

Mensagens supostamente trocadas entre Moro e a parlamentar também foram tornadas públicas pelo Jornal Nacional, em material apresentado pelo ex-ministro. Nelas, Carla Zambelli se oferece para "mediar" uma indicação de Moro ao STF e, com isso, garantir a permanência do ex-juiz no governo.

No pronunciamento em resposta à demissão de Moro, Bolsonaro disse que o ex-ministro tinha condicionado a troca na direção da PF à indicação para o Supremo. Sergio Moro mostrou a troca de mensagens com Carla Zambelli ao Jornal Nacional como suposta prova para desmentir essa acusação.

Ainda não há uma decisão sobre incluir Zambelli no inquérito.

Como a PF escolhe o delegado que conduzirá o inquérito?

Dentro da PF, caberá ao diretor de combate ao crime organizado nomear o delegado responsável por conduzir o inquérito.

Quem será o relator quando Celso de Mello se aposentar?

O ministro Celso de Mello é obrigado a se aposentar no segundo semestre, quando completa 75 anos, idade limite imposta pela Constituição. O presidente da República é quem deve escolher o sucessor de Mello. Não necessariamente o sucessor de um ministro herda todos os processos relatados por ele. Veja as regras, de acordo com o regimento interno do Supremo.

De acordo com o artigo 38, inciso IV do regimento interno do STF, em caso de aposentadoria, renúncia ou morte, o relator de um processo é substituído pelo ministro nomeado para a sua vaga.

  • "Art. 38. O relator é substituído:
  • IV – em caso de aposentadoria, renúncia ou morte:
  • a) pelo ministro nomeado para a sua vaga;
  • b) pelo ministro que tiver proferido o primeiro voto vencedor, acompanhando o do relator, para lavrar ou assinar os acórdãos dos julgamentos anteriores à abertura da vaga", diz o artigo 38.

Outra possibilidade, também prevista no artigo 68 do regimento, porém, é uma redistribuição dos processos pelo presidente da Corte, “em caráter excepcional”.

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