Economia Imposto de Renda

Proposta de Bolsonaro para mudar IR sobre venda de imóveis já foi apresentada a Congresso em 2017

Projeto de lei prevendo o mesmo mecanismo foi protocolado no Senado, mas acabou arquivado
O presidente Jair Bolsonaro disse nesta semana que o governo está analisando a proposta Foto: Adriano Machao / Reuters
O presidente Jair Bolsonaro disse nesta semana que o governo está analisando a proposta Foto: Adriano Machao / Reuters

BRASÍLIA - A proposta de cobrar uma taxa pela atualização de valores de imóveis na declaração do Imposto de Renda ( IR ), em estudo pela equipe econômica a pedido do presidente Jair Bolsonaro , não é uma ideia nova. O plano consta de um projeto de lei apresentado em 2017 no Congresso . O texto foi redigido pelo tributarista Luiz Gustavo Bichara, a pedido do senador Flexa Ribeiro (PA), cujo mandato pelo PSDB acabou em janeiro deste ano. Com o fim da legislatura, acabou sendo arquivado. O relator do projeto, Armando Monteiro (PTB-PE), também encerrou seu exercício.

O projeto de lei (PLS 1/2017) tem as mesmas linhas gerais da medida em análise pelo governo. Com a nova regra, contribuintes poderiam atualizar valores de imóveis a preços de mercado, mediante pagamento de uma taxa. O mecanismo seria vantajoso para quem comprou o bem há muito tempo e pretende vendê-lo.



Hoje, essa atualização a mercado não é permitida. Como o IR incide sobre o lucro obtido com a venda, quem comprou uma casa por R$ 100 mil e que hoje vale R$ 1 milhão, por exemplo, recolhe o tributo sobre essa diferença: ou seja, R$ 900 mil. A alíquota sobre esse lucro, o chamado ganho de capital, é de 15% sobre ganhos até R$ 5 milhões.

Para ganhos acima de R$ 30 milhões, a tributação é de 22,5%. Ao atualizar o valor do bem, o proprietário se beneficiaria de uma tributação menor, já que o valor atualizado seria muito próximo do valor de venda.

É exatamente esse o mecanismo descrito no projeto de 2017. A taxa estipulada no texto seria de 10%. A ideia surgiu de conversas entre economistas, parlamentares e advogados sobre formas para aumentar a arrecadação sem aumentar a carga tributária. Na proposta arquivada, haveria um período específico para fazer essa atualização. Por isso, a ideia foi apelidada pelos autores de “Refis do ganho de capital”, em referência aos programas de refinanciamento de dívidas que têm tempo limitado.


— É uma janela de oportunidade para quem quiser atualizar o valor do bem — explica Bichara, frisando que não sabe se o governo se inspirou no projeto que ajudou a redigir ou se outra pessoa teve a mesma ideia.

O especialista destaca ainda que, no seu projeto, a atualização do valor do imóvel seria opcional. Por isso, seria impossível estimar o potencial de arrecadação com a medida. O objetivo é permitir ao governo uma antecipação de receita e dar fôlego aos cofres públicos.

"A medida seria benéfica para a União, que aumentaria a arrecadação a curto prazo através da antecipação de receita, e também aos contribuintes, que poderiam se valer de uma alíquota reduzida para o referido reajuste do custo de aquisição", diz a justificativa do projeto apresentado ao Congresso.

— É impossível estimar o potencial, porque não seria compulsório. Não tem como dizer quem vai querer atualizar e quem não vai querer.  Para quem tem um plano de mudar de apartamento e pretende vender o imóvel atual, por exemplo, pode valer a pena. Mas quem acabou de herdar uma casa e vai ficar muito tempo nela não teria tanto interesse — explica o tributarista.

No projeto do especialista, existia ainda a possibilidade de abrir essa mesma janela de oportunidades para qualquer tipo de ganho de capital, não só imóveis. Isso abriria a possibilidade, portanto, de cobrar a taxa de atualização para quem quiser remarcar a valor de mercado participações societárias em empresas, por exemplo. Nesse caso, Bichara acredita que os valores envolvidos seriam mais altos que os obtidos com o lucro imobiliário. Não está claro, no entanto, se essa ideia está prevista no projeto do governo.

— O que poderia gerar ótima arrecadação não seriam os imóveis. O que é realmente importante é a questão do ganho de capital, em participações societárias, por exemplo. Imagina alguém que tem participação societária de uma empresa que fundou e que agora vai vender por mais de R$ 1 bilhão. Teria uma fortuna de ganho de capital para pagar e poderia se interessar pela atualização — afirma.


Antecipação renderia menos de R$ 4 bi, estima especialista

Até agora, a Receita ainda não detalhou em que pé estão os planos. Reservadamente, integrantes da equipe econômica dizem que a ideia ainda é incipiente. Segundo interlocutores do ministro da Economia, Paulo Guedes, o chefe ainda não tomou conhecimento sobre a ideia. Dentro do time, a proposta é vista como "mirabolante". Mas nada impede que estimativas sejam feitas.

No ano passado, segundo relatório da Receita Federal, a arrecadação com ganhos de capital na alienação de bens e direitos ficou em R$ 27,8 bilhões no ano passado.

Nas contas do tributarista Luís Carlos Ferreira dos Santos Junior, sócio da área tributária do Ferreira dos Santos Advogados, a medida renderia menos de R$ 4 bilhões, considerando que todos os proprietários de imóveis aderissem à medida.

Na declaração do IR de 2018, o valor de imóveis declarados ao Fisco chegava a R$ 3,401 trilhões. Aplicada a inflação de 3,75% do ano passado, o ganho de capital de todos esses imóveis seria de R$ 127,5 bilhões. Se uma taxa de 3% fosse aplicada sobre esse valor, o montante antecipado seria de apenas R$ 3,82 bilhões.

— Nesse passo, além de ser uma medida que não trará uma efetiva arrecadação à União Federal, deve ser considerado também que o atual mercado imobiliário não indica a valorização dos preços dos imóveis em um curto prazo — afirma o especialista. — Por essa razão, o contribuinte não teria um benefício considerável que justificasse a sua adesão, haja vista que existiria uma descapitalização imediata sem existir, porém, na maioria dos casos, a imediata intenção de venda do imóvel.

Para Paulo Henrique Pêgas, tributarista e professor do Ibmec-RJ, é preciso considerar ainda a regra que prevê a isenção do IR nos casos em que o contribuinte usa todo o dinheiro da venda de um imóvel para comprar outro. Além disso, na prática, não se paga o imposto cheio de 15% sobre ganho de capital, porque há um fator redutor. Na prática, esse fator faz com que já ocorra uma atualização do valor do imóvel. Em dez anos, por exemplo, paga-se apenas 9% de imposto.

— Só seria interessante para a pessoa tem o imóvel há muito tempo, que tenha valorizado demais. Pouquíssimas pessoas falariam isso — afirma o especialista.