Por Fantástico


'Tô aqui, pelo amor de Deus': áudios mostram medo de jovem em operação policial no RJ

'Tô aqui, pelo amor de Deus': áudios mostram medo de jovem em operação policial no RJ

O menino João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos - morto a tiro no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio - enviou uma mensagem para a mãe, momentos antes de ser baleado, dizendo que estava dentro de casa e pedindo calma.

A mãe Rafaela Matos estava em uma casa perto da que o filho estava, quando os tiros começaram. Na última conversa que mãe e filho tiveram, Rafaela enviou uma mensagem de áudio perguntando pelo menino, preocupada com o barulho dos disparos.

  • “João Pedro”, chama a mãe em um áudio.
  • “Fala”, responde o menino em texto.
  • “Seu tio está aí com vocês? Só está você e Nathan? Esse tiroteio é aí, não é? Já estou nervosa já”, diz a mãe.
  • “Meu tio está vindo”, ele fala.
  • “O pai está lá no quiosque, esse tiroteio é aí mesmo perto de onde vocês estão?”, quer saber Rafaela.
  • “Estou dentro de casa. Calma”, afirma o menino na conversa.

Em entrevista exibida no Fantástico deste domingo (24), a mãe de João Pedro contou que ficou aflita com a falta de notícia após a troca de tiros. “Ninguém atendia. Aí fiquei nervosa, chorando porque não tinha notícia de ninguém”, disse.

João Pedro — Foto: Reprodução/TV Globo

João Pedro Foi morto durante uma ação das polícias Civil e Federal no dia 18 de maio, no Complexo do Salgueiro. Momentos antes de morrer, o menino também enviou áudios para os tios porque estava assustado.

  • “Tia, tia, tia..”, diz ele no áudio
  • “Ô, João, fica calmo pelo amor de Deus. Olha só. Não me saia daí de dentro. Se a polícia chamar alguém, você... vocês atendem de boa. Pelo amor de Deus”, responde a tia Denise.

Casa tem mais de 70 marcas de tiros

Nas paredes da casa em que João Pedro estava, foram encontradas mais de 70 marcas de tiros. Denise e Nadilton, tios de João Pedro, moram no local, mas estavam no trabalho.

“Tudo destruído [quando entrei em casa], janela toda furada. Tiro na televisão, tiro nas paredes. Tudo cheio de tiro”, conta Denise sobre como encontrou sua casa.

Por volta das 14h30 de segunda-feira (18), seis adolescentes brincavam na área externa da casa. A tia contou que, ao escutar o barulho, eles correram para dentro da casa. Quando o tiroteio começou, Neilton, pai de João Pedro, trabalhava em um quiosque junto com a tia do garoto.

“Quando eles escutaram barulho de helicóptero, eles ficaram preocupados porque estava sobrevoando aqui. O que eles fizeram? Eles correram para casa”, disse a tia.

João Pedro ligou para o pai, mas o tio Nadilton atendeu e pediu para ele ficar dentro da casa. “Estou aqui, pelo amor de Deus”, respondeu o menino.

Tiros na parede da casa onde João Pedro estava ao ter baleado — Foto: Reprodução/TV Globo

Pais de João Pedro, morto em operação policial no RJ — Foto: Fantástico

Tiros e granadas

Os sobreviventes contaram para a família que os policiais arrombaram o portão e entraram no quintal atirando e jogando granadas.

“Quando chegamos na casa, do lado de fora, os cinco adolescentes estavam sentados no chão. Mais ou menos de 10 a 15 policiais cercando eles, tudo de fuzil. Meu sobrinho olhou pra mim: “João...” Eu falei: “O que aconteceu com João?”. “João foi baleado”. Comecei a ficar desesperado, perguntar para o policial o que aconteceu. Ele nada de falar”, contou o pai.

Os policiais, segundo o pai, só disseram que João tinha sido resgatado de helicóptero. “A resposta dele foi essa: socorremos ele, estava com vida”.

Peregrinação em hospitais

Sem notícias para onde o garoto tinha sido levado, a família começou uma peregrinação em hospitais e delegacias. A Defensoria Pública do Rio, que representa a família, criticou o tratamento recebido pelos pais de João Pedro.

“O tratamento desses familiares e desses sobreviventes, foi absolutamente desumano, brutal. ‘Olha, tem um corpo sim. Tem um homicídio sim, o corpo vai chegar’”.

A família encontrou o corpo de João Pedro no Instituto Médico Legal (IML) após 17 horas do menino ter sido baleado.

O que dizem os envolvidos

Segundo a polícia, João Pedro foi socorrido de helicóptero. A aeronave estava num campo de futebol perto da casa onde ele foi baleado. Saiu de São Gonçalo em direção ao heliponto da Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul do Rio, a 40 quilômetros de distância.

Um médico-bombeiro aguardava a chegada da aeronave para fazer o primeiro atendimento do menino, às 15h15, quando foi atestada a morte. O corpo, então, voltou para o IML de São Gonçalo. A polícia alega que o menino estava sem carteira de identidade e, por isso, demorou para ser identificado.

Investigação

A Polícia Civil disse que um inquérito foi instaurado na Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG) para apurar a morte do jovem João Pedro.

O delegado Allan Duarte investiga as possíveis irregularidades da ação. Ele afirmou que os policiais revidaram tiros disparados por bandidos, que teriam usado a casa onde os jovens estavam para fugir. Ainda de acordo com o delegado, testemunhas confirmaram a presença de marginais no local.

“Ele teria sido baleado dentro da comunidade após o confronto entre policiais civis, da Core e marginais no interior de uma residência (...). De acordo com o relato dos policiais, houve um confronto, mas essa dinâmica vai ser confirmada ou não com o laudo pericial”, afirmou o delegado.

A Corregedoria instaurou uma sindicância e três agentes foram afastados do serviço operacional.

A Polícia Federal informou que foi instaurada sindicância, na Corregedoria da Polícia Federal, para apurar a atuação dos agentes que participaram da operação. Além disso, informou que a PF lamenta profundamente o ocorrido e presta sua solidariedade à família e amigos do adolescente.

A Polícia Militar informou que as equipes do Grupamento Aeromóvel não participaram de confrontos armados e nem realizaram o socorro de feridos durante a ação. As equipes do grupamento prestaram apoio sobrevoando a região à distância, não havendo descolamento de policiais militares pelo terreno.

A Defensora Pública, que representa a família, pede ainda que o Ministério Público passe a investigar o caso.

“A Polícia Civil não terá a mesma condição de imparcialidade para conduzir a apuração do homicídio do João Pedro que o Ministério Público (...) para que sejam ouvidas todas as versões dessa história”, diz o defensor.

Em 2019, 498 pessoas foram assassinadas em São Gonçalo. Deste total, 220 foram mortas por policiais. De janeiro a março de 2020, 76 pessoas foram mortas por policiais no município.

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