Longevidade: modo de usar

Por Mariza Tavares

Jornalista, autora dos livros “Longevidade no cotidiano: a arte de envelhecer bem” e “Menopausa: o momento de fazer as escolhas certas para o resto da sua vida”

Rio de Janeiro


Pense num carrapato e as palavras que surgirão na sua cabeça provavelmente serão dor, incômodo, inflamação, praga! Mas não para pesquisadores, que veem no indesejável inseto uma chance para a ciência fazer mais um gol de placa. É o que explica a farmacêutica Ana Paula Valente, professora do Instituto de Bioquímica Médica, ligado ao Cenabio (Centro Nacional de Biologia Estrutural e Biomagem), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro): “carrapatos são insetos hematófagos, que se alimentam de sangue, e têm o que se poderia chamar de ‘estratégia’ para evitar que o líquido que estão retirando se mantenha fluido, ou seja, não coagule. O animal injeta uma substância anticoagulante e é essa proteína, presente na saliva do carrapato, que desperta tanto interesse de pesquisadores”.

Da esquerda para a direita, os professores Robson Monteiro, Fabio C. L. Almeida e Ana Paula Valente, da UFRJ — Foto: Acervo pessoal

Conseguir anticoagulantes eficazes é um dos sonhos da ciência. Nosso organismo é tão eficiente que, quando nos ferimos, o sangue se coagula na borda do corte – do contrário sangraríamos sem parar. No entanto, dentro do corpo, isso não acontece, a não ser em situações onde esse equilíbrio é rompido: por exemplo, pacientes com câncer têm um risco aumentado de desenvolver trombos, os chamados coágulos, que podem entupir vasos importantes e levar à morte.

Apesar de muitos pesquisadores já terem se debruçado sobre o assunto, é a primeira vez que um grupo descreve, do ponto de vista molecular, a estrutura do Ixolaris, a proteína encontrada na saliva do carrapato, e como ela age com uma enzima nesse processo. O estudo inédito foi publicado na “Blood”, periódico da American Society of Hematology. Foi conduzido por Ana Paula Valente, Viviane de Paula, Robson Monteiro e Fabio Almeida, da UFRJ, em colaboração com Nikolaos Sgourakis, da University of California Santa Cruz, e Ivo Francischetti, do Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.

Imagem 1: dados de ressonância magnética nuclear para a construção de modelos; imagem 2: a estrutura do Ixolaris; imagem 3: modelo de interação da proteína com o Fator X da coagulação — Foto: Reprodução / Acervo Ana Paula Valente

Através da ressonância magnética nuclear, eles conseguiram construir um modelo 3D da estrutura da proteína, que oferece inúmeras possibilidades para o desenho de fármacos que poderão ser usados para atenuar a coagulação e a inflamação associadas à trombose. “Conseguimos desenhar a molécula e analisar sua estrutura e interação com o fator X, que envolve a coagulação. Ao criar esse protótipo, poderemos no futuro fabricar uma molécula que atenda às necessidades dos pacientes”, diz a doutora Ana Paula. Em ciência, cada pequeno passo representa uma grande conquista. Ela estima mais cinco anos de pesquisas para, talvez daqui a dez anos, chegar a um medicamento. “Precisamos de mais gente trabalhando e de financiamento para garantir que a equipe não se disperse”, afirma. O estudo foi financiado pela Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro) e pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Os professores Nikolaos Sgourakis e Viviane de Paula — Foto: Acervo pessoal

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