Carlos Moraes (PP), prefeito de Japeri, na Baixada Fluminense, é preso por suspeita de associação para o tráfico de drogas Foto: Pablo Jacob / O Globo

Entenda a denúncia do MPRJ contra prefeito de Japeri

Carlos Moraes é suspeito de associação com o tráfico

Carlos Moraes (PP), prefeito de Japeri, na Baixada Fluminense, é preso por suspeita de associação para o tráfico de drogas - Pablo Jacob / O Globo

por O Globo

O prefeito de Japeri, na Baixada Fluminense, foi preso, na manhã desta sexta-feira suspeito de crime de associação para o tráfico. De acordo com a denúncia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), Carlos Moraes (PP), de 73 anos, é ligado ao traficante Breno da Silva de Souza, o BR, preso no último dia 20. Um dos bandidos mais procurados da Baixada Fluminense, ele é apontado como chefe do tráfico no Complexo do Guandu. Um vereador da cidade também foi preso.

Entenda a denúncia do MPRJ contra o prefeito do município.

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COMO FUNCIONAVA A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Traficante Breno da Silva Souza - Reprodução

A denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro revela que o prefeito de Japeri, Carlos Moraes Costa; o presidente da Câmara municipal, Wesley George de Oliveira; o vereador Claudio José da Silva; e Jenifer Aparecida Kaizer de Matos faziam parte do núcleo político da organização criminosa. De acordo com o MPRJ, eles se aproveitavam do peso e prestígio de seus cargos eletivos para atuar em favor dos interesses criminosos do tráfico de drogas.

Os políticos usaram seus mandatos para repassar informações privilegiadas ao comando operacional da organização criminosa, além de articular ações integradas que permitissem ao bando desenvolver livremente o comércio de entorpecentes. Uma dessas informações diz respeito a uma operação que policiais do 24º BPM (Queimados) fariam na Comunidade do Guandu para impedir a realização de um baile funk.

A informação foi passada pelo prefeito Carlos Moraes Costa ao chefe do tráfico na região, Breno da Silva de Souza, o BR, preso no último dia 20, através de telefonema dado pelo chefe do Executivo local ao criminoso. A ligação foi interceptada, com autorização da Justiça, pela Polícia e pelo Ministério Público.

POLÍTICOS TINHAM BENEFÍCIO NA ATUAÇÃO

Vereador Cacau, de Japeri, chegando na Cidade da Polícia - Pablo Jacob / O Gloob

Eles se associaram à facção criminosa liderada por Breno da Silva de Souza em troca de benefícios pessoais e a possibilidade de estruturação de um projeto político que os perpetuasse no poder. Segundo a denúncia, eles se beneficiavam politicamente na medida em que construíam um curral eleitoral, absolutamente imune à ação de adversários políticos, "eis que ninguém ousa desafiar o poderio bélico estruturado na forma de aparato de guerra disponibilizado pelo tráfico local", acrescenta o MPRJ.

QUAL O PAPEL DE JENIFER?

Jenifer, acusada de ser o contato entre os políticos de Japeri e os traficantes - Pablo Jacob / O Globo

Apesar de não ter cargo público, Jenifer Aparecida Kaizer de Matos é considerada integrante do núcleo político em razão do papel estratégico que desempenha no organograma da empresa criminosa. Ela atuava como elo entre os políticos e o comando do tráfico de drogas no Complexo do Guando, explica a denúncia:

"Nesse sentido foram captados diversos diálogos em que Jenifer atua como uma espécie de mediadora, acomodando os interesses do braço armado e operacional da organização criminosa com as vicissitudes de seu braço político", cita a denúncia.

PREFEITO TENTOU IMPEDIR AÇÃO POLICIAL

A denúncia cita uma sequência de diálogos no dia 7 de outubro de 2017 que, segundo o MPRJ, evidencia os estreitos laços entre o prefeito e o líder máximo da organização criminosa, Breno da Silva de Souza, o BR. Nesse dia, a Polícia Militar realizou uma operação na Comunidade do Guandu para impedir a realização de um baile funk que seria promovido por traficantes da localidade. Inconformado com a ação policial, o líder da facção criminosa na região ligou para pessoas influentes no município para interromper a operação. O primeiro contato foi feito com o próprio prefeito. Pouco tempo depois, Carlos Moraes Costa retornou para o criminoso para prestar contas e esclarecer que, apesar de seus esforços, não conseguiu contato com o policial militar identificado como Wellington George de Oliveira, chamado de "Neném". Ele é irmão do vereador Wesley George de Oliveira, presidente da Câmara Municipal, também denunciado e atualmente foragido da Justiça.

No mesmo dia, Carlos Moraes ligou outras duas vezes para o traficante. Nos contatos, ele demonstrou que estava empenhado em atender a demanda da facção criminosa em impedir que a ação policial “estragasse” os planos do líder da organização criminosa de realizar um baile funk na comunidade. O prefeito ainda se desculpou por não ter conseguido evitar a entrada dos policiais no local.

Carlos Moraes, no segundo telefonema, repassou informações privilegiadas de que os policiais envolvidos na operação voltariam ainda naquele dia à comunidade do Guandu.

VEREADOR DISSE QUE PASSARIA RECADO

O vereador Cláudio José da Silva, chamado de "Cacau", também foi gravado em conversas telefônicas com o traficante. De acordo com o MPRJ, o vereador não apenas se solidariza, mas se compromete a passar um “recado” para o comparsa Wesley, presidente da Câmara de Vereadores, irmão do policial militar que estaria comandando a ação repressiva, de que a facção criminosa iria retaliar o vereador em razão do envolvimento direto de seu irmão em ações contrárias aos interesses do bando.

PREFEITO TAMBÉM ORIENTOU TRAFICANTE SOBRE EVENTOS

Em outra ocasião, no dia 8 de outubro do ano passado, um dia após ter tentado ajudar o traficante, o prefeito de Japeri ligou novamente para Breno da Silva de Souza. Ele orientou o traficante a não divulgar seus eventos para não chamar a atenção de autoridades. Carlos Moraes também disse que procuraria o comandante do 24° Batalhão da Polícia Militar, junto com o vereador Wesley George de Oliveira, para "alinhar" a atuação policial.

No final da chamada, o prefeito de Japeri diz que “eles estão juntos e que se precisar de alguma coisa é só falar com eles”. Segundo promotores do Grupo de Atribuição Originária Criminal da Procuradoria -Geral de Justiça (Gaocrim), que tem competência para investigar pessoas que tenham foro privilegiado, e do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, o comandante do 24º BPM não foi interpelado para saber se foi procurado pelos políticos pois tiveram receio de que a investigação pudesse vazar.

PAPEL DO PRESIDENTE DA CÂMARA

Miga, como é conhecido o presidente da Câmara de vereadores de Japeri - Reprodução

De acordo com a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro, o presidente da Câmara de Vereadores em Japeri, Wesley George de Oliveira, apelidado de "Miga", não foi flagrado como interlocutor em nenhum diálogo com outros investigados. Apesar disso, ele era peça chave dentro da organização criminosa, em especial por sua proximidade com seu irmão, o policial militar Wellington George de Oliveira, chamado de "Neném". Além disso, o fato de ser presidente da Câmara de Vereadores conferia a Wesley possibilidade de influenciar decisões de outras autoridades.

FRAUDE EM LICITAÇÃO DE CRECHE

O MPRJ identificou um diálogo em que Claudio José da Silva e Jenifer Aparecida Kaizer de Matos articularam um plano para fraudar um procedimento licitatório e desviar verbas públicas destinadas a construção de duas creches nas imediações da Comunidade do Guandu. Segundo o promotor Carlos Eugênio Greco Laureano, do Gaocrim, o traficante BR ficou incumbido de indicar a empresa que faria a obra e repassar propina.

O promotor não explicou qual seria a ligação de BR com construtoras. As creches, segundo ele, não chegaram a ser construídas. Elas seriam erguidas no Guandu e poderiam render votos para os políticos envolvidos, transformando definitivamente a comunidade num curral eleitoral.

DEPUTADO ESTADUAL PROCUROU GRUPO CRIMINOSO

Claudio José da Silva e Jenifer Aparecida Kaizer de Matos também articularam a aproximação entre o líder do tráfico de drogas na região e um deputado estadual que estaria em busca de “apoio” em ano eleitoral:

"Tal tratativa demonstra os planos de expansão da influência da organização criminosa em esferas mais elevadas do poder político, circunstância que alavancaria ainda mais seu potencial lesivo", afirma trecho da denúncia.

TRAFICANTE SE SENTIU TRAÍDO

Outro trecho da denúncia, de acordo com diálogo ocorrido no dia 28 de novembro de 2017, deixou explícita a promiscuidade existente entre o tráfico de drogas no Complexo do Guandu e o Poder Público municipal em Japeri:

"O referido diálogo deixa clara a insatisfação de Breno ao tomar conhecimento da realização de uma audiência pública promovida pela deputada Estadual Martha Rocha, presidente da Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa (Alerj) e que contou com a presença dos denunciados Carlos Moraes e Wesley, oportunidade em que, diante dos órgãos de imprensa e demais autoridades públicas, discorreram sobre o grave problema relacionado à segurança pública do município, principalmente pela atuação de traficantes do Complexo do Guandu", relata trecho da denúncia.

De acordo com o MPRJ, o diálogo travado entre Breno e Jenifer revela a existência de uma antiga relação entre o chefe do tráfico local e Carlos Moraes e Wesley. O líder da facção criminosa se sentiu traído por ter se associado e confiado nos políticos. Jenifer atuou para viabilizar um entendimento que preserve a aliança existente entre os políticos e o tráfico local. A mulher se apresentava como integrante de uma ONG que trabalharia com assistência social.