Muita gente não sabe ou não acredita, mas animais silvestres nascidos em cativeiros ou capturados para serem mantidos neles podem ser reintroduzidos na natureza. Em outras palavras, aves, anfíbios, répteis e mamíferos nascidos em casas, sítios, zoológicos, ou tirados do meio ambiente para serem mantidos presos podem, sim, ser devolvidos para seu habitat natural. A reintrodução ou devolução dos animais à natureza tem mudado a realidade dos bichinhos e feito verdadeiras revoluções em ecossistemas. Só que não basta tirar um pássaro da gaiola e colocá-lo para voar para contribuir.
(Foto: Divulgação/Vincent Kurt Lo)
“A reintrodução é citada no decreto 6514/08, que especifica que é necessária uma autorização para a soltura de animais. Qualquer pessoa pode e deve participar desse projeto, mas precisa saber fazer. Muitas já levam aos centros de triagem, que recebem animais apreendidos ou encontrados feridos, e são voltados para o tratamento e a readaptação. Há áreas de solturas específicas, nas quais há viveiros para ambientação dos animais antes de serem soltos e o acompanhamento pós-soltura", conta Vincent Kurt-Lo, biólogo e analista ambiental no Núcleo de Fauna e Recursos Pesqueiros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em São Paulo.
Se o animal foi recém-capturado e o local é conhecido, a legislação prevê devolução imediata. Mas não é isso o que ocorre na maioria dos casos. Muitas espécies são apreendidas durante tentativa de transporte para tráfico e até mesmo dentro de casa. Por incrível que pareça, manter um animal selvagem como bicho de estimação, em casa, é uma das maiores agressões proferidas a ele. Um dos casos mais tristes é o da ararinha-azul, animal típico do Nordeste que foi extinto na natureza e, hoje, só existe em cativeiro. Foi ela que inspirou o personagem principal da animação “Rio”.
Grosso do Sul (Foto: Divulgação/Vincent Kurt Lo)
“Chegou a esse ponto e, agora, é muito mais difícil a reintrodução. As pessoas falam da questão emocional, mas não pode haver esse apego. O animal vai sofrer com a transição, mas qualquer transição é sofrida. O papagaio e o macaco, por exemplo, só se apegam ao dono porque são animais sociais gregários. Mantê-los sozinhos já é a maior crueldade que existe. Há uma tese de que a fala do papagaio é um indicativo de estresse, é desvio de comportamento. Em outros países, já conseguiram soltar com sucesso animais criados em cativeiro, como ursos órfãos, morcegos, lobos e lontras. No Brasil, acham que a onça deve ser mantida presa por ser perigosa. A primeira coisa que precisamos fazer é acabar com os mitos e ter vontade de colaborar”, comenta Vincent.
Há uma série de fazendas, espaços e reservas, como a Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA), que reintroduziu o mutum-do-sudeste em Cacheiras de Macacu, que mantém viveiros para a dispersão gradativa dos animais. As portas ficam abertas e a alimentação servida vai sendo cada vez mais parecida com a que ele encontraria na natureza, caso estivesse solto. O bicho entra e sai quando quer e podem se relacionar com outros da mesma espécie que estão soltos. Os que não conseguem se readaptar, pelo menos podem reproduzir, sendo que seus filhotes nascem na mata e crescem livres:
“No Brasil, tem muitos casos de sucesso de reintrodução. Papagaios na Bahia e no Mato Grosso do Sul, arara-canindé e jacutinga em Minas Gerais, mutum-do-sudente e cotia no Rio de Janeiro. Apesar de a lista dos animais em extinção estar crescendo, também aumentam os trabalhos de reintrodução, infelizmente, em sua maioria no exterior. Profissionais do meio estão desenvolvendo a ciência da biologia da reintrodução. As pessoas imaginam a composição do meio ambiente com a flora, mas a mata precisa da fauna. Os animais são responsáveis pela dispersão de sementes, pela polinização, que resulta na recomposição florística. Em florestas tropicais, 80% das espécies vegetais são disseminadas pela fauna (zoocoria) e 90% das plantas precisam desses animais para a polinização. E a reintrodução tem tudo a ver com isso. Sem seus atores, a mata é um palco vazio prestes a desabar."