Por Jornal Nacional — Brasília


Minuta do relatório da CPI denuncia negligência e indícios de corrupção em negociações para comprar vacinas

Minuta do relatório da CPI denuncia negligência e indícios de corrupção em negociações para comprar vacinas

O atraso na aquisição das vacinas é destaque na minuta do relatório da CPI da Covid, que deve apontar a negligência por parte do governo e indícios de corrupção nas tratativas para compra de imunizantes.

O relatório final da CPI será apresentado nesta quarta-feira aos senadores da comissão, que devem voltar a se reunir na próxima terça-feira (26) para votar o parecer.

Todas as negociações sobre vacinas em 2020 foram conduzidas pelo então ministro da saúde, Eduardo Pazuello, e o então secretário-executivo, Élcio Franco.

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As primeiras ofertas de aquisição preferencial de vacinas foram da Coronavac, do laboratório chinês Sinovac, e da Pfizer,

Para a comissão, "as negociações sofreram injustificável atraso".

"Em vez de ampliar ao máximo as opções, o governo centralizou sua atenção na vacina de Oxford, a Astrazeneca, em parceria com a Fiocruz", diz o texto da minuta do relatório.

A CPI esmiuçou as negociações com a Pfizer, a Coronavac, a indiana Covaxin e outras tentativas paralelas de compra, que não avançaram.

Segundo a minuta do relatório, o próprio ex-ministro Pazuello confirmou, que entre maio e junho do ano passado, recebeu a primeira proposta oficial da empresa Pfizer, um memorando de entendimento em que estavam previstas as quantidades de 1,5 milhão de doses em 2020; 18,5 milhões até o final do primeiro semestre; e o restante até o final do ano, totalizando 70 milhões de doses. "Entretanto, sustentou que as cláusulas do memorando eram leoninas", diz o texto.

Segundo a minuta, a Pfizer informou que as condições negociadas com o Brasil seriam padrão e foram aceitas pelos 110 países com os quais já teria fechado contrato.

O relator destacou o depoimento à CPI do presidente da Pfizer na América Latina. Carlos Murillo disse que a empresa teve ao menos cinco propostas ignoradas pelo governo brasileiro. Nas primeiras, o Brasil receberia doses ainda em 2020.

O relator citou o caso da Coronavac. Em outubro do ano passado, o então ministro Pazuello, que havia assinado e anunciado publicamente o protocolo para a compra de 46 milhões de doses, teve que recuar, depois de ser desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro.

O resumo do parecer apontou que o episódio atrasou a aquisição da vacina. De acordo com o depoimento do presidente do Butantan, Dimas Covas.

O relator reprovou o argumento do ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, de que os interessados na venda das vacinas poderiam ter entrado em contato com ele.

"Seria inadmissível que, em meio a uma pandemia, com milhares de vítimas, quando havia uma verdadeira corrida por vacinas, o ex-secretário-executivo se mantivesse inerte, aguardando ser provocado para que pudesse agilizar o processo de aquisição de imunizantes", diz o texto da minuta.

O documento também apontou a responsabilidade do presidente Bolsonaro no avanço da pandemia: "O governo federal, na figura de sua autoridade maior, o presidente da Rpública, negou-se a coordenar ações destinadas a balizar o comportamento social necessário para combater a pandemia".

A minuta do relatório destacou a diferença entre o rigor imposto pelo governo nas negociações com empresas globais sérias e as facilidades oferecidas a empresas e negócios suspeitos.

Levantou ainda dúvidas sobre o interesse repentino e urgente do governo pela vacina indiana Covaxin, usada em apenas seis países e com preço mais alto que as demais: US$ 15 por dose. Além disso, a negociação foi feita por intermédio de uma empresa brasileira, de reputação questionável, segundo a minuta do relatorio.

"São fortes os indícios de má-fé, considerando tratar-se de um contrato de R$ 1,6 bilhão que a empresa precisa tentou receber adiantado, sem garantias de entrega das vacinas", aponta a minuta, segundo a qual houve "ausência de estimativa de preços", "indícios de adulteração em documentos", "omissão de documentos de dispensa de licitação na instrução processual", entre outros problemas.

A investigação sobre a Covaxin levou à única prisão durante a CPI. O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias chegou a ser preso, acusado de mentir para os senadores durante seu depoimento.

Ele é acusado de exercer pressão sobre técnicos para acelerar o processo de análise de importação da vacina.

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse à CPI que denunciou um suposto esquema de corrupção na compra da covaxin, ao presidente Jair Bolsonaro. O irmão do deputado, servidor do Ministério da Saúde, relatou ter sofrido pressão para liberar a importação da vacina num prazo menor que o das demais vacinas. Os depoentes afirmaram que Bolsonaro prometeu, mas não mandou investigar.

Os irmãos Miranda também declararam que Bolsonaro questionou se o líder do governo Ricardo Barros (PP-PR) estaria envolvido na suspeita de corrupção.

Para a CPI, Barros estava envolvido nas tratativas desta e de outra vacina, a Cansino. Segundo a comissão, "tanto no caso Covaxin quanto no caso Cansino, as aquisições só foram formalmente canceladas após os laboratórios Câmara, o deputado Ricardo Barros".

Na minuta, o relator pediu ainda o indiciamento do dono da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, que intermediou a negociação de compra de 20 milhões de doses da vacina, por crimes como: falsidade ideológica, uso de documento falso, fraude processual, fraude em contrato, formação de organização criminosa e improbidade administrativa.

Ele é sócio da Global, empresa também envolvida em irregularidades com o Ministério da Saúde.

A CPI afirmou que Maximiano estava "a par da tramitação e dos documentos que instruem o processo no Ministério da saúde".

A CPI também apontou outro esquema suspeito na tentativa de compra de vacinas e, de novo, envolvendo Roberto Ferreira Dias .

O relator afirmou que "os indícios apontam que Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do ministério, teria pedido propina para facilitar a negociação de vacinas oferecidas por um mercado secundário cheio de atravessadores.

Segundo a minuta do relatório, o objetivo era firmar contrato para venda de 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca ao Ministério da Saúde, por intermédio da empresa Davati. A Astrazeneca informou que não trabalha com intermediários.

Em depoimento à CPI, o policial militar e representante da Davati, luiz paulo dominghetti, acusou Roberto Ferreira Dias de pedir US$ 1 por dose para garantir que o contrato fosse levado à frente dentro do ministério.

Dominghetti disse que contou com ajuda do reverendo Amilton Gomes para ter acesso ao Ministério da Saúde. O relatório pediu o indiciamento de Dominghetti por corrupção ativa.

Roberto Dias também foi apontado pela CPI como possível recebedor de vantagens indevidas da empresa VTCLog, em troca de aditivos em contratos no ministério da saúde. Tanto Dias quanto as empresas negam.

O que dizem os citados

Roberto Dias declarou que já prestou esclarecimentos à Polícia Federal, à Controladoria-Geral da União e aos demais órgãos competentes.

A Precisa Medicamentos negou as acusações e afirmou que está à disposição da Justiça para esclarecer os fatos.

A TV Globo não conseguiu contato com a VTCLog, a Davati, Élcio Franco e Luiz Paulo Dominghetti.

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