Publicidade

Nossos Parceiros

Plataforma criada nos EUA

Criador do Bot Sentinel diz que contas falsas são tão comuns quanto robôs na internet: 'Estão usando humanos de verdade'

Christopher Bouzy, criador da plataforma Bot Sentinel

 

Paola De Orte, de Washington, especial para O GLOBO

Uma plataforma criada nos Estados Unidos contra a desinformação nas redes pode ajudar a entender o caminho das mensagens políticas que estão circulando no Twitter brasileiro. A Bot Sentinel, criada em 2018, já identificou dezenas de hashtags relacionadas à política do país tuitadas a partir de contas inautênticas, como #BolsonaroTemRazao, #FechadoComBolsonaro e #MaiaTemQueCair, a primeira não americana a ocupar o topo do ranking do Bot Sentinel, no dia 27 de abril. Ao GLOBO, o criador da plataforma, Christopher Bouzy, explica como um sistema criado para identificar contas em inglês chegou aos tuítes brasileiros. Nas redes, Bouzy não esconde sua preferência pelo partido Democrata, mas, na entrevista, explica como programou a plataforma para não favorecer ideologias. Ele acredita que empresas privadas localizadas nos EUA foram contratadas para impulsionar mensagens sobre a política brasileira.

Por que o Bot Sentinel foi criado?

Comecei a trabalhar nele depois das eleições de 2016 porque notei que as pessoas no Twitter pensavam que todo mundo era bot (robôs, ou sistemas automatizados programados para fazer uma função determinada na internet). Se não concordavam com alguém, chamavam de bot. Achei que isso não era produtivo em termos de discurso político. Comecei a desenvolver algo para ajudá-las a distinguir contas falsas de verdadeiras. Encontrei ferramentas e tentei metodologias, mas não achei que eram efetivas. Olhar um certo número de tuítes durante um período de tempo ou palavras-chave não permite julgar uma conta. Criei minha própria tecnologia, recorrendo aos termos de uso do Twitter. Treinei os modelos de aprendizado automático usando milhões de tuítes de contas que estavam quebrando regras. Havia uma correlação entre contas fazendo isso e contas falsas, tanto na China e na Rússia quanto nos EUA. Com o tempo, seguindo essas contas, o modelo se aprimorou, porque vimos que as contas estavam sendo suspensas pelo Twitter. Pegamos os dados para continuar a treinar o modelo, até que a plataforma começou a aprender sozinha usando os dados que estava coletando.

O Bot Sentinel identifica muito conteúdo a favor do presidente dos EUA ou do presidente do Brasil. Ele só vai atrás das contas falsas da direita?

Nós somos muito acusados de termos um viés, deixe-me explicar. Me perguntam se miramos os conservadores ou a direita, e a resposta direta é não. Primeiro, o algoritmo para identificar os bots não se importa com ideologia. Há muitas contas de direita ou de esquerda que são classificadas como normais, satisfatórias, perturbadoras ou problemáticas. Mas há um número mais alto dessas contas que estão empurrando isso, infelizmente, que estão à direita. Mas nós não dizemos ao sistema quem seguir ou rastrear, ele está fazendo isso sozinho. Por isso você vê contas favorecendo (Donald) Trump ou o atual presidente do Brasil. Mas se você olhar os dados a fundo, vai encontrar contas que estão dizendo coisas que não são precisas ou coisas positivas sobre Joe Biden e que não são contas legítimas.

Essas contas publicam conteúdo de maneira automática?

A plataforma se chama Bot Sentinel, mas nós rastreamos mais do que bots estritamente falando. Este é um termo específico. Eles são contas automatizadas, estão constantemente tuitando e retuitando coisas. O Bot Sentinel também procura contas que estão fingindo ser algo que não são. Elas estão mais espertas agora do que em 2016. Não se está usando mais tanto os “bots”. Estão usando humanos de verdade, e eles estão interagindo, ganhando seguidores, postando coisas. E irão te responder. Mas muitas dessas contas que estamos seguindo não são legitimas. Pode ser uma pessoa controlando uma dúzia ou duas dúzias de contas: 80% do que rastreamos são essas contas inautênticas, controladas por humanos, e o resto são as totalmente automatizadas, ou algum formato híbrido.

Se há um humano por trás do computador, por que essa conta é considerada falsa?

Porque eles estão fingindo ser algo que não são. Por exemplo, temos o Black Lives Matter, que ganhou força nos EUA depois do assassinato de George Floyd pelos policiais. Há pessoas tentando usar isso como uma maneira de mais uma vez causar confusão e caos aqui na América. Há pessoas criando contas fingindo que são afro-americanas e não são; podem ser caucasianos aqui nos EUA ou alguém na China, tentando manipular a conversa aqui nos EUA. Talvez na Rússia. Pode ser alguém fingindo ser uma mulher, quando na verdade é homem. Não é como um jornalista, usando um nome real, ou talvez até alguém que não está usando seu nome verdadeiro, mas que é de fato o que diz ser.

Nessas contas falsas já foi identificado alguém tuitando sobre o Brasil?

A questão do Brasil é uma anomalia. O Bot Sentinel foi criado para tuítes em inglês, para o público americano. Mas ele está aprendendo, e, quando alguém ou um grupo de pessoas no Brasil começou a usar bots, ele começou a aprender. Ele é focado apenas em tuítes em inglês. Isso faz com que as coisas que estão acontecendo no Brasil sejam estranhas, porque muitos desses tuítes são em português. Então nós começamos a pesquisar para tentar entender por que o Bot Sentinel está fazendo isso. Vimos alguma sobreposição entre contas que estão tuitando sobre o seu atual presidente e o nosso atual presidente, o que nós achamos que é um pouco suspeito. Há pessoas que são viciadas em política, que não focam só na política doméstica. Mas quando você tem um grande número de contas focando nos dois, é um pouco estranho. Estamos trabalhando num modelo específico para o Brasil, para o português, para ele entender melhor.

Onde aparece a interseção entre contas em português e inglês?

Há contas que estão tuitando sobre o seu presidente e, dois tuítes depois, sobre o nosso presidente. É estranho que isso esteja acontecendo, mas é isso que estão fazendo. Temos nossas suspeitas do porquê. Acreditamos que há alguns grupos que estão sendo pagos para fazer isso e criar novas contas. Não é difícil de fazer isso, mas leva tempo. Esses grupos reciclam contas. Nós acompanhamos isso também. Há contas que primeiro fingiam ser uma pessoa, temporariamente são fechadas, depois reativadas e mudam tudo, inclusive o nome de usuário. Nós vemos contas que fingem ser de apoiadores do Trump e, semanas depois, mudam complemente para serem de apoiadores de Bernie (Sanders) ou (Joe) Biden. Alguns grupos são preguiçosos. Eles não recomeçam do zero, mudam as personas de um extremo para o outro, ou então tentam atender muitos clientes ao mesmo tempo. Elas vão tuitar sobre o seu presidente e tuitar sobre o nosso presidente usando as mesmas contas, para continuar a disseminar desinformação.

Foi descoberta alguma interferência estrangeira nos tuítes sobre o Brasil?

Em termos de contas inautênticas nos Estados Unidos controladas por indivíduos daqui interferindo em política brasileira, sim. Nós vimos indivíduos americanos se envolvendo em política brasileira. Essas são pessoas que estão morando aqui; elas podem ser americanas, e estão tuitando sobre o Brasil. E vice-versa. Vimos contas de naturais brasileiros tuitando sobre política americana. Nós definitivamente vimos contas inautênticas baseadas nos EUA tuitando sobre coisas brasileiras. Há grupos sendo pagos para fazer isso, sendo pagos para espalhar a desinformação. As pessoas às vezes pensam em termos de governo: o governo russo, ou dos EUA, ou o Irã. Mas há firmas e indivíduos que são pagos para fazer isso, você pode contratar alguém.

Leia também