Por Tatiana Espósito — Poços de Caldas, MG


Fernando Gabeira e Nelson Motta participaram de encontro inédito no Flipoços — Foto: Tatiana Espósito

A fala mansa de um e a voz rouca de outro não escondem opiniões fortes e, por vezes, polêmicas. Fernando Gabeira e Nelson Motta tiveram um encontro inédito no Festival Literário Internacional de Poços de Caldas (Flipoços) na noite deste sábado (4), no Espaço Cultural da Urca. O encontro teve como tema “50 anos de sexo, drogas e política”, celebrando a carreira e amizade dos jornalistas.

Antes do encontro na Urca, a dupla conversou com o G1 e a política foi o principal assunto. Gabeira e Motta teceram críticas ao atual governo.

Jornalista, escritor e produtor musical, Motta tem uma vasta carreira no ramo da música, com várias parcerias com artistas como Rita Lee, Tim Maia, Lulu Santos e Marisa Monte.

Apesar da ligação mais direta com o mundo artístico, a política é também bastante presente em suas histórias, especialmente no campo da cultura. “Eu acredito que todo esse ódio e desprezo por educação e cultura, como se fossem coisas da elite, coisas de globais que levam dinheiro da Lei Rouanet, esse espírito todo, isso vai trazer consequências muito sérias e o diálogo é difícil”, analisa Nelson Motta.

Tanto Gabeira quanto Nelson acreditam que os projetos do atual governo, principalmente os ligados à educação, se reduzem a uma luta ideológica.

“Eles dizem: 'o que vou fazer com a educação? Vou acabar com essa esquerda!’ Como se o problema da educação brasileira fosse só influência da esquerda. O problema da educação é qualidade. Qual a proposta que se tem pra melhorar a qualidade? Não aparece”, aponta Gabeira.

Motta emenda: “Querem tirar o caráter supostamente ideológico dos professores de esquerda para introduzir caráter ideológico de professores de direita”.

Debates na esquerda

Eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro por quatro mandatos, Fernando Gabeira enfrentou a ditatura militar, foi preso e ficou exilado por 10 anos período em que passou por vários países, como Chile e Suécia.

Jornalista e escritor, possui diversos livros publicados como "O que é isso, companheiro?", "Nós que amávamos tanto a revolução" e "Vida Alternativa". Defensor de liberdades individuais e do meio ambiente, tem recebido críticas por uma parte da esquerda, onde ele diz que já não tem tantos amigos.

“Eu não tenho mais interesse de seduzir o público, meu interesse é fazer as pessoas pensarem. É difícil fazer a esquerda pensar, porque a esquerda já tem tudo pensado. Algumas pessoas sempre estarão de um lado diferente do meu, porque eu acho o meu lado muito mais crítico. Eles [parte da esquerda] têm todas as certezas do mundo, que o mundo caminha pro socialismo, que a vitória final é deles, como na Venezuela”, afirma Fernando Gabeira.

Nelson Motta e Fernando Gabeira foram convidados para conversa no Flipoços em Poços de Caldas (MG) — Foto: TV Globo/FlavioMoraes/G1

O amigo Motta continua, com uma fala ainda mais dura. "E não cansa de ver que não deu certo. A Dilma é a personificação dessa esquerda sabe tudo, autoritária”, diz.

Uma das críticas mais frequentes a Fernando Gabeira diz respeito a uma "mudança de lado" e certa proximidade do presidente Jair Bolsonaro, com o qual conviveu durante 16 anos no Congresso. Gabeira rebate, dizendo que não se trata de mudança de lado, mas de uma visão tática de como se comportar com Bolsonaro.

“Infelizmente, os meus amigos, hoje não tão amigos, da esquerda, não sabem tratar, como os EUA não souberam tratar. O fato de eu tratar o Bolsonaro com respeito não significa que eu seja um aliado dele. Eu sou um crítico do Bolsonaro, cada artigo meu é uma crítica ao Bolsonaro", diz Gabeira.

"Mas não é o tipo de crítica que ofende, porque eu não falo com o presidente. O que me interessa é falar com os eleitores dele. Você tem que mostrar aos eleitores do populista que as coisas não são tão simples como eles pensam”, declara.

A eleição de Bolsonaro

Nelson Motta acredita que quem elegeu Bolsonaro foi o desgosto com o PT. “A única opção ao PT era o Bolsonaro”, diz. Mas Gabeira vai além e aponta dois motivos cruciais para a eleição do atual presidente.

O primeiro foi o discurso ferrenho de combate à corrupção e o segundo foi a segurança pública, na visão do jornalista. Unido a isso, um discurso popular, que atraiu os brasileiros.

“Eu acho que esses dois temas tiveram um peso muito grande na atração de grandes massas populares. Sobretudo, porque ele abraçava o tema sem nenhuma timidez. A população estava muito interessada e além do mais, o Bolsonaro, assim como o Lula, são líderes populistas, eles apresentam soluções simples para problemas complexos e falam uma linguagem popular”.

Fernanda Gabeira e Nelson Motta participaram de bate-papo no Flipoços em MG — Foto: Tatiana Espósito

Críticas ao governo

Quando se trata de projetos do governo, mesmo os que envolvem motes de campanha, como a reforma da previdência e segurança pública, Gabeira acredita que as propostas não são bem desenhadas. O pacote anticrimes, apresentado pelo Ministro Sérgio Moro, por exemplo, não é bem articulado, na visão do jornalista.

Segundo ele, a proposta é repressiva, mas não preventiva. “A política de segurança é uma política capenga, ela deixa de fora muita coisa. O Moro não mencionou o sistema penitenciário, acho que ele nunca entrou numa cadeia. Se tivesse percorrido as penitenciárias que eu percorri, iria ver a bomba-relógio que temos. Da mesma maneira, ele fez uma série de propostas punitivas, mas não tem uma proposta preventiva”.

Outro ponto abordado pela dupla foi a questão das bandeiras que cada candidato levantou na época da eleição para presidente. Mesmo defendendo temas como direitos LGBT e dos negros, por exemplo, Gabeira acredita que não são bandeiras para se vencer uma eleição nacional.

“Você tem que falar uma bandeira que tenha um apelo nacional. Você não pode somar identidades isoladas e achar que o país é a soma delas. Você tem que achar um tema que seja comum a todas as pessoas - ao gay, ao negro, ao conservador, e tratar disso, o que não houve [por parte de outros candidatos]. O Bolsonaro pegou e fez disso um festival”.

Sexo e drogas

Já no encontro no Espaço Cultural da Urca, na noite de sábado, a dupla falou também sobre os outros dois temas da conversa: sexo e drogas. No entanto, sempre atrelados à política.

Gabeira afirmou que, quando se trata de educação sexual, há de se respeitar o que deseja a família. “Você não pode tentar impor um tipo de educação sexual em uma escola, em um país, e muitos outros são assim também, em que as famílias querem ter o privilégio de educar sexualmente os filhos. O que os conservadores perceberam é que teria uma brecha aí. Daí surgiu o caso do kit gay, eles inventaram isso”, analisa.

Público lotou Espaço Cultural da Urca em Poços de Caldas para acompanhar Gabeira e Motta — Foto: Tatiana Espósito

No que diz respeito às drogas, os dois têm o mesmo pensamento. Segundo eles, o Brasil é atrasado em relação à legalização da maconha e perde a oportunidade de ganhar com isso, como já acontece, por exemplo, em 22 estados dos EUA, onde o uso recreativo da maconha já foi liberado.

“Não aconteceu nada, não atingiu as famílias, nem os poderes do estado, não mudou nada na vida das pessoas”, defende Motta.

Gabeira defende ainda o uso medicinal da planta. “Outro aspecto importantíssimo é a questão do tratamento médico, como em casos de epilepsia, muitas famílias lutando pra conseguir. Felizmente agora o governo autoriza a importação, mas você acha que tem sentido você importar maconha? Para curar as pessoas? Isso é de uma estupidez fora do comum”, diz.

Flipoços

Desde o dia 27 de abril, o Festival Literário Internacional de Poços de Caldas reuniu escritores, jornalistas e mais convidados para conversas em temas ligados à literatura, política, cultura, linguagem e outros assuntos.

Ao lado do festival, a Feira do Livro de Poços de Caldas traz mais de 100 mil títulos vendidos por mais de 90 expositores. A expectativa da organização é que 70 mil pessoas passassem pelo evento até este domingo (5), último dia de festival.

Flipoços e feira do livro devem receber 70 mil visitantes em Poços de Caldas — Foto: Tatiana Esposito

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