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Política Bolsonaro

‘Não estou buscando cargo’, diz AGU cotado para o Supremo

Pastor da Igreja Presbiteriana, André Luiz Mendonça afirma que ‘não existe nada concreto’ sobre indicação à Corte
Evangélico: André Luiz Mendonça, advogado-geral da União, diz que gostaria de ver primeiro ministro do STF deficiente Foto: Jorge William / Agência O Globo
Evangélico: André Luiz Mendonça, advogado-geral da União, diz que gostaria de ver primeiro ministro do STF deficiente Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA - Apontado como um auxiliar que vem ganhando a confiança irrestrita do presidente Jair Bolsonaro, o ministro André Luiz Mendonça, da Advocacia-Geral da União (AGU), não o conhecia até ser recebido para uma espécie de entrevista de emprego no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), sede do governo de transição, em novembro do ano passado.

Quarenta minutos de conversa depois, o presidente pediu a sua assessoria que preparasse uma publicação no Twitter anunciando a escolha. Naquele momento, Mendonça, um servidor de carreira alçado ao posto de ministro, resolveu acrescentar outra informação que passava despercebida até mesmo por colegas de trabalho.

— Presidente, só queria explicar ao senhor que sou evangélico — contou, em entrevista ao GLOBO, ao relembrar o episódio.

Mendonça revelara ao presidente que atuava como pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília, e que era bacharel em Teologia. Na ocasião, Bolsonaro, que hoje cogita nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF), disse que não era pela fé que ele professava que ganharia o cargo, mas pelas credenciais que coincidiam com as promessas de campanha: valorização de servidores de carreira, escolha técnica para ministérios e combate à corrupção.

‘Nada de concreto’

Ao GLOBO, o ministro afirma que nunca esteve em busca de cargos. Também ressalta que a vaga no STF nunca foi tema de conversa com o presidente e que “não existe nada de concreto” internamente.

— Eu costumo ter uma vida muito simples. Eu sou servidor público. Ser AGU não muda o que sou. Não são especulações positivas ou negativas, elogios ou críticas, que vão mudar minha postura. Não estou buscando cargo, não busquei ser AGU — disse.

BELA MEGALE: Bolsonaro quer ministro “terrivelmente evangélico” na TV

Mendonça tenta se esquivar da pressão dizendo que vê as declarações de Bolsonaro apenas como desejo de ver uma determinada parcela da sociedade representada no Supremo. E compara a vontade do presidente às indicações das gestões petistas da primeira mulher no STF, a ex-ministra Ellen Grace, e do primeiro negro a assumir a presidência da Corte, o ex-ministro Joaquim Barbosa.

— Eu mesmo gostaria de ver o primeiro deficiente físico como ministro do Supremo — acrescentou o ministro da AGU.

Na bolsa de apostas, há quem acredite que Bolsonaro poderá indicar Mendonça logo na primeira vaga, que será obrigatoriamente aberta em 1º de novembro de 2020, quando o decano Celso de Mello completará 75 anos de idade e terá que deixar o tribunal. Neste caso, o ministro da Justiça, Sergio Moro, seria preterido em um primeiro momento.

Sem padrinho religioso

Mendonça assumiu cargos de chefia na AGU durante os governos petistas, e circulou na internet texto de sua autoria, publicado na “Folha de Londrina”, em 2002, exaltando a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No texto, Mendonça escreveu que, graças à vitória, o “coração do povo se enche de esperanças”. Questionado pelo GLOBO sobre a afinidade com o partido, o ministro justificou que o seu artigo foi apenas retrato de “um momento histórico que o país vivenciava”, mas disse que não significa que ele votou no petista.

— Era um momento em que se dizia: a esperança venceu o medo. Porém, infelizmente, para todos nós, para o país, para a sociedade, o que nós vimos é que a corrupção venceu a esperança. Esse é o registro histórico, não sou eu que estou dizendo, mas todos os fatos conhecidos hoje indicam isso — afirmou.

Outro ponto a favor do AGU é, segundo aliados do presidente, o fato de ele, embora evangélico, não ser apadrinhado por nenhum líder religioso e ter postura moderada. Desta forma, Bolsonaro conseguiria agradar conservadores, mas evitaria possíveis críticas. Antigos parceiros de trabalho dizem que o atual ministro sempre teve postura discreta, sem demonstrar inclinações religiosas ou políticas.

Interlocutores também apontam outras características: dizem que Mendonça, sempre sorridente, tem a fala pausada e serena e é um bom ouvinte.

O tom de voz, aliás, é o mesmo usado por ele para conversar com as crianças na escola dominical, onde uma de suas atividades como pastor auxiliar é contar histórias bíblicas para a evangelização infantil. Atualmente, são 20 meninos e meninas de até 11 anos na congregação da Igreja Presbiteriana Esperança. Em 2007, recém-chegado a Brasília, era responsável pelo ensino de cerca de 300 crianças. Desde que assumiu o comando da AGU, Mendonça tem se dedicado menos ao trabalho na igreja.

— Para trabalhar com crianças é preciso mesclar a calma com o exemplo, porque elas são sinceras, veem as contradições e as apontam com muita sinceridade. Mas o fundamental é demonstrar amor, demonstrar humildade, se pôr e se fazer como criança. Até fisicamente, procurar abaixar para conversar. Esse é o grande segredo — aconselha o ministro, que é pai de dois adolescentes, um menino de 14 anos e uma menina de 17.