Brasil Coronavírus

Bolsonaro inclui academias, salões de beleza e barbearias na lista de atividades essenciais

Ministro da Saúde diz que não tinha conhecimento da medida e que ela não passou pela pasta
Bolsonaro usa máscara ao sair do Palácio da Alvorada para cumprimentar apoiadores e falar com a imprensa Foto: Reprodução
Bolsonaro usa máscara ao sair do Palácio da Alvorada para cumprimentar apoiadores e falar com a imprensa Foto: Reprodução

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro editou um decreto nesta segunda-feira que inclui academias , salões de beleza e barbearias na lista de serviços essenciais. A intenção é que estas categorias sejam preservadas em decretos de restrição de circulação de governadores e prefeitos. O anúncio pegou de surpresa o ministro da Saúde, Nelson Teich, que disse que a decisão não passou por ele.

Na semana passada, o presidente já havia incluído construção civil e atividades industriais na lista. O decreto de Bolsonaro, publicado em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), faz uma ressalva de que devem ser "obedecidas as determinações do Ministério da Saúde".

— Saúde é vida. Academias, salões de beleza e barbearias foram incluídas em atividades essenciais — disse o presidente, ao retornar para o Palácio da Alvorada nesta segunda-feira.

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O ministro da Saúde, Nelson Teich, foi surpreendido por uma pergunta feita pela reportagem do Globo na entrevista coletiva sobre coronavírus da noite de 11 de maio de 2020. Questionado sobre a qualificação essencial para serviços como barbearias, manicure e academias de ginástica, ele não soube responder e confessou que não passou pela pasta esta decisão.
O ministro da Saúde, Nelson Teich, foi surpreendido por uma pergunta feita pela reportagem do Globo na entrevista coletiva sobre coronavírus da noite de 11 de maio de 2020. Questionado sobre a qualificação essencial para serviços como barbearias, manicure e academias de ginástica, ele não soube responder e confessou que não passou pela pasta esta decisão.

Questionado sobre a declaração do presidente, Teich disse que não tinha conhecimento da medida e que ela não passou pela pasta.

— Se você criar um fluxo que impeça que as pessoas se contaminem, se criar condições e pré-requisitos para que você não exponha pessoas a risco de contaminação, você pode trabalhar retorno de alguma coisa. Agora, tratar isso como essencial, é um passo inicial, que foi decisão do presidente, que ele decidiu. Saiu hoje isso? Falou agora? — questionou Teich, em entrevista coletiva.

O ministro teve que confirmar com os jornalistas quais atividades estavam sendo impactadas:

— Decisão de? Quem é...Manicure, academia? Isso aí não é...Não passou, não é atribuição nossa. Isso é uma decisão do presidente.

Após uma insistência sobre a participação da Saúde na medida, Teich ressaltou que é o Ministério da Economia que define quais são as atividades essenciais, e que sua pasta só auxilia na implementação da medida:

— A decisão de atividade essencial hoje é do Ministério da Economia. Onde o Ministério da Saúde pode e deve ajudar (é) ajudando a desenhar os fluxos, se essa decisão é tomada, como isso deveria acontecer. Mas decisão de ser essencial ou não é mais uma decisão da Economia mesmo. Se for o caso, a gente participa ajudando a desenhar uma forma de fazer que proteja as pessoas.

Questionado sobre se o Ministério da Saúde deveria ser ouvido antes da definição, Teich disse que precisa "pensar melhor":

— Honestamente, tenho que pensar melhor nessa pergunta. Nesse momento, a resposta seria não, porque é atribuição do Ministério da Economia e eu vejo a Saúde ajudando.

A União pode, de fato, disciplinar a questão, mas não dará a palavra final sozinha. Governos estaduais e municipais também têm autonomia de gestão.

Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 15 de abril determinou que o governo federal pode coordenar as diretrizes de isolamento a serem seguidas em todo o país, mas não tem poder para retirar a autonomia dos estados e municípios na gestão local.

O plenário do STF declarou que governadores e prefeitos têm poderes para baixar medidas restritivas no combate ao coronavírus em seus territórios. Eles podem determinar temporariamente o isolamento, a quarentena, o fechamento do comércio e a restrição de locomoção por portos e rodovias.

Na ocasião, o Supremo também estabeleceu que estados e municípios têm poderes inclusive para decretar quais serviços são essenciais durante a pandemia, determinando quais setores não devem paralisar suas atividades.

Vida x emprego

Também nesta segunda, Jair Bolsonaro afirmou que o combate ao coronavírus precisa ocorrer "paralelamente" à questão do emprego.

— Vou repetir. Questão da vida do vírus tem que ser tratado paralelamente com o emprego — disse.

O presidente voltou a defender o isolamento vertical, o que restringiria a circulação apenas de pessoas em grupos de risco, como idosos e portadores de outras doenças como cardiopatias e diabetes.

Ele negou que os decretos sobre atividades essenciais sejam uma tentativa de burlar as decisões de governadores e prefeitos sobre distanciamento social.

— Eu não burlo nada, saúde é vida — disse o presidente, afirmando ainda que "desemprego mata".

Bolsonaro também disse "lamentar cada morte", mas pediu que os recursos públicos sejam tratados "com zelo", citando suspeitas de desvios de recursos que deveriam ser destinados ao combate ao coronavírus:

— Lamento cada morte que ocorre a cada hora. Lamento. Agora, o que nós podemos fazer, nós todos, é tratar com o devido zelo o recursos público. Está tendo denúncia, em tudo qualquer lugar, gente precisa ate pela Polícia Federal, de desvio. Ao invés de fazer notinha de pesar, que eu acho válido, também sou pesaroso, tem que dar exemplo, gastar menos, gastar com qualidade.

Especialistas criticam medida

A ampliação do que pode ser considerado serviço essencial não foi bem recebida por especialistas. Para eles, este não é o momento de reabrir mais estabelecimentos que levariam mais pessoas às ruas e as colocaria em situação de aglomeração.

— Se pensarmos na saúde mental e bem estar das pessoas, é uma medida válida. Porém, do ponto de vista que estamos num momento em que é fundamental contermos a velocidade de propagação do novo coronavírus, já que a curva de crescimento de casos e óbitos não para de crescer, a medida é irresponsável — avalia Leonardo Weissmann, infectologista conselheiro da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Para Alexandre Schwarzbold, infectologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), publicar um decreto que permite a reabertura de academias e salões de beleza em todo o país é um equívoco. O ideal seria estudar as condições de cada região para apontar o que pode ou não abrir.

— Considero essa atitude do governo como mais uma informação contraditória que se dá para a população, dado que temos a orientação em muitas capitais do país de um aumento do isolamento social, causada pela preocupação com o crescimento no número de mortos. Talvez o mais correto seja, a partir da percepção de que temos muitas diferenças e heterogeneidades nas regiões do Brasil, no que diz respeito a número de casos e de óbitos e estrutura de saúde, desenhar um mapa de planejamento de risco de casos. Este mapa pressuporia a possibilidade de abrir alguns serviços, sejam eles de que tipo for, e em algumas regiões, e em outras não — afirma.

O infectologista dá o exemplo modelo de distanciamento controlado aplicado no Rio Grande do Sul que divide o estado em áreas com mais e menos risco, indicando o que pode ou não funcionar nestas regiões.

Na visão do professor titular de epidemiologia da UFRJ Roberto Medronho, as medidas deveriam estar na direção da restrição e não da abertura:

— Esta é uma uma medida incorreta. No momento, especialmente nas regiões onde a curva epidêmica está em franca elevação, eu recomendo o lockdown.

*Do Valor Econômico