• Inês Alberti, de Lisboa
Atualizado em
eduardo cunha  (Foto: Gustavo Lima / Câmara dos Deputados / fotos públicas)

eduardo cunha (Foto: Gustavo Lima / Câmara dos Deputados / fotos públicas)

Em meados de maio, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) esteve em Portugal para participar da conferência Desafio Globais, Respostas Locais. Ele foi um dos integrantes de um painel chamado o Caleidoscópio da Democracia e falou sobre o tema ao lado de nomes como Eusebio Mujal-Leon, da Universidade Georgetown, Rickard Falkvinge, fundador do primeiro Partido Pirata, e de Christopher Walker, diretor executivo do Fórum Internacional para Estudos Democráticos.

Entre um compromisso e outro do evento, recebeu a reportagem de GALILEU para conversar sobre a insatisfação da população brasileira com o Congresso Nacional, tema da edição de julho da revista que está disponível nas bancas e nos tablets - vale ressaltar que a entrevista foi feita antes do agravamento da crise política. Ele falou sobre outros assuntos controversos, como a redução da maioridade penal (antes de aprová-la em primeira votação na Câmara), sobre o Estatuto da Família e sobre as polêmicas que envolvem seu nome. “Rompi as estruturas políticas e entrei para não deixar ninguém com tédio, para fazer algum barulho”, afirmou Cunha. “Faz parte da polêmica ter sempre o contraponto.”

Acompanhe a íntegra da entrevista:

GALILEU: Quais são os principais desafios da política no Brasil hoje?

Eduardo Cunha: Os desafios são você recuperar a economia brasileira de um modo que possamos continuar proporcionando a manutenção do emprego e a manutenção de renda que existia. Esse é o principal desafio. Se você não recupera a economia brasileira você efetivamente vai causar problemas em todas as áreas, inclusive nas áreas sociais. É importante que mantenhamos a nossa capacidade de investimento, a nossa capacidade de arrecadação, que possamos continuar os nossos programas de investimento de estrutura, que possamos continuar com os nossos programas sociais. Para isso é preciso que a economia se recupere. A economia está com problemas hoje.

Acha que o impeachment da presidente Dilma seria uma solução? Acha que seria favorável ao Brasil?

"Impeachment não é questão de gosto, impeachment é a previsão constitucional para impedir o presidente da República eleito pelo povo"

O problema não é esse. O problema é não termos de achar se é bom ou se é ruim. Impeachment não é questão de gosto, impeachment é a previsão constitucional para impedir o presidente da República eleito pelo povo. Então não dá para ser usado isso como instrumento e recurso eleitoral por descontentamento com a ação do governo. Cabe à mim, como presidente da Câmara, recepcionar ou não o pedido de impeachment – então não posso tratar esse assunto como se fosse um assunto banal. Àqueles que hoje estão com raiva do governo porque não votaram nele ou votaram nele e se arrependeram, se achavam "vou fazer o impeachment para trocar", não é assim que funciona a democracia. Esse governo é eleito, tem mandato. Se o povo errou elegendo, o povo terá oportunidade de corrigir na próxima eleição. Se houver fatos dentro da Constituição brasileira que sejam enquadrados, é outra coisa. Mas não é o caso.

O senhor já se imaginou como presidente da República?

Não tenho essa ambição nem essa pretensão.

Qual tem sido a importância do seu partido na evolução do Brasil?

O Brasil vem da ditadura militar. A ditadura militar tinha dois partidos: o partido da ditadura e o partido contra a ditadura, que era o PMDB. Todos se agruparam debaixo do PMDB. O PMDB era uma frente. Então todos os que existem hoje, o partido da presidente da república, o partido do ex-presidente da república, Fernando Henrique, todos eles vieram do PMDB. Todos aqueles que confrontavam a ditadura saíram da costela do PMDB. E ainda assim o PMDB é o maior partido do Brasil com todos saindo. O PMDB é muito grande, é uma frente. O que notabilizou, o que une o PMDB é o combate a qualquer tipo de limitação à liberdade. O PMDB é o partido da liberdade. Da liberdade democrática, da liberdade de expressão. É o partido que defende a liberdade acima de tudo. Essa é a bandeira principal do PMDB. Então o PMDB tem o seu futuro na medida em que a democracia seja aperfeiçoada, que as liberdades sejam mantidas e que a gente possa cumprir a nossa função social. O PMDB está aí presente e vai continuar presente e tem de acrescer, vai disputar a próxima eleição presidencial e deverá crescer em termos de participação no governo.

O PMDB e o senhor têm posto na mesa muitas reformas políticas que são recebidas com muita polêmica. É o caso da redução da maioridade penal. Por que tanta polêmica?

Porque são assuntos que envolvem a sociedade civil. Tudo o que envolva sociedade civil vai ter contrários apaixonados e a favor muito mais apaixonados ainda. A redução da maioridade penal vem de um aspecto em que você tem um acirramento da violência no nosso país muito praticada por menores. Há uma discussão de natureza "ah hoje o limite está 18 anos, se passar para 16 anos, os criminosos vão usar quem tem menos de 16 e vai continuar a mesma coisa”. É possível, mas pelo menos você limita o campo. Eu não entro muito nesse debate. As razões pelas quais apoio a redução da maioridade penal é que eu acho que a responsabilização criminal tem de ser dada na mesma idade que você pode votar. Se eu posso votar e eleger o presidente da República, o meu representante, tenho de ser responsabilizado pelas minhas ações. No Brasil você vota com 16 anos e é responsabilizado criminalmente com 18. Essa discrepância é que sou contra. Ele pratica o maior crime que ele pode cometer que é eleger seus mandatários e não pode ser responsabilizado por um ato que acontece na rua?

Mas isso não corta as oportunidades dos jovens de corrigir os seus erros? 

Então ele não deve votar. A minha concepção é um pouco diferente: não é que a idade correta é 16 ou 18 aos. É a exoneração da responsabilidade. Ele não pode ficar só com direito e não ter obrigação. Tem o direito de praticar o mal pelo país porque escolheu um mau governante, mas ao mesmo tempo ele não tem obrigação de cumprir as leis.

>>> Leia mais sobre a maioridade penal

Cunha na sessão extraordinária da PEC da maioridade penal (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil / fotos públicas )

Cunha na sessão extraordinária da PEC da maioridade penal (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil / fotos públicas )

E quanto ao Estatuto da Família, também há muitas polêmicas e críticas sobre a influência da religião na sua forma de governar...

Você tem um dispositivo constitucional que fala para a concepção da família. A discussão é essa: a aplicação do dispositivo constitucional. É claro que você tem uma discussão mais política, mais polêmica, mais ideológica no processo. A mim, como presidente da Câmara, não cabe impedir nenhum debate. Temos normas regimentais para poder colocar em votação qualquer coisa. Na minha vontade o que coloco em votação, quando você pega um projeto lei, qualquer que seja ele, tem de ter urgência e eu, para obter urgência, tenho de ter o apoio de mais de metade da casa. Não tenho isso: nenhum projeto que afete a concepção de família. E esse estatuto de família é uma forma de ratificar o que já existe na constituição. É uma discussão contraditória. É um debate muito mais político do que necessariamente um debate que vai se dar em algum tipo de legislação.

E não seria possível fazer um referendo, como aconteceu, por exemplo, em Portugal?

Seria preciso um plebiscito, mas não há apoio. Para fazer um plebiscito precisaria ter uma mudança da Constituição e não há apoio para isso. Ou seja, na prática vivemos o debate apenas, não há consequência legislativa em nenhum lado.

Por que é que isso acontece?

"Ninguém é contra a criminalização de homofobia. O que aconteceu ali é que o texto que estava sendo debatido afrontava o direito da liberdade de culto"

Pelo acirramento das posições. Você teve uma discussão enorme sobre um projeto que tentava tipificar uma criminalização de homofobia. Essa tipificação criminal específica já está no código penal brasileiro: qualquer tipo de violência já tem a sua punição. Ninguém é contra a criminalização de homofobia. O que aconteceu ali é que o texto que estava sendo debatido afrontava o direito da liberdade de culto. Porque quando você vai a determinadas igrejas, se você for fazer a prática do culto dentro das igrejas e falar que o homossexualismo seria pecado na ótica das igrejas, isso implicaria você - segundo o texto aplicado naquele momento - responsabilizar os padres, os pastores por crime de opinião, de liberdade de culto. E foi isso que se enfrentou naquele momento. Então essa discussão ganhou forma sem apoio político nenhum. Criou uma política em cima do nada. Porque se você tivesse a discussão da criminalização da homofobia respeitando o direito de culto nas igrejas, não tinha qualquer problema.

Mas porque é a igreja e a homossexualidade têm de ser duas coisas que chocam?

Não é que choca. A questão não é o choque da igreja e da homossexualidade. A questão é que aqueles que praticam os cultos estavam se sentido com a ameaça de criminalizar a sua opinião. E não queriam que a sua opinião fosse criminalizada e não havia da parte do que defendia a criminalização da homofobia, a flexibilização para evitar que houvesse a criminalização da opinião de culto.

Como é que avalia a representatividade na política? Não acha que há muitos políticos que representam empresários e poucos que representam os sindicatos e os trabalhadores?

Não acho. Acho até o contrário. Acho até que tem muito mais os que representam [os sindicatos e trabalhadores]. Você corre o risco, esse grande risco de ter uma representação muito corporativista, só de corporações. Porque isso não vai ter condição, de ser uma legislação só para atender a corporação A, B ou C. Isso acaba rebentando as contas públicas sempre. Uma coisa é você defender ou não defender o direito do trabalhador, o bem-estar do trabalhador, a manutenção do emprego, a manutenção da renda. E outra coisa é você defender o interesse da categoria A, B ou C. E você tem uma mistura muito grande de defensores da categoria A, B ou C. Por isso que passam a impressão de que não tem representantes maiores de trabalhadores. Mas tem. Só que está segmentado pelas suas corporações. "Ah se tem um defensor dos policiais, na categoria dos policiais, se tem um defensor dos enfermeiros? E a categoria dos enfermeiros. E a dos taxistas" - você tem de tudo. Essa representação corporativa é o que a gente deve evitar. Você tenta valorizar a forma de eleição que evite você ser só uma casa de corporações, é um dos desafios que a gente tem.

O senhor tem estado no centro de várias notícias, nas capas dos jornais, em relação à Operação Lava Jato. Por que parece haver tanto interesse em si?

"Rompi as estruturas políticas e entrei para não deixar ninguém com tédio, para fazer algum barulho. Faz parte da polêmica ter sempre o contraponto"

O que acontece é o seguinte: vivemos um processo político muito acirrado, tive uma eleição muito acirrada, em que ganhei do governo e da oposição. Consequentemente rompi as estruturas políticas e entrei para não deixar ninguém com tédio, para fazer algum barulho. Faz parte da polêmica ter sempre o contraponto. Nesse caso específico da Lava Jato não tenho nenhum constrangimento de falar até porque tecnicamente já falei, já fui para a comissão parlamentar, já expliquei e estou sempre em disposição para explicar. E denunciei que politicamente me escolheram para investigar para constranger o poder que eu presido. Mas não vou me sentir constrangido. Não vou deixar de fazer o que estou fazendo, não vou deixar de pautar o que tem de ser pautado, não vou deixar de debater o que tem de ser debatido. Se o interesse de quem me tentou constranger era esse, achar que ia ficar acuado no exercício do poder, errou. Vou continuar a fazer perfeitamente o que eu acho que deva ser feito e pelo qual me elegi.