Blog da Amélia Gonzalez

Por Amelia Gonzalez


Se baixarmos o consumo de carne, a indústria terá que se adaptar a outro paradigma — Foto: Divulgação

Há mais de uma década não como carne vermelha. Também quase suprimi o frango da minha dieta – ou melhor, aquele tipo estranho de animal criado pelas grandes indústrias, de quem cortam o bico e deixam em pequenas gaiolas só para engordar e soltar ovos. O peixe eu só como de vez em quando.

Dou preferência aos frangos caipira. São mais trabalhosos para cozinhar, mas quando os levo ao fogo para fazer uma canja ou um bom ensopado até esqueço o trabalho, de tão saborosos.

Os peixes também os prefiro inteiros, o que aumenta o tempo que passo na cozinha, mas também vale a pena pelo sabor. Escolho uma espécie que nos é mais familiar e encontrada no litoral mais perto do Rio de Janeiro, onde moro.

Em tempo: não estou anêmica, faço algumas substituições de proteína animal por oleaginosas e feijões. E também não sou a chata que desfaz rodinha de amigos trazendo o assunto à mesa quando estão saboreando um churrasco. Acredito que as pessoas que não estão entre os 5,2 milhões de brasileiros que passam fome diariamente neste país podem escolher entre comer proteína animal ou não. E esta escolha pode tomar como base uma série de questões, entre elas o sofrimento impingido ao animal quando é abatido para nos alimentar.

Sendo assim, na verdade, seria mais certo dizer que me alimento de proteína animal de vez em quando, apenas como iguaria, e quando tenho certeza de sua origem. Nessas horas, pago a mais por este alimento.

Consumo consciente

Vez por outra leio algum artigo interessante sobre este tema tão espinhoso, e gosto de compartilhar aqui. Matthew Evans, ex-chef, crítico de gastronomia e autor de livros, além de fazendeiro, acaba de lançar o livro “On Eating Meat” (Sobre Comer Carne”, em tradução literal) e o jornal britânico “The Guardian” publicou um trecho do livro no site.

Evans é australiano, atualmente tem uma fazenda no estado da Tasmânia, e defende o consumo de carnes, desde que seja de modo consciente, ou seja, apoiando os agricultores que fazem o abate de maneira adequada, sem sofrimento para o animal.

Ele acredita que é possível consumir carne de bichos que tenham tido uma boa vida, saudável, comendo grama, grãos, pastando. Ao morrerem, servem para alimentar algumas pessoas que vão apreciar esta carne com respeito, fazendo contato com aquilo que estão consumindo. Para isso, porém, ele admite que é preciso que a classe mais abastada se permita gastar mais com comida, dando força aos pequenos produtores que trabalham duro para fazer a coisa certa.

“A verdade é que podemos gastar mais em comida. Costumávamos gastar mais com comida antigamente. Podemos apoiar sistemas agrícolas melhores, agricultura mais sustentável, melhor bem-estar animal – mas a maioria de nós simplesmente não escolhe fazer isto. Talvez seja porque, por muito tempo, os fazendeiros disseram “Não se preocupe” e “Não olhe”. Não percebemos, por isso, as escolhas que poderíamos fazer para ajudar a tornar o mundo um lugar melhor”, escreve ele.

Faz sentido. À medida que foi se tornando mais fácil adquirir comida industrializada, a grande demanda, também causada pelo aumento da população, sem dúvida, foi nos afastando da produção e barateando o preço dos produtos consumidos massivamente. É raro se ter tempo para pensar em como foi tratado o boi que é vendido aos pedaços em belas embalagens que ficam expostas em gôndolas estrategicamente bem iluminadas nos grandes supermercados.

Vejam que não há denúncia. É, apenas, uma constatação.

A sugestão de Evans é: “Se você quer que os agricultores façam de forma diferente, então passe a exigir isto. E pague um pouco a mais por isto”.

Tudo tem seu preço

Ele dá um exemplo interessante: num tempo que nem é tão longínquo assim, não imaginávamos pagar por acesso ao telefone e à internet. No entanto, hoje damos uma parte do nosso orçamento doméstico para estes serviços sem pestanejar, porque precisamos disso.

“Se quisermos melhores resultados em termos de bem-estar animal, se quisermos uma gestão ambiental mais sustentável, se quisermos carne de animais que tenham sido capazes de viver de forma mais saudável, teremos que pagar por isso também”, diz ele.

Evans, no entanto, conta que o Reino Unido viveu, nos anos 90, uma experiência neste sentido que decepciona quem sonha com um mundo onde pessoas possam se alimentar melhor e os animais vivam uma vida mais sadia antes de servirem de alimento. Um mundo mais sustentável, portanto.

Na época, por conta de uma campanha massiva de uma organização ambiental, o país decidiu incentivar que se abolissem as gaiolas de porcas. São espaços diminutos, gaiolas de arame em que algumas indústrias mantêm as porcas durante a vida adulta até o abate. Não podem se movimentar, apenas comer. Têm espaço apenas para se deitar.

Pesquisas foram feitas e mostravam que os britânicos apoiariam o fim dessa barbárie contra os animais. Só que, na hora agá, não deu certo. Veio a crise, a libra britânica aumentou em valor, as importações ficaram mais baratas e, de uma hora para outra, o lucro dos produtores que haviam abolido as gaiolas de porcas foi diminuindo e os cidadãos passaram a consumir carne que vinha de outros países, onde a prática era largamente utilizada. A carne deles era mais barata.

Mudanças nos hábitos

Eis a questão. É mais fácil fechar os olhos à maneira como a carne e outros artigos da indústria de alimentos vêm sendo produzidos, e pagar menos por eles, do que exigir dos produtores uma conduta mais consciente. E mudar um paradigma de consumo, no sentido de eliminar, por exemplo, a necessidade de comer carne todos os dias.

Se baixarmos este consumo, a indústria terá que se adaptar a outro paradigma. Se exigirmos menos agrotóxico, por exemplo, e investirmos mais na compra de alimentos “limpos”, vamos dar chance também aos pequenos produtores. O mais pode ser menos. E vai ter espaço para todos.

Aproveito para lembrar que hoje é segunda-feira e que a campanha “Segunda sem carne”, que nasceu nos Estados Unidos em 2003 e foi encampada pelo Brasil em 2009 pela Sociedade Vegetariana Brasileira, está indo de vento em popa.

O mais interessante em ficar um dia da semana, ao menos, sem o consumo de carne, é descobrir tantos outros alimentos que podem substituir, com louvor, a proteína animal. Só esta consciência, este pequeno passo em direção a fazer mais contato com o que está sendo consumido, já pode dar mais um pouquinho saúde. Pensa nisso...

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