Por Clara Velasco, g1


A falta de saneamento básico gerou mais de 270 mil internações no Brasil em 2019, segundo estudo do Instituto Trata Brasil divulgado nesta terça-feira (5) com exclusividade pelo g1. O número representa um aumento de 12% em relação ao ano anterior, que teve pouco mais de 240 mil internações. É a primeira vez em 10 anos que uma alta ocorre.

Em 2020, porém, em um ano marcado pela pandemia do novo coronavírus, dados ainda preliminares voltam a apontar uma queda: 174 mil internações.

As internações em 2019 geraram um gasto de R$ 108 milhões para o país. Também resultaram em mais de 2,7 mil mortes – o que significa que, em média, sete pessoas morreram por dia no Brasil em 2019 por causa da falta de acesso a água tratada e esgoto.

Em 2020, houve ao menos 1,9 mil mortes. Ainda assim, uma média de cinco pessoas mortas por dia no Brasil.

Internações por falta de saneamento no Brasil
Em 2019, dado apresenta alta após tendência de queda; em 2020 dados ainda preliminares voltam a registrar queda
Fonte: Trata Brasil

As hospitalizações pela falta de saneamento são causadas por doenças de veiculação hídrica, que, como o nome já indica, são doenças em que a água é um importante veículo de transmissão, como diarreias, malária, dengue, leptospirose, entre outras.

Brasil teve mais de 270 mil internações em 2019 por causa de doenças causadas pela falta de saneamento básico. Na foto, bairro de Fortaleza com problemas de saneamento — Foto: Igor Mota

Veja os destaques do estudo:

  • O Brasil registrou 273 mil internações em 2019 por doenças causadas pela falta de saneamento
  • O número é 12% mais alto que o de 2018, mas ainda representa uma queda considerável em comparação com 10 anos atrás, quando o país teve mais de 600 mil internações
  • A falta de saneamento causou 2.734 mortes em 2019; do total, mais de mil aconteceram no Nordeste
  • O Norte tem a pior incidência de internações, com 23 casos a cada 10 mil habitantes; é também a região com os piores índices de saneamento do país
  • Os gastos com as internações chegaram a R$ 108 milhões no país, sendo que o Nordeste foi a região com mais despesas (quase R$ 43 milhões)
  • As internações de crianças de 0 a 4 anos representam 30% de todos os casos
  • Dados preliminares de 2020 apontam 174 mil internações e 1,9 mil mortes pela falta de saneamento

"As doenças mais ligadas à falta de saneamento básico provêm muitas vezes da ingestão da água imprópria, que não é potável, ou com contato com esgoto", explica o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. "São doenças muito antigas, que existem há décadas no Brasil e que ainda continuam vivas, mesmo depois de tanto tempo e mesmo já tendo remédios consagrados."

"Em pleno século 21, num país que está entre as 15 maiores economias do mundo, a gente ainda morrer por diarreia, por febre tifoide, por cólera, por esquistossomose é gravíssimo. O Brasil não deveria mais ter esse tipo de mortalidade por doenças tão antigas", diz Édison Carlos.

O estudo foi feito a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e do DataSus, portal do Ministério da Saúde que acompanha os registros de internações, óbitos e ocorrências relacionadas à saúde da população brasileira.

Brasil desigual: dados por região

O estudo destaca que as internações causadas pela falta de saneamento se distribuem pelo país refletindo as condições sanitárias de cada região, como é possível ver no gráfico abaixo.

Taxa de internações por doenças causadas pela falta de saneamento básico por região do país — Foto: Juan Silva/G1

A falta de saneamento é mais evidente no Norte, onde somente 12% da população conta com coleta de esgoto.

O Norte teve 42 mil internações em 2019, número mais baixo que as hospitalizações do Nordeste (113,8 mil) e do Sudeste (61,8 mil), mas que representa uma incidência mais alta, já que a população no Norte é muito menor que nessas outras regiões. A taxa de internação no Norte foi de 23 casos por 10 mil habitantes, muito acima da média nacional, de 13, e das outras regiões.

Mesmo com uma taxa mais baixa que a do Norte, o Nordeste também chama a atenção negativamente, já que foram muitas internações (mais de 100 mil) com uma incidência também acima da média nacional, com 20 casos a cada 10 mil pessoas. Também foi responsável por mais de 1 mil das 2,7 mil mortes registradas no país pela falta de saneamento.

Além disso, o Nordeste foi a região que mais desembolsou com essas internações: quase R$ 43 milhões, o que representa quase 40% dos gastos totais do país. E, assim como no Norte, estes números refletem fortemente a realidade do saneamento nordestino, já que apenas 28% da população têm coleta de esgoto.

O Sul e o Centro-Oeste tiveram números de internações parecidos, próximos dos 28 mil, mas com taxas distintas: 17 por 10 mil pessoas no Centro-Oeste e 9 no Sul.

o Sudeste tem os melhores indicadores de incidência (7 casos a cada 10 mil), o que reflete os 79% da população com coleta de esgoto. É importante notar que o Sudeste apresenta números de internação maiores que o Norte (61 mil), mas possui sete vezes mais habitantes, o que faz sua taxa ficar mais baixa.

Mesmo assim, vale notar que, como tem muitas internações, o Sudeste gastou quase R$ 28 milhões em 2019 com estes casos, o que mostra, como destaca o estudo, a necessidade de mais investimentos para melhorar o acesso da população ao saneamento básico.

Série histórica: mais saneamento, menos internações

Mesmo com a situação ainda grave em todo o país, com milhares de mortes e gastos elevados, o estudo destaca que o Brasil registrou uma queda importante no número de internações nos últimos dez anos. As hospitalizações passaram de 603,6 mil em 2010 para 273,4 mil internações em 2019.

“Isso mostra que, mesmo ainda distante do ideal, a expansão do saneamento trouxe ganhos à saúde, sobretudo com a expansão das áreas de cobertura com água tratada e coleta de esgoto ao longo dos anos”, destaca o estudo.

“Em 2010, por exemplo, 54,6% da população não tinha coleta dos esgotos, mas, com o avanço (...), a população sem acesso foi reduzida a 45,9%. Sem dúvida, o avanço permitiu expressiva redução das doenças e óbitos por veiculação hídrica.”

O acréscimo de 30 mil internações entre 2018 e 2019, portanto, deve ser encarado com cautela. "A tendência continua sendo o indicador mais importante a ser avaliado diante dessa serie histórica, e, nesse caso, precisaremos acompanhar esse comportamento nos próximos anos para ter maior clareza em relação a alguma mudança no perfil de redução [dos últimos anos]", diz Luciano Pamplona, doutor em ciências médicas e embaixador do Instituto Trata Brasil.

Dados preliminares de 2020: melhora ou medo?

O estudo também traz dados preliminares de 2020, ano em que a pandemia da Covid-19 começou. A pandemia trouxe mais atenção para hábitos sanitários e de higienização, bem como causou uma sobrecarga em hospitais e unidades de saúde de todo o país.

Os números preliminares mostram que o Brasil teve 174 mil internações por doenças de veiculação hídrica em 2020. Isso representaria uma redução de 35% em relação a 2019. Os óbitos em 2020 estão estimados em 1,9 mil, uma redução de 30%.

O Trata Brasil, porém, faz um alerta: “Os dados precisam ser analisados com cuidado pelas instituições médicas, pois a queda pode estar relacionada ao afastamento das pessoas dos hospitais por medo de contaminação da Covid”.

Paciente com coronavírus em hospital de São Paulo; Instituto Trata Brasil levanta hipótese de que, por conta de medo de contaminação, pessoas com doenças ligadas a falta de saneamento podem ter evitado ir a unidades de saúde — Foto: MISTER SHADOW/ASI/ESTADÃO CONTEÚDO

"Os números de 2020 certamente não poderão ser comparados com nenhum outro da série histórica, pois foi um ano completamente atípico. Por isso, nós do Trata Brasil creditamos esta redução de casos muito mais à falta de visitas aos hospitais de pessoas que adoeceram do que à melhoria de saneamento ou das condições de saúde", diz Édison Carlos.

Independentemente disso, o Trata Brasil destaca que os números do estudo destacam a importância de o país acelerar os investimentos em saneamento básico, para que cada vez mais pessoas tenham acesso a água tratada e coleta de esgoto.

Qualquer melhoria no acesso da população à água potável, coleta e tratamento dos esgotos traz grandes ganhos à saúde pública. Por outro lado, o não avanço faz perpetuar essas doenças e mortes de brasileiros por não contar com a infraestrutura mais elementar”, afirma Édison Carlos.

"São hospitalizações com ocupação de leitos que poderiam estar sendo destinados a doenças mais complexas. É essencial que o Brasil resolva definitivamente isso, pelo bem do país e seus cidadãos", diz Édison Carlos.

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