Blog da Sandra Cohen

Por Sandra Cohen

Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em 'O Globo'


Mulheres usam máscaras enquanto andam por uma rua em Hangzhou, na província de Zhejiang, leste da China, em 21 de janeiro de 2020 — Foto: Chinatopix/AP

A prefeitura de Hangzhou, cidade no leste da China, vai sofisticar um aplicativo para smartphone que permitiu, durante a pandemia do novo coronavírus, rastrear os passos dos 10 milhões de cidadãos e saber com quem tiveram contato para evitar a disseminação da doença. A nova versão vai além disso e estende-se à vida cotidiana, estabelecendo um ranking de pessoas menos e mais saudáveis.

Trata-se de um código permanente de saúde, com pontuação de 0 a 100 e cores que variam do vermelho ao verde, como num sinal de trânsito. Monitora se a pessoa consumiu cigarros ou bebidas alcoólicas. Sem esclarecer como coletará os dados, o sistema supervisiona quantas horas o usuário dormiu, se fez exercício físico e a frequência com que faz check-up.

O anúncio da Comissão Municipal de Saúde de Hangzhou, cidade que sedia o gigante chinês de comércio eletrônico Alibaba, rapidamente levantou os temores de sempre: o controle do governo chinês sobre os cidadãos por meio de invasão e violação de privacidade. Até que ponto, de posse dessas informações sobre a saúde e os hábitos dos cidadãos, o governo vai punir quem tem comportamento social considerado inadequado?

A reação a mais essa forma de vigilância foi raivosa em sites como Weibo e Zhihu. “Os adultos têm o direito de escolher seu próprio estilo de vida, em vez de serem ensinados como crianças, se isso é certo ou errado”, protestou um usuário que se identificou como Zhailong.

“São meios ilegais. Os dados dos registros médicos e exames são privados. O Estado controla essa parte dos dados com muito rigor”, opinou o doutorando Jia Yun, no Zhihu.

Governo da cidade de Hangzhou quer controlar saúde dos moradores com aplicativo — Foto: Reprodução/Comissão Municipal de Saúde de Hangzhou

Internautas chineses revelaram preocupações sobre como suas informações poderiam ser utilizadas em entrevistas de emprego ou em planos de saúde. Segundo o plano apresentado pela prefeitura, 15 mil passos diários de exercício físico aumentam a pontuação em 5 pontos, mas um copo de bebida alcóolica retira 1,5 ponto. Cinco cigarros diários reduzem 3 pontos na nota.

Durante a pandemia, o controle sobre a disseminação do novo coronavírus, através de ferramentas digitais de vigilância, pareceu ter funcionado. Estatísticas oficiais registram 82.992 infectados e 4.634 mortos na China. Só entrava em transportes públicos, por exemplo, quem mostrava a etiqueta verde no celular. Os de etiqueta amarela (em risco) deveriam ficar em quarentena durante uma semana; os de vermelha (alto risco) eram isolados por duas semanas.

A sofisticação do sistema e a sua extensão para o dia-a-dia dos chineses, contudo, levanta desconfianças. Uma pessoa que se relaciona com outra classificada como código vermelho perderia pontos por isso? O site Zhihu, de perguntas e respostas, está repleto de dúvidas e apreensão sobre o tema. No cenário pós-pandemia, quando o governo chinês já tem os dados pessoais à sua disposição e avança os tentáculos para exercer o controle total sobre a população, a pergunta do internauta faz todo o sentido.

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!