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Os intocáveis cubanos da Venezuela

Assessores militares da ilha dos irmãos Castro orientam nas sombras a reação do governo de Maduro aos protestos populares

Nicolás Maduro e Raul Castro: petróleo em troca de segurança
Foto: AP
Nicolás Maduro e Raul Castro: petróleo em troca de segurança Foto: AP

CARACAS - Na Venezuela, os assessores militares cubanos são como deuses: ninguém pode vê-los, mas eles estão em toda parte e sua palavra é lei. Sua missão: apoiar a todo custo o governo chavista. Um governo que, com o mal-estar social e os protestos nas ruas, olha com mais devoção do que nunca os “salvadores” insulares.

Quartéis do exército, ministérios do governo, empresas petroleiras, escritórios de inteligência e até mesmo o Palácio de Miraflores. São centenas de militares cubanos atuando desde que atenderam ao chamado de Hugo Chávez, logo que subiu ao poder, 14 anos atrás, e que Nicolás Maduro herdou de seu mentor, como todo o resto.

São muitos? São influentes? São perigosos? Perguntas que estiveram sem resposta por muitos anos agora têm resposta afirmativa - ainda que os dados disponíveis sejam escassos.

- O trabalho de profissionais cubanos se baseia em tratado de 2000, que estabelece a cooperação entre Cuba e Venezuela; nesse documento está previsto o envio de assessores de diversas áreas - afirmou Adolfo Salgueiro, professor de direito internacional e assessor da opositora Mesa da Unidade Democrática.

O tratado bilateral era a expressão de uma ideia muito cara a Chávez que, em seus longos discursos, sonhava com uma América Latina sob a sua tutela e construída com base em intercâmbios regionais. No caso cubano, a troca consistia em petróleo por especialistas. Os militares se converteram na face mais obscura desse contingente de profissionais - professores, médicos, engenheiros - que intervieram em programas sociais montados pelo chavismo.

As denúncias contra a excessiva influência cubana se acumularam desde então, sobretudo depois que o general Antonio Rivero, próximo ao “comandante”, desertou e abriu uma janela ao submundo dessa irmandade secreta.

“Vou te tirar porque você não se alinha à política”, disse Chávez a Rivero, quando ele expressou suas reservas sobre o peso desmedido dos agentes cubanos. Rivero pediu baixa em 2010 e passou para a oposição. Desde então, entra e sai da prisão, de acordo com o humor das autoridades.

Outros testemunhos, documentos e declarações de especialistas sobre a situação situam os cubanos em comandos militares, guarnições, bases aéreas, postos de fronteira, estações de satélites e instalações petroleiras.

Além disso, coordenam treinamentos da milícia bolivariana e crescem as suspeitas - e as denúncias - de que adestram os grupos de choque que atuam contra as marchas opositoras, e cuja repressão nos últimos meses deixou mais de 30 mortos e 500 feridos. Entre as exigências dos manifestantes está, justamente, o fim da ingerência cubana nos assuntos da Venezuela.

É possível que não sejam os cubanos que lançam gases e disparam contra manifestantes. Mas é possível que sejam eles que indicam como e onde fazê-lo.

Para Carlos Romero, especialista em assuntos internacionais, todo o programa bilateral entre Cuba e Venezuela está relacionado à inteligência e segurança.

Os professores e médicos devem reportar sobre a situação política e social dos setores populares. Eles estão infiltrados em atividades profissionais ou camuflados em empresas mistas, cubano-venezuelanas. Por fim, no topo da pirâmide, estão os militares que trabalham com os mandatários venezuelanos e têm acesso a segredos de Estado.

- Todos eles formam um conglomerado fundamental para que Cuba mantenha um olho sobre a Venezuela - disse Romero.

O objetivo é evitar o desaparecimento do regime chavista, o mecenas petroleiro que, com sua doação de barris, mantém a economia da ilha.

Se os cubanos estão em todas as partes, se veem tudo e tudo sabem, não serão invulneráveis?

Não chega a tanto, diz Romero.

- Maduro não foi tão bom como esperavam, e tampouco esperavam uma situação econômica tão grave. Além disso, metade do país se nega a compactuar, como deixou claro nas urnas e nas ruas não quer um modelo socialista.