Por Raquel Morais, G1 DF


Imagem de câmera de segurança de hospital do DF do momento em que mãe teria aplicado insulina em bebê — Foto: Reprodução

A delegada Ana Cristina Melo Santiago afirmou que um exame feito em um laboratório particular corroborou a suspeita de que o casal acusado de tentativa de homicídio contra o próprio bebê estava forjando uma doença. Imagens de câmeras de segurança do Hospital Universitário de Brasília flagraram a mãe aplicando uma injeção de insulina no menino, que tinha 2 meses na época. A suspeita é de que a família tentaria ganhar dinheiro por meio de comoção popular com suposto quadro de hiperinsulinismo congênito.

O teste foi pedido por profissionais do Hospital Universitário de Brasília como “cortesia”. O exame que mediu níveis hormonais da criança não é disponibilizado no SUS. A equipe viu, porém, necessidade de fazê-lo, já que os exames feitos anteriormente apresentavam resultados incoerentes (veja abaixo).

“A gente se deparou com uma equipe médica e de enfermagem muito comprometida e isso fez toda diferença no trabalho”, afirmou a delegada ao G1.

Para a Polícia Civil, não há dúvidas de os pais tentaram induzir o quadro no bebê. O casal foi indiciado por tentativa de homicídio e foi afastado judicialmente do convívio com o menino e com os outros três filhos.

A delegada Ana Cristina Santiago ao lado do diretor do banco de DNA do Distrito Federal, Samuel Ferreira — Foto: Raquel Morais/G1

“Ela, durante o relato, você vê que ela não é uma pessoa ‘ignorante’ nesse assunto. Ela sabia exatamente do que se tratava a doença, no que consistia, quais os riscos. Ela sabia que de fato o bebê tivesse o hiperinsulismo ele jamais poderia receber a insulina, que ele corria risco de vida. Ela sabia exatamente o que ela estava fazendo. A intenção era essa, de alguma forma continuar mobilizando a sociedade.”

“Com o bebê eu sou categórica em afirmar que está fechado e que ela, em livre consciência, produziu essa doença. E o pai certamente tinha conhecimento do crime, ele tinha acesso à medicação. Areação dele na delegacia mostrou isso, ele não se mostrou surpreso quando falamos o que ela fez.”

A delegada informou que a corporação abriu inquérito para investigar se o mesmo crime foi cometido contra uma das outras filhas do casal, que atualmente tem 6 anos e supostamente apresenta hiperinsulinismo congênito – doença que faz o pâncreas produzir insulina em excesso. A polícia também pediu acesso aos laudos médicos dos dois filhos que o casal diz terem morrido com a doença.

Em maio deste ano, o casal ganhou na Justiça uma indenização de R$ 70 mil pela morte de outra filha. Os pais alegam que ela sofria de hiperinsulinismo congênito e morreu aos 2 anos, em janeiro do ano passado, sem assistência do governo do Distrito Federal. A Procuradoria-geral do GDF recorreu da decisão.

Trecho de decisão judicial que deu indenização de R$ 70 mil a pais por morte de criança com suposto quadro de hiperinsulinismo congênito — Foto: Reprodução

Como o caso foi descoberto

O garoto deu entrada na unidade de saúde aos 50 dias de vida com uma crise convulsiva. A glicemia capilar dele era 18 mg/dL – a referência é de 60 mg/dL a 99 mg/dL em jejum. O quadro, considerado grave, foi revertido. Como os pais relataram que três irmãos do bebê (incluindo os dois que morreram) tinham hiperinsulinismo congênito, os médicos decidiram investigar se ele também apresentava a doença.

De acordo com relatório dos profissionais, mesmo recebendo a medicação adequada, o bebê apresentou insulina > 1.000 mcUI/ml, quando a referência é 2,6 mcUI/ml a 24,9 mcUI/ml. “Valores tão elevados de insulina não são esperados para hiperinsulinismo endógeno (quando o próprio pâncreas do indivíduo produz a insulina), mesmo em situações em que se suspeita de hiperinsulinismo congênito.”

Diante disso, os médicos pediram novo exame (dosagem de peptídeo C). De acordo com os profissionais, quem apresenta a doença também tem o peptídeo C elevado. O resultado do teste, porém, foi de 0,29 ng/mL (referência 1,1 ng/mL a 4,4 ng/mL). A incompatibilidade dos dados somada ao fato de que o bebê apresentava hipoglicemia intercalada com hiperglicemias relevantes chamou a atenção da equipe.

“Novas investigações foram realizadas, inclusive com a redução medicamentosa para observação do comportamento da glicemia no paciente em comento, tendo sido verificado um quadro ainda mais grave, com insulina marcando 6.422,3 mcUI/ml e peptídeo C suprimido, confirmando-se, portando, o quadro de hiperinsulinismo factício”, informou o hospital à polícia.

Mãe aplica insulina

Após investigação do hospital apontar que o quadro era “proposital”, o Conselho Tutelar foi acionado. Além disso, o menino foi encaminhado à Unidade de Cuidados Intermediários Neonatais (Ucin) do HUB, onde o acesso da família era limitado.

Pais são suspeitos de aplicar insulina em bebê de dois meses para simular doença

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Já instalado na Ucin, o menino apresentou novo quadro de hiperinsulinismo. De acordo com a investigação, por volta das 18h do dia 19 de julho, a equipe de enfermagem foi acionada pela mãe da criança para avaliação da glicemia.

O hospital decidiu analisar as filmagens do circuito de segurança. Por volta de 17h50, a mulher estava com o menino no colo, “em movimento que sugere a administração exógena de substância que se acredita tratar de insulina de ação rápida, o que justifica a alteração do quadro de hipoglicemia exposto”, segundo a investigação.

“O efeito da insulina é diminuir as concentrações de glicose no sangue. A administração inadequada em quem não precisa pode levar a hipoglicemias graves, crises convulsivas, lesões irreversíveis do cérebro, comprometendo o desenvolvimento da criança, e até óbito, caso não vista e socorrida a tempo.”

Envolvimento do pai

O caso foi denunciado à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Uma seringa foi encontrada pela delegada dentro da roupa íntima da mãe. Em depoimento à polícia, a mulher confessou ter injetado o medicamento no bebê alegando que “ele estava com a glicemia muito alta”, mesmo sabendo que ele estava sendo medicado e que a conduta dela poderia colocar a vida do filho em risco.

Ela não quis dizer como conseguiu insulina. Para a investigação, o pai do menino – que trabalha há um ano como entregador de uma farmácia – forneceu o produto.

Por decisão da Justiça, os pais não puderam mais ter contato com o bebê nem com os outros três filhos. Os quatro foram encaminhados para um abrigo, onde estão há dois meses. Em depoimento à polícia, o médico disse que o quadro do bebê melhorou.

“Era uma criança irritadiça e chorosa que se transformou após o afastamento da genitora, ficando mais tranquilo e interagindo com os cuidadores”, disse.

“Do ponto de vista médico, ele não fez mais nenhuma crise convulsiva e nenhum episódio de hipoglicemia, mesmo sem uso de qualquer medicação para controle do açúcar no sangue durante os 10 dias que permaneceu afastado dos outros genitores naquele hospital”, informou o médico.

Afastamento dos filhos

Também por decisão judicial, a outra filha do casal que tem o diagnóstico de hiperinsulinismo congênio foi internada por dez dias para que se verificasse se os quadros de hipoglicemia e de crises convulsivas descritos pela família eram verdadeiros ou se também eram provocados. Os remédios usados pela menina, que tem 5 anos, foram suspensos. Desde então, ela não teve sintomas da doença. As taxas de glicose e insulina foram normalizadas, afirma a investigação.

Segundo o médico, a garota tem pequeno atraso no desenvolvimento neurocognitivo, que pode ter sido provocado pelos episódios de hipoglicemia. Por causa da doença, ela recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

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