Há poucos dias lemos, estarrecidos, a notícia de que o estado de São Paulo não vai nomear os aprovados nas vagas oferecidas no edital para o cargo de oficial administrativo da Polícia Militar de São Paulo. Motivo alegado: crise econômica. Pode isso?

 

O edital disponibilizava 5 mil vagas, distribuídas pelos municípios, conforme anexo I. O concurso tinha validade de 1 ano, podendo ser prorrogado, conforme item 22 do edital. O concurso foi homologado em 22 de julho de 2015, podendo ser prorrogado por mais um ano. O prazo final expirou em julho de 2017.

 

O que diz o STF

Em decisão histórica e com repercussão geral (vale para todos os casos, em todos os tribunais), o STF decidiu, em 2011, que o aprovado nas vagas do edital tem direito à nomeação. 

 

Situação específica

Parece que a função para a qual foi realizado o concurso está sendo realizada por soldados temporários, que ingressaram sem concurso público. O que invalida de antemão a alegação de “crise econômica” para deixar de nomear os aprovados.

 

Considerando a relevância do assunto, fizemos um “perguntas e respostas” para esclarecer melhor o que podemos esperar nesse momento de crise econômica que afeta a União, e alguns estados e municípios.

 

1) Aprovado dentro das vagas oferecidas no edital tem garantia de nomeação?

Sim. O Supremo decidiu isso em 2011 e vale para todos os concursos do país.

 

2) Aprovado em cadastro de reserva tem garantia de nomeação?

Não. Cadastro de reserva são vagas que ainda não existem, mas podem surgir durante o prazo de validade do concurso. Não há garantia, portanto.

 

Ainda assim, há julgamentos obrigando a nomeação de ao menos um aprovado, em respeito ao princípio da segurança jurídica. Se a administração realiza um concurso, existe fundada expectativa de que alguma vaga será criada.

 

3) Há um prazo para a nomeação acontecer?

O momento da nomeação é discricionariedade da administração, ou seja, o órgão pode decidir quando é conveniente nomear os aprovados. Entretanto, todas as nomeações deverão (obrigatoriamente) acontecer até o fim do prazo de validade do concurso, ou de sua prorrogação, se houver.

 

4) Como sei o prazo de validade do concurso?

O edital informa qual será o prazo de validade e se poderá ou não ser prorrogado por igual período. Ex.: prazo de seis meses, podendo ser prorrogado por mais seis meses; um ano, prorrogável por mais um.

 

5) Há limite máximo para o prazo de validade do concurso?

Sim. A Constituição estabelece, em seu artigo 37, inciso III: “o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período”.

 

6) A prorrogação do prazo é obrigatória?

Não. É uma possibilidade, mas não é obrigatória. É decisão da administração que promoveu o concurso.

 

7) Há exceções no caso de cadastro de reserva?

Sim, se restar provado que há terceirizados ocupando vaga que deveria ser preenchida por concurso público, e há aprovados, é possível pleitear judicialmente o direito à nomeação.

 

8) Há exceções na obrigatoriedade de nomeação do aprovado dentro das vagas?

Sim. Mas, os critérios estabelecidos pela decisão do STF são bastante rigorosos. Quando é autorizada a realização do concurso, a despesa com a futura contratação de novos funcionários já está prevista no orçamento. 

 

De acordo com a decisão do STF já mencionada, somente fato superveniente (que aconteceu depois), imprevisível, grave e para o qual não exista outra solução pode justificar a não nomeação do candidato pela administração. Além disso, a decisão de não nomear está sujeita ao controle pelo judiciário, o que significa que é possível ser questionada judicialmente.

 

Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), no art. 22, parágrafo único, se a despesa total com pessoal ultrapassar 95% do limite estabelecido, fica vedado àquele Poder ou órgão o “provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança”. 

 

9) O que fazer se o direito for desrespeitado?

Preventivamente, durante a validade do concurso pode ser criado um grupo de aprovados a fim de acompanhar, junto ao órgão responsável pela contratação, a previsão de nomeação.

 

Mas, caso a administração insista em não efetuar as nomeações, a situação deve ser denunciada ao Ministério Público e/ou os candidatos devem iniciar uma ação no judiciário.

 

O candidato pode ingressar individualmente, para assegurar o seu direito, ou os aprovados que tiveram seu direito lesado podem entrar coletivamente.

 

Vale lembrar que, se o aprovado não tiver condições financeiras para contratar advogado, pode procurar a Defensoria Pública.

 

10) Há prazo para ingressar no judiciário?

Sim. A partir de 120 dias antes do fim da validade do concurso, é possível impetrar mandado de segurança preventivo; até 120 dias após, mandado de segurança; até 5 anos após, ação ordinária. 

 

Conclusão:

É possível que alguns órgãos venham a utilizar a atual crise econômica como justificativa para descumprir o que ela mesma estabeleceu quando fez publicar o edital, rompendo a segurança jurídica absolutamente necessária ao princípio constitucional do concurso público. 

 

O argumento não é novo e o desrespeito também não.