Por GloboNews


RJ teve apenas 244 processos de racismo julgados em 30 anos

RJ teve apenas 244 processos de racismo julgados em 30 anos

Levantamento obtido pela GloboNews mostra que, desde 1988, apenas 244 processos de racismo e injúria racial foram julgados no Estado do Rio de Janeiro. É uma média de oito casos julgados por ano.

Os relatos de pessoas que sofreram casos de preconceito são frequentes, mas poucos conseguem ir adiante.

“Em 2009, em uma loja na Rua Visconde de Pirajá, fiz a compra de uma camisa. Após pagar troquei a camisa no interior da loja. Ao sair, o segurança me abordou fisicamente. Ele segurou o meu braço enquanto estavam no telefone, até terminarem a ligação. Eu gritava e falava que não poderiam me abordar daquela forma. Ele me questionou por qual motivo eu estava nervosa e sinalizou que eu tinha sido vista furtando um produto”, contou Mariama Sabi, produtora de eventos.

Ela registrou o caso, mas estava grávida. Mariama conta que só foi chamada a prestar depoimento depois que o bebê nasceu. O processo acabou arquivado.

“No momento em que fui chamada eu não podia comparecer porque tive o meu filho no dia em que estava agendado. Infelizmente o processo foi arquivado pelo não comparecimento de ambas as partes”, explicou.

A Constituição de 1988 tornou o racismo crime inafiançável e que não prescreve. O Código Penal também tipificou o crime de injúria racial, que é quando alguém usa de palavras depreciativas à raça ou cor da vítima, com o objetivo de ofender.

Só que desde então apenas 244 processos de racismo e injúria foram julgados no Rio de Janeiro. Por exemplo, no mesmo período foram julgados quase seis mil casos de violência contra a mulher.

Manoel Peixinho, professor de Direito da PUC-RJ, acredita que a sensação de impunidade causada pelo baixo número de pessoas efetivamente punidas incentiva os atos racistas

“Hoje, quem pratica um crime de racismo, ou seja, a injúria racial, no máximo ficaria preso por três anos. Ou seja, não fica preso. O racista hoje, no Brasil, fica impune na área criminal. Na esfera cível, o Poder Judiciário condena com indenizações mínimas. Não pesa no bolso do racista hoje no Brasil uma indenização. Portanto vale a pena ser racista no Brasil hoje”, destacou o professor.

Entre os poucos casos julgados, quase 40% foram considerados improcedentes pela justiça na área cível. Na área criminal, os réus foram absolvidos em 24% dos casos.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, apenas quatro casos de racismo foram julgados ao longo de todo o ano de 2017. Em 2016, foram 8 processos que chegaram aos tribunais.

Nas ruas, são numerosos os casos de pessoas que têm alguma história de racismo para contar. “Já me chamaram de macaca, de saci-pererê e outras coisas”, contou uma mulher.

Na semana passada, pela terceira vez o ator Bruno Gagliasso foi até a delegacia pela terceira vez para prestar queixa de racismo por ofensas sofridas pela filha dele na internet. Em um vídeo, uma brasileira que vive no Canadá xingou a criança e a ofendeu pelo fato de ser negra.

“Eu senti o que qualquer ser humano decente sentiria: tristeza, uma sensação de impotência, covardia. Ela é uma criança. O que eu quero que aconteça é justiça. Por isso que estou aqui como pai, como cidadão. É crime e ela precisa pagar pelo que ela fez. Ela é criminosa”, disse o ator na Cidade da Polícia do Rio de Janeiro.

Em todo o país, a população que se declara negra ou parda cresceu nos últimos quatro anos e representa quase 55% dos brasileiros. Mesmo assim, é preciso avançar quando o assunto é igualdade de direitos.

“Se a Constituição entrou em vigor em 1988, se a lei contra o racismo começa em 1989 e até agora só conseguimos levar ao fim 244 processos diante de centenas ou milhares de denúncias, isso significa que o judiciário tem sido a principal barreira na justiça racial”, explicou Lúcia Xavier, coordenadora da ONG Criola.

O advogado Humberto Adami, presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB nacional e do Rio de Janeiro, acredita que é preciso eficiência nas investigações para ajudar os processos a chegarem até o final. Porém, ele considera que a legislação também deve ser aperfeiçoada, não prevendo apenas a prisão como punição contra este tipo de crime.

“Há uma dificuldade de registro de boletim de ocorrência nas delegacias, poucas ações ajuizadas pelas defensorias públicas e poucas ações ajuizadas pelas próprias partes, através dos advogados. O procedimento de investigação também é complicado e demorado e acaba atrapalhando o ajuizamento, com poucas ações chegando ao final”, explicou Adami.

Ainda assim, o advogado destaca que é importante ressaltar que o número de denúncias cresceu. “O importante é atentar que cresceu o número de denúncias, isso é um fato positivo. As pessoas estão se empoderando e a discriminação racial passou a ser repudiada e rejeitada e a própria população negra passou a tomar para si a defesa de seus direitos. Isso é saudável”.

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