Rio

Estado deve mais de R$ 402 milhões a três universidades

Em Campos, Uenf recebe água de concessionária de graça e só tem luz porque liminar proíbe o corte
Abandono. O campus da Uenf tomado pelo matagal: o ano letivo corre o risco de não começar na data prevista Foto: Marcos Pedlowski / Divulgação
Abandono. O campus da Uenf tomado pelo matagal: o ano letivo corre o risco de não começar na data prevista Foto: Marcos Pedlowski / Divulgação

RIO - Enquanto alunos e professores da Uerj realizam nesta terça-feira mais um protesto pela sobrevivência da instituição, o colapso fluminense se alastra e põe em xeque outras duas universidades estaduais: a do Norte Fluminense (Uenf) e da Zona Oeste (Uezo). Juntas, as três já deixaram de receber cerca de R$ 402,5 milhões do governo. Em comum, elas convivem com bolsas de estudantes e salários de servidores atrasados, falta de recursos para a manutenção básica e incertezas sobre a viabilidade de cumprirem o calendário de aulas de 2017.

A Uenf, em Campos dos Goytacazes, está sem receber repasses de manutenção desde outubro de 2015, afirma o reitor Luis Passoni. No ano passado, diz ele, foram recursos de projetos individuais dos professores e do bolso dos servidores que garantiram o funcionamento da universidade, mesmo para pequenos reparos, como troca de lâmpadas. Os salários, no entanto, também começaram a atrasar. Agora, o início das aulas deste ano letivo está previsto para a próxima segunda-feira. No entanto, o colegiado da universidade fará reuniões hoje e no próximo dia 30 para decidir se será possível levar os planos adiante.

"A SITUAÇÃO VAI FUGIR DO CONTROLE"

Nos cálculos do reitor, já são R$ 20 milhões devidos pelo estado em repasses de custeio, além de outros R$ 20 milhões com os atrasos dos salários de dezembro e do 13º. Há quase 16 meses sem verbas, serviços terceirizados deixaram de ser pagos. Nesse passo, os funcionários da segurança entraram em greve em julho do ano passado. Três meses depois, sem receber, a empresa responsável rescindiu seu contrato com a universidade — que, desde então, depende do apoio da Polícia Militar e da Guarda Municipal de Campos. No fim do ano, a instituição lançou uma licitação para substituí-la. Não apareceu uma única firma interessada.

Já os funcionários da limpeza, conta o reitor, continuam sendo pagos pela empresa terceirizada — segundo ele, também sem receber do estado há mais de um ano. O fornecimento de produtos para o serviço, desde os simples desinfetantes e detergentes, foi interrompido.

— Para amenizar a deterioração dos prédios, temos feito algo com recursos próprios. Mas, com os salários atrasados, nem isso podemos fazer mais — afirma o Passoni. — Passamos 2016 sem pagar a um fornecedor sequer. Água temos porque a empresa da região, a Águas do Paraíba, tem sido solidária conosco. Já a energia elétrica resolvemos por via judicial: uma liminar proíbe que a Enel (antiga Ampla) corte nossa luz. Se continuar assim, a situação vai fugir do controle e não teremos condições mínimas de funcionamento — afirma o reitor da universidade, que tem cerca de seis mil alunos e 300 professores.

Nesse cenário, a universidade anda às voltas com a insegurança. Já são relatados furtos, principalmente em instalações na zona rural. Mesmo na unidade principal, mais perto do centro de Campos, no entanto, ocorreu até uma invasão recente, que terminou em depredações.

Professor de geografia da instituição, Marcos Pedlowski conta que até pássaros trinca-ferros de um projeto de pesquisa já foram roubados. Emus — aves nativas da Austrália — tiveram que ser doados ou abatidos, porque não havia dinheiro para alimentá-los.

— O maior problema que temos é o governo que não entende a importância das universidades — critica ele.

Já na Uezo, o reitor Alex da Silva Sirqueira relata que a derrocada veio quando a instituição já enfrentava dois problemas sem solução à vista. O primeiro é que, após 12 anos de sua criação, a universidade ainda não tem um campus próprio — funciona dentro de um colégio de ensino médio em Campo Grande. A inauguração das obras que dariam uma “casa própria” à instituição, às margens da Avenida Brasil, era a última agenda pública do ex-governador Sérgio Cabral no cargo, em abril de 2014. Ele, no entanto, não apareceu. As dívidas do estado com a universidade giram em torno de R$ 2,5 milhões, incluindo salários.

O segundo problema, diz ele, é que a lei de criação da Uezo não previa concursos para técnicos administrativos. Hoje, são apenas nove, numa instituição com dez cursos de graduação e três de pós-graduação. Eles se juntam aos 98 professores, que não recebem desde dezembro.

— Sobrevivemos em 2016 graças a uma ajuda de R$ 1,5 milhão da Alerj. Mesmo assim, nosso ano letivo só começou em setembro. Agora, nosso orçamento de custeio previsto para 2017 é de R$ 400 mil. Como, se apenas nosso contrato com a empresa de limpeza custa R$ 800 mil? — questiona Sirqueira. — A verdade é que a Uezo, hoje, é um projeto que ainda não deslanchou, como se estivéssemos com as asas cortadas.

Na Uerj, por sua vez, nem a visibilidade conseguida pelos protestos recentes tem surtido efeito para reverter a dívida do estado com a universidade, que já chega a R$ 360 milhões. O ato de hoje, chamado de “Uerj de luto na luta”, reunirá alunos, funcionários, professores e convidados.

— Estamos sem o restaurante universitário e até sem lâmpadas — afirma a sub-reitora de graduação, Tânia Carvalho Netto.

Para Antonio Freitas, do Conselho Nacional de Educação e Membro da Academia Brasileira de Educação, não é possível manter uma educação superior de qualidade com esse quadro, sem recursos. A situação, diz ele, é grave.

— Educação é a base de tudo. Há várias soluções. Uma delas é o governo federal colocar dinheiro, em forma de empréstimo ou a fundo perdido, porque o Estado do Rio não tem. Outra seria a criação de uma espécie de Lei Rouanet da educação, em que empresas privadas poderiam abater parte de seus impostos ao investirem nas universidade estaduais — defende.