Exclusivo para Assinantes
Política Lava-Jato

Preso há dois anos e meio, Marcelo Odebrecht deixará a prisão rumo à sua mansão em São Paulo

Ele ficará mais dois anos e meio sem poder sair de casa e com tornozeleira eletrônica
Conduzido pelo agente Newton Ishii, o japonês da Federal, o empreiteiro Marcelo Odebrecht chega à cadeia, há dois anos e meio Foto: Geraldo Bubniak / Agência O Globo 25-07-2015
Conduzido pelo agente Newton Ishii, o japonês da Federal, o empreiteiro Marcelo Odebrecht chega à cadeia, há dois anos e meio Foto: Geraldo Bubniak / Agência O Globo 25-07-2015

CURITIBA — Preso há dois anos e meio pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, Marcelo Odebrecht deixará a prisão no dia 19, rumo à sua mansão no Morumbi, em São Paulo , onde ficará mais dois anos e meio sem poder sair de casa e monitorado por tornozeleira eletrônica. Apesar de já ter quitado a multa pessoal de R$ 73 milhões, uma das mais altas cobradas pela Lava-Jato , ele ainda tem mais sete anos e meio de medidas restritivas pela frente antes de poder voltar a atuar na Odebrecht.

Mesmo assim, o herdeiro do grupo baiano vem tendo uma agenda intensa com advogados e outros delatores na tentativa de se inteirar sobre a situação da empresa. Entre os colaboradores que o encontraram nos últimos meses estão Fernando Reis, ex-presidente da Odebrecht Ambiental; Fabio Gandolfo, executivo responsável pelo projeto do submarino Prosub; e Ernesto Baiardi, ex-diretor das operações da empresa na África. Para alguns, os encontros lembraram os tempos de Marcelo como presidente da Odebrecht, quando chegava com uma lista de temas anotada no bloco de notas do celular. Na prisão, o aparelho foi substituído por uma prancheta.

A saída de Marcelo da carceragem da Polícia Federal em Curitiba tem provocado apreensão entre executivos da empresa, que enxergam suas movimentações como um meio de detonar a nova gestão e se colocar como solução para a construtora se recuperar. Pelas regras atuais do acordo de delação premiada, ele não poderá voltar à empresa até 2025, sob pena de perder os benefícios.

Desde que firmou a colaboração, no fim do ano passado, Marcelo está rompido com o pai, Emílio, hoje à frente dos negócios. A pessoas próximas, diz que o patriarca não o protegeu e ajudou a responsabilizá-lo por mais crimes do que teria cometido. Devido à briga, Emílio só o visitou na cadeia duas vezes. Há cerca de um mês, a mãe de Marcelo, Regina, fez-lhe uma vista surpresa, na tentativa de reatar a relação. Foi recebida, mas não teve êxito.

INFLUÊNCIA NA EMPRESA

Marcelo está isolado em relação à cúpula de acionistas da família. Três tios estão aliados a Emílio, e só um o apoia. Há receio de que ele tente influenciar os negócios emplacando nomes de sua confiança na direção. Apesar de estar às vésperas de deixar a prisão, o executivo chama a atenção de quem o visita pela frieza com que encara o momento. Não dá sinais de ansiedade e manteve a rotina.

— Ele não é de grandes emoções e não cria expectativas. Não fala sobre a saída e está lidando com ela como mais um dia — disse uma advogada que o visita com frequência.

Bilhete de Marcelo à doleira Nelma Kodama, que estava preocupada Foto: Reprodução
Bilhete de Marcelo à doleira Nelma Kodama, que estava preocupada Foto: Reprodução

Assim como o marido, a mulher do empreiteiro, Isabela, que o vê todas as semanas desde a prisão, em 19 de junho de 2015, diz apenas que família aprendeu a viver “um dia de cada vez”:

— A única certeza é que agora será melhor do que antes.

Reformas na residência para recebê-lo estão fora dos planos.

— Quanto mais parecida a casa estiver com o dia em que ele a deixou, mais em casa ele vai se sentir — justifica.

Ela teve preocupação especial com o escritório, onde o executivo deve passar a maior parte do dia ao deixar a prisão. Após a Polícia Federal terminar as buscas na casa, Isabela conta que só reuniu os papéis bagunçados.

Metódico, o herdeiro da Odebrecht tentou adaptar a rotina à que tinha fora da prisão. Acorda às 5h30m para se exercitar, almoça, à tarde se reúne com advogados, lê seus processos e janta. Também faz anotações em um diário que, segundo pessoas próximas, já tem cerca de seis mil páginas. Avesso a remédios, aumentou as duas horas diárias de atividades físicas que fazia em liberdade para seis. A natação na piscina de casa deu lugar a corridas no pátio da carceragem e flexões nas barras das grades. Nos período em que ficou no Complexo-Médico Penal (CMP), no Paraná, onde estão os detentos da Lava-Jato não delatores, chegou a usar uma bicicleta ergométrica. Na época, fazia treinos com o lobista Fernando Soares, o Baiano, hoje em liberdade. Juntos, eles montaram pesos com galões de água.

Sua obsessão por exercícios virou piada. Quando o empreiteiro passa com roupas mais justas, de academia, ouve assobios do operador Adir Assad. Outra brincadeira frequente dos presos é bagunçar o espaço do executivo.

AOS BERROS

Reservado, Marcelo chega a esboçar sorrisos em algumas situações, mas pouco participa de brincadeiras e evita as missas na carceragem. Prefere falar a sós com um padre. Atualmente é mais próximo de Assad e de Léo Pinheiro, da OAS. Também se aproximou da doleira Nelma Kodama, agora em liberdade. Todos os sábados os dois faziam pizzas para os companheiros de cela.

A vida de presidiário nem sempre foi tranquila. Em fevereiro de 2016, quando deixou o CMP e voltou à sede da PF, Marcelo foi para a ala apelidada pelos presos de “classe C”. Tinha direito a uma hora diária de banho de sol e permissão para encontros com advogados limitados a 30 minutos. Na época, preparava sua defesa para as alegações finais da ação da Petrobras, na qual foi condenado a 19 anos e quatro meses de prisão, em 2016. Como não conseguia colaborar como queria, ficou irritado, perdeu o sono e a fome.

— Foi a única vez em que o vi abatido. Cada dia aparecia com mais olheiras e mais magro — afirmou um dos integrantes da equipe.

Pessoas que ficaram detidas com Marcelo contam que ele voltou à PF diferente. Quando chegou, em junho de 2015, tinha debates calorosos com seus advogados no parlatório, que comporta três presos por vez. O então presidente da Odebrecht falava aos berros.

— Uma vez olhei-o como quem diz: “Você não está na sua casa”. Ele continuou berrando, e eu me levantei e saí. Mas, quando voltou para a PF, meses depois, era outro, humilde e prestativo — disse a doleira Nelma Kodama.

Ele logo iniciou as tratativas para a delação e migrou para a ala chamada de first class , onde ficam os colaboradores da Lava-Jato. Certa vez, parecia deprimido e foi interpelado pela doleira. Escreveu então um bilhete para ela, falando da família: “Fique tranquila! Estou bem! Só estou focado no diário para a Bela e meninas e nas várias cartas que recebi. Quando fico focado e concentrado às vezes pareço solitário”.

A ala nobre tem micro-ondas, geladeira, panela elétrica, TV e uma pequena biblioteca. As portas das três celas ficam abertas, e os detentos circulam. Desde que foi para lá, o empreiteiro busca organizar o espaço, estabelecendo regras que vão da limitação de zonas para cada um guardar suas coisas a horário para acordar.

O executivo pouco fala de seus planos, mas repete aos colegas de cela que quer passar muito tempo com as filhas. Seu acordo prevê dois períodos de 24 horas em que poderá sair de casa e ir aonde quiser. Um deles será gasto em 2018, na formatura de uma delas.