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Brasil na contramão do ensino técnico

Apenas 8% dos alunos brasileiros concluíram o ensino médio com uma formação em nível técnico. É um percentual baixíssimo, considerando que, na média da OCDE (organização que congrega, em sua maioria, países desenvolvidos), ele chega a 40%. Esses são dados que constam do relatório Education at a Glance, divulgado na semana passada pela OCDE. Há pouca divergência no meio educacional sobre a necessidade de expandir a modalidade. Tanto que o Plano Nacional de Educação estipulou como meta até 2024 triplicar o número de matrículas, o que significa chegar a um patamar de 5,2 milhões de alunos. Não estamos nem próximo disso (são 1,8 milhão hoje), e nada indica que, no atual ritmo, chegaremos lá.

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No entanto, há no relatório da OCDE também o destaque para outras características, menos conhecidas e debatidas, do ensino técnico no Brasil. Uma delas é que somos uma das poucas nações em que o desempenho dos alunos que frequentam o ensino técnico é superior em relação aos demais nas provas de ciência do Pisa. Resultado semelhante já havia aparecido em outro estudo, publicado em 2017 no boletim Na Medida, do Inep (autarquia do MEC). Ao compararem a média dos estudantes no Enem e na Prova Brasil, os pesquisadores Geraldo Andrade da Silva Filho e Gustavo Henrique Moraes identificaram que “estudantes de ensino técnico experimentam uma melhor evolução na aprendizagem no Ensino Médio, em termos de formação geral, do que seus colegas do ensino propedêutico, contrariando a interpretação de que a formação técnica, por seu caráter profissional, alija os estudantes de uma apropriada formação intelectual”.

Uma hipótese para explicar o melhor resultado dos alunos do ensino técnico em testes como o Pisa e o Enem é a de que a formação profissional, quando bem alinhada ao ensino das disciplinas tradicionais, pode tornar o ensino médio mais atrativo e conectado à prática. Há outra possível explicação que é bastante condizente com a literatura acadêmica sobre os fatores que mais explicam o rendimento escolar: a OCDE, na nota que fez sobre os dados do Brasil no Education at a Glance, destaca que somos o único país entre aqueles com dados disponíveis para essa comparação em que o aluno que frequenta o ensino técnico tem, em média, maior nível socioeconômico em relação aos demais estudantes do ensino público tradicional. 

Em muitos países desenvolvidos a preocupação no caso do acesso ao ensino técnico é exatamente à oposta do que ocorre no Brasil: evitar que alunos mais pobres sejam direcionados ao ensino técnico por falta de opção, aumentando a desigualdade em relação aos que optam pela trajetória acadêmica, visando ingresso no ensino superior. Essa é uma realidade que já vivenciamos no Brasil. Basta lembrar que, durante a ditadura Vargas, a famosa reforma Capanema estabelecia, com todas as letras, que o ensino técnico era destinado “às classes menos favorecidas”. O cenário que verificamos hoje, porém, não é este. Muitas escolas técnicas, por serem vistas como de maior qualidade, acabam atraindo estudantes que buscam nelas justamente uma melhor preparação para o Enem. 

No papel, a reforma do ensino médio prevê maior integração entre o ensino técnico e o acadêmico. Há riscos e oportunidades. A chance é de democratizar o acesso ao ensino técnico no Brasil. O perigo, nada desprezível pelo nosso histórico, é o de expansão sem qualidade. Sabemos oferecer educação pública em bom nível para poucos. Nunca conseguimos fazer isso para todos.

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