Mundo

Um brasileiro na guerra do Iraque

Um brasileiro na guerra do Iraque

O especialista em segurança Ivo Carvalho dirige um dos principais centros de treinamento para militares e agentes de defesa na zona de conflitos

CARLA ARANHA, DE ERBIL
15/01/2018 - 08h01 - Atualizado 15/01/2018 20h53
Ivo Carvalho no teto de um carro usado para treinamentos.Ele dá aulas para agentes americanos e cidadãos comuns (Foto: Divulgação)

No meio do Iraque, um centro de treinamento para militares e civis chama a atenção. No espaço, de mais de 700 metros quadrados, gente do Exército e pessoas comuns interessadas em aprimorar técnicas de combate fazem rapel em uma torre de mais de 600 metros de altura, treinam técnicas de tiro em alvos a longa distância e aprendem a atirar em pneus de um carro, para parar o veículo rapidamente. Os instrutores também estudam as novas táticas usadas por movimentos insurgentes, comuns na região, para ensiná-­las aos alunos. O Erbil Training Center, um dos mais respeitados do local, recebe gente da Swat, as forças especiais americanas, e do Exército iraquiano, além de pessoas comuns interessadas em técnicas de autodefesa.

>> O novo martírio dos cristãos no Iraque

>> A luta dos curdos por uma nação

Quem dirige o centro é o carioca Ivo Demian Carvalho, de 39 anos. Ex-militar e especialista em segurança, ele vive em Erbil, a capital do Curdistão iraquiano, uma região semiautônoma dentro do Iraque, a cerca de 20 quilômetros do centro de treinamento. Ele vai para a escola de segunda a sexta-feira, logo cedo. Conversa com os funcionários, inspeciona as instalações e supervisiona alguns dos cursos. “Ivo é um profissional respeitado. Há uma demanda pelo treinamento oferecido pelo centro porque os armamentos evoluem e as táticas usadas pelos inimigos também”, diz o curdo Hamed Salehi, de 28 anos, um dos treinadores do Erbil Training Center entre 2016 e 2017. Hoje, ele trabalha como segurança particular em Erbil. “A escola ensina as práticas militares e de defesa mais avançadas”, afirma.

Carvalho entrou na área de segurança por uma questão familiar. Quando ainda era criança, sua mãe, auditora da Receita Federal no Rio de Janeiro, foi colocada no programa de proteção a testemunhas do governo. Estava recebendo ameaças de empresas pelos relatórios que fazia apontando falcatruas. “Vivemos uma situação bem complexa, e talvez tenha surgido aí a vontade de proteger as pessoas”, diz. Mudaram várias vezes dentro do estado do Rio. Mesmo com todas as trocas de cidades e escolas, Carvalho conseguiu passar no vestibular e entrar para o curso de tecnologia da informação na PUC-Rio em 1999. “Na minha família todo mundo tinha uma profissão respeitada, e era algo importante fazer faculdade”, afirma. Algum tempo depois, Carvalho começou a trabalhar como analista de TI em empresas de telecomunicações no Rio. “Conheci as companhias de segurança de dados que também ofereciam segurança pessoal”, conta. “O salário como segurança era bem maior e optei por esse setor.” O trabalho, no entanto, era intenso e incluía riscos constantes.

No Rio, onde morava, conta que impediu, com outros colegas, um arrastão em um hotel sofisticado onde um cliente estava hospedado e livrou outro de um sequestro em Copacabana. “Eram situações-limite”, diz. Em todas essas ocasiões, era preciso atirar bem e ficar muito atento a possíveis emboscadas. “Os seguranças que trabalham no Brasil são reconhecidos no exterior pelo grau de periculosidade de nosso país e a habilidade em tirar as pessoas de encrencas sérias”, diz. “Uma hora, no entanto, cansei dessa vida.”

>> Primeiro-ministro do Iraque declara vitória contra Estado Islâmico em Mossul

Em busca de aprimoramento e novas oportunidades de trabalho, ele participou, em 2012, de alguns cursos de especialização em táticas de defesa e segurança e defesa na escola European Security Academy, na Polônia, considerada uma das mais respeitadas no setor. Dois anos depois, matriculou-se novamente na escola, para fazer cursos de atualização em técnicas de ataque e proteção. “Como já conhecia a escola e fazia aulas lá desde 2012, acabei sendo convidado para me tornar instrutor”, diz. Alguns meses depois, um dos coordenadores da escola disse a Carvalho que um empresário de Erbil abriria um centro de treinamento e havia pedido indicação de um profissional para assumir a função de diretor. “Eu estava no lugar certo quando surgiu o convite”, diz Carvalho. Ele não pensou muito antes de aceitar. “Percebi que era uma boa oportunidade de carreira, apesar de o Iraque estar imerso em uma zona de conflito.”

No começo, a adaptação não foi fácil. Erbil é uma cidade de cerca de 2 milhões de habitantes que se desenvolveu bastante nos últimos anos, mas a infraestrutura muitas vezes ainda deixa a desejar. No verão, quando as pessoas usam mais o ar-condicionado, a eletricidade é fornecida apenas oito horas por dia. Quem pode compra um gerador. Poucos lugares aceitam cartão – os pagamentos geralmente são em dinheiro. Além disso, a cidade conta com poucas salas de cinema e as opções de lazer são limitadas. Homens do Exército, armados com metralhadoras, tomam conta das repartições públicas. Helicópteros militares voam baixo, fazendo barulho. Mesmo assim, a cidade é considerada relativamente segura em comparação a outras da região, que já sofreram ataques terroristas e foram palco de conflitos armados. Em Erbil, há inclusive consulados de alguns países e diversos escritórios de órgãos das Nações Unidas, além de uma base militar americana. Não é raro ouvir pessoas falando inglês na rua e em lugares frequentados por estrangeiros, como o Barista Café e o Teacher’s Club. Não faltam também festas para os expatriados.

Pouco tempo depois que se instalou em Erbil, Carvalho foi a um churrasco para estrangeiros, na casa de um amigo. Na ocasião, conheceu uma coreana que também mora lá e é professora de uma escola infantil. Eles se apaixonaram e há seis meses resolveram se casar. A festa foi na Coreia do Sul, terra da noiva, com dezenas de convidados. “Estou feliz”, diz Carvalho. “Aceitar o desafio de viver numa zona de guerra me trouxe importantes ganhos profissionais e pessoais.”








especiais