Economia

Em relatórios, Petrobras admite ingerência do governo em suas decisões

União pode interferir em política de preços de combustíveis
Sede da Petrobras, no Rio Foto: Pedro Teixeira / O Globo
Sede da Petrobras, no Rio Foto: Pedro Teixeira / O Globo

RIO - Ao assumir a presidência da Petrobras, no último dia 1º, Pedro Parente afirmou que a companhia terá autonomia para estabelecer sua política de preços de combustíveis, decisão que, segundo ele, é de “natureza empresarial”. Só que, nos Formulários de Referência de 2014 e 2015 — e mesmo em anos anteriores —, elaborados no governo Dilma Rousseff, a companhia deixa claro que sofre ingerência da União. Nos comunicados ao mercado, a petrolífera tem reconhecido que o governo federal, por ser o acionista majoritário, “pode perseguir a adoção de certas políticas macroeconômicas e sociais através da Petrobras”. Além disso, a estatal tem afirmado que não se pode descartar a volta do controle de preços dos combustíveis, livres desde 2002.

Em nota, a Petrobras explicou nesta sexta-feira que não é a primeira vez que faz uma avaliação dos fatores de risco para os investidores. De acordo com a companhia, desde o balanço de 2009, a estatal divulga essas avaliações anualmente por exigências da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Securities Exchange Comision (SEC, órgão regulador do mercado americano) sempre com o mesmo tipo de alerta sobre o papel da União na empresa e os riscos aos investidores.

No texto de 2015, por exemplo, a empresa afirma que, “baseado em decisões do Controlador da Companhia, a Petrobras teve, e pode continuar a ter, períodos durante os quais os preços dos produtos vendidos no Brasil não estavam em paridade com os preços internacionais”.

Os relatórios detalham os resultados financeiros da companhia nos exercícios de 2014 e 2015 e trazem a visão da empresa sobre o mercado. O documento de 2015, enviado à CVM e aos investidores em 30 de maio, é taxativo: “Não há garantias de que o controle de preços não será reinstituído.”

‘ASSUSTA VER COMO É FEITA A GESTÃO’

Analistas de mercado não consideram uma novidade a interferência do governo federal nos preços dos combustíveis.

— Assusta a gente ver uma empresa, que já foi uma das maiores do mundo, ter esse tipo de informação no relatório (Formulário de Referência) e admitir que é usada como instrumento político. É uma empresa que tem investidores particulares e é estratégica. Assusta ver como é feita a gestão da companhia — afirmou Paulo Figueiredo, diretor de Operações da FN Capital.

Analistas apontam que a Petrobras já investiu em diversos projetos não por decisão empresarial, mas por determinação do governo. Eles citam, por exemplo, o fato de a companhia ter se tornado sócia na produção de etanol e de matérias-primas para o biodiesel, como óleo de mamona. Há ainda a compra de participações em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e projetos de fertilizantes. O diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), Adriano Pires, lembra as refinarias: uma no Maranhão, outra no Ceará e Abreu e Lima, já em operação em Pernambuco — esta, fruto de um acordo entre Brasil e Venezuela, na época presidida por Hugo Chávez, que nunca enviou os recursos prometidos para o projeto.

No dia de sua posse, Parente afirmou que a orientação que recebera ao ser convidado pelo presidente interino, Michel Temer, foi que não haveria interferência:

— A decisão de preço é de natureza empresarial. O governo não vai interferir na gestão profissional que ele quer que a Petrobras tenha.

Os analistas não acreditam que o novo presidente da Petrobras conseguirá ter total autonomia, mas estão otimistas de que ele poderá adotar uma gestão mais empresarial.

— Não acredito que Parente consiga ser totalmente independente, até porque a Petrobras exerce o monopólio de fato na produção de combustíveis, e qualquer medida que tomar tem um impacto muito grande na economia do país. Mas espero que melhore muito a gestão, que seja mais voltada para a companhia. Apesar de o acionista majoritário estar preocupado com questões macroeconômicas e sociais, quem trabalha na empresa tem de pensar em seus resultados empresariais — ressaltou Figueiredo.

Segundo cálculos do CBIE, o controle de preços, principalmente no período de 2011 a 2014, causou um prejuízo da ordem de R$ 100 bilhões para a Petrobras, que vendia os combustíveis por valor inferior ao que comprava no mercado externo. Nesse período, a estatal vendeu gasolina a preços 17% inferiores aos internacionais, e o diesel, por 18% a menos. Nesse mesmo intervalo, a cotação média do barril do petróleo tipo Brent era de US$ 100.

Mesmo antes, já se observava controle dos preços. O barril do petróleo, cujo patamar médio em 2007 era de US$ 50, atingiu o pico de US$ 146 em julho de 2008. Mas a Petrobras manteve os preços dos combustíveis congelados de setembro de 2005 a maio de 2008 — quando reajustou a gasolina em 10%, e o diesel, em 15%. Em meados de 2014, as cotações começaram a cair, até que, em janeiro deste ano, o barril do Brent atingiu a mínima de US$ 27,88. A Petrobras, fortemente endividada, não reduziu os preços dos combustíveis — segundo especialistas, para tentar recuperar parte das perdas acumuladas em anos anteriores. Desde janeiro, os preços vêm se recuperando. O Brent encerrou ontem a US$ 51,85.

— A União, como acionista controlador, pode usar a Petrobras para determinadas políticas de governo. Mas não pode lesar o acionista. Tem que criar mecanismos de ressarcimento, como na década de 80, com a chamada conta-petróleo, extinta quando se abriu o mercado das refinarias em 2002 — afirmou Pires, do CBIE.

O então presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli, que deixou o cargo em fevereiro de 2012, sempre afirmou que o Brasil tinha uma política de preços de longo prazo e que não repassaria as flutuações diárias nos preços do petróleo para seu mercado interno. Sua sucessora, Graça Foster, adotava o mesmo discurso.

No Formulário de Referência 2015, a Petrobras afirma que as variações internacionais dos preços do petróleo e derivados podem afetar a companhia de forma diferente da de seus concorrentes. A estatal admite que o fato de não reajustar os preços internos quando os custos externos aumentam, ou quando o real se desvaloriza frente ao dólar, tem impacto negativo para seus custos.

No documento, a Petrobras informa que, desde o quarto trimestre de 2015, não reajusta os preços dos combustíveis. Mas admite que declínios substanciais ou prolongados dos preços internacionais do petróleo e derivados podem ter “um efeito perverso” para seus resultados, tanto operacionais como financeiros.

INVESTIMENTOS DE RESULTADO NEGATIVO

Em sua posse, Parente afirmou ainda que a Petrobras executará apenas projetos que, do ponto de vista empresarial, apresentem retorno:

— Nós entendemos que temos uma função social, e queremos cumpri-la, mas isso não pode ser feito às custas de projetos que não tenham retorno.

No Formulário de Referência de 2015, no entanto, a Petrobras admite que poderá ser obrigada a realizar projetos determinados pela União, seu controlador, que elege a maioria dos membros do Conselho de Administração (sete, de um total de dez), que, por sua vez, escolhe a diretoria. Avaliação semelhante foi feita também no documento referente ao ano anterior.

“Em consequência, a Companhia pode se dedicar a atividades que priorizem os objetivos da União Federal, ao invés dos seus próprios objetivos econômicos e empresariais.” E completa: “Assim, a Petrobras pode fazer investimentos, incorrer em despesas e realizar vendas, em termos que podem afetar negativamente os resultados operacionais e financeiros.”