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Rio

Revitalização da Rocinha: expansão desordenada e 3 mil valões são desafios a projeto do estado

Objetivo de Witzel ainda está distante de ser atingido
Na área da Vila Verde, não há obstáculos para a verticalização: casas que foram erguidas em maio do ano passado (cima) já estão hoje com novos andares (abaixo). Árvores também foram derrubadas para dar lugar às novas construções Foto: Marcelo Theobald / 17-05-2018 (cima) e Pablo Jacob (abaixo) / Agência O GLOBO
Na área da Vila Verde, não há obstáculos para a verticalização: casas que foram erguidas em maio do ano passado (cima) já estão hoje com novos andares (abaixo). Árvores também foram derrubadas para dar lugar às novas construções Foto: Marcelo Theobald / 17-05-2018 (cima) e Pablo Jacob (abaixo) / Agência O GLOBO

RIO — Quase dois anos depois de o prefeito Marcelo Crivella ter dito que a Rocinha precisava de um “ banho de loja ”, o governador Wilson Witzel anunciou, na semana passada, que a comunidade ganhará um investimento de R$ 1,5 bilhão para reurbanização . A ideia do estado de transformar a área, na divisa entre São Conrado e a Gávea, em um “ grande bulevar ” vai esbarrar, no entanto, em uma série de desafios — e engana-se quem pensa que a violência, embora mais visível, seja o maior deles. A região, que passou por uma sangrenta guerra entre traficantes em 2017, está aparentemente mais tranquila, mas continua a crescer desordenadamente , deixando moradores em risco e apavorados a cada tempestade . Além disso, quem vive na favela é obrigado a conviver com o espantoso número de três mil valões, um sinal inequívoco dos problemas de saneamento básico.

A verticalização da comunidade e o avanço de construções rumo à mata podem ser vistos principalmente na Vila Verde, uma localidade onde traficantes circulam armados sem serem incomodados. Imagens feitas pelo GLOBO em maio do ano passado mostravam uma série de obras na região. Na sexta-feira, novas fotografias, feitas no mesmo local, revelaram que as casas que estavam sendo erguidas em 2018 já têm agora até mesmo novos andares. Árvores foram cortadas e, no lugar delas, surgiram prédios, alguns de quatro andares.

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Sem controle, o crescimento da comunidade tem assustado moradores das imediações da Rocinha, que temem que a favela esteja se expandindo rumo ao Morro Dois Irmãos — à noite, é possível ver luzes em direção ao cartão-postal. Segundo Wallace Pereira, presidente da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, a iluminação tem outro motivo. A região estaria sendo usada para a criação de porcos e patos, e lâmpadas seriam acesas para monitorar os animais e espantar predadores.

Para Wallace, o principal problema da favela é a falta de saneamento básico.

— Se o governo quer melhorar as condições de vida dos moradores da Rocinha, que comece pelo saneamento. Ninguém quer mais ter ratos circulando pelas vielas e até entrando dentro das casas — diz.

Na localidade conhecida como Raiz, é possível, numa área de pouco mais de 30 metros quadrados, fazer uma radiografia de vários problemas de infraestrutura da comunidade. Lá, um enorme valão atrai ratazanas e baratas. Pouco acima da área por onde corre o esgoto a céu aberto, passam dezenas de canos de PVC, que levam água para casas vizinhas. Quando chove e o local inunda, eles ficam em contato com os dejetos. Como há goteiras nas tubulações, Wallace não tem dúvidas de que o esgoto, quando envolve os canos, contamina tudo.

— Imagine as pessoas em suas casas bebendo essa água que teve contato com o esgoto. Isso é um risco para a saúde dos moradores — lamenta.

Com 64 anos, Josefa Martins, que mora há 55 anos no local, diz que sua família é uma das poucas que escaparam dos problemas de saúde causados pelo ambiente insalubre.

— É péssimo (morar aqui). Quando chove, ninguém consegue passar. Vira um enorme valão. Minha família ainda não contraiu doenças, mas muita gente já teve problemas sérios por causa dos ratos. Eles chegam a entrar nas casas.

Muitos ratos e lixo

Segundo dados do Instituto Pereira Passos, a Rocinha tinha, até 2010, um total de 23.347 esgotamentos sanitários. Desses, 19.938 eram de rede geral ou pluvial, e 3.187 valas. É ao lado de uma delas que vive a camelô Martha David, de 59 anos.

— É muito rato. Quando chove, o lixo desce todo pelas escadas. Vivo numa das piores áreas daqui — diz ela, torcendo para que os investimentos prometidos pelo governador melhorem, de fato, a vida dela.

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As obras de melhorias na Rocinha serão iniciadas este mês, dentro do projeto Comunidade Cidade, e preveem a remoção de sete mil moradores de áreas de risco, que serão realocados na comunidade. Procurada nesta quarta-feira, a Secretaria estadual de Infraestrutura e Obras não informou detalhes do projeto, que deverá ganhar força com a notícia de que o Rio ficará com R$ 2,5 bilhões da arrecadação do megaleilão do pré-sal da Bacia de Santos. Witzel já afirmou que pretende usar parte do dinheiro para obras de saneamento e infraestrutura em comunidades mais pobres .

Primeiro-secretário da Associação de Moradores da Rocinha, Sebastião Lima está esperançoso. Segundo ele, a Cedae já está na comunidade para dar início em breve às obras, começando pelo Laboriaux e pela Vila Cruzado. Animado com o presente, mas de olho no futuro, ele diz esperar que o governo também consiga resolver outro problema:

— A Rocinha tem hoje cerca de seis mil crianças e adolescentes fora da escola.

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Promessas realizadas e outras que não saíram do papel

Ao longo dos anos, a Rocinha foi contemplada por vários projetos dos governos municipal, estadual e federal. Veja a seguir algumas iniciativas que foram implantadas e outras que não passaram de promessas:

1ª etapa do PAC: foram construídas 160 unidades habitacionais, uma passarela sobre a Autoestada Lagoa-Barra e realizadas obras de contenção de encostas. O mercado popular e a regularização fundiária não saíram do papel.

2ª etapa do PAC: a criação de um teleférico com 2,5 quilômetros de extensão não foi adiante.

Banho de loja: a prefeitura anunciou, ano passado, a reforma de 150 imóveis voltados para a Autoestrada Lagoa-Barra. Foram recuperadas fachadas de 200 apartamentos e implantados 28 quiosques e 16 lojas.

Reformas na Autoestrada Lagoa-Barra : prometidas por Crivella em março de 2018, recuperação de fachadas e marquises foi concluída 1 ano depois em 200 apartamentos e incluiu pintura de construções.

Biblioteca-parque : reabertura do espaço foi prometida por Crivella em outubro de 2017, mas terminou sendo feita pelo governo do estado, que é dono do equipamento e não cumpriu os trâmites necessários para municipalização.

Colaborou Saulo Pereira Guimarães