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Economia

Após crise da CPMF, equipe econômica teme perder apoio de Bolsonaro à agenda de ajuste fiscal

Segundo fontes, o ministro incumbiu-se de entregar sinais concretos de recuperação econômica até julho de 2020
Ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo
Ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

BRASÍLIA - A demissão do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra , preocupou membros da equipe econômica do ministro Paulo Guedes , que temem que o movimento sinalize um afrouxamento do compromisso do presidente Jair Bolsonaro com a agenda de reformas e ajuste fiscal. O ministro incumbiu-se de entregar ao presidente sinais concretos de recuperação econômica até julho de 2020, afirmaram ao GLOBO fontes da equipe econômica.

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Em troca, Bolsonaro chancelaria as ações de Guedes para a economia, mesmo as mais impopulares. A atitude do presidente em relação a Cintra sinalizou que esse compromisso poderia ser rompido por Bolsonaro antes do prazo estabelecido.

O presidente tem recebido pressões vindas de ministérios, especialmente direcionadas à questão do teto de gastos — regra que limita o crescimento das despesas da União à inflação -, e técnicos da equipe econômica enxergam sinais de que o Palácio do Planalto pode ceder e rever o plano de apoio às ações de Guedes antes do prazo firmado entre ambos.

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A demanda por ações concretas na economia e, principalmente, por mais dinheiro para os ministérios ficou clara às vésperas de o governo enviar o Orçamento de 2020 ao Congresso, no fim de agosto. Guedes recebeu uma enxurrada de ofícios de ministros de todas as áreas pedindo mais recursos para os órgãos.

O teto de gastos, que é considerado hoje por especialistas e por integrantes da equipe econômica como a principal âncora fiscal do país, passou a ser questionado dentro do governo. O porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, chegou a dizer que Bolsonaro defendia mudanças na norma. Depois, o presidente recuou e passou a falar da necessidade de cortar despesas obrigatórias.Refém das reformasBolsonaro mudou o tom e alinhou o discurso com a equipe econômica depois de conversar com Guedes. O ministro convenceu o presidente da necessidade de manter o teto, mas foi cobrado a apresentar medidas para aumentar o espaço para investimentos rapidamente.

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O Planalto tem sido pressionado por ministros e políticos para atender a demandas regionais por obras e programas, mas não encontra espaço dentro do Orçamento para essa ações.

O temor dos políticos é que o governo fique refém da agenda econômica de reformas, sem resultados concretos na ponta, para a população. Esse foi o recado dado pelo presidente a Guedes, que fez chegar o tema à sua equipe.

Técnicos do Ministério da Economia trabalham para liberar recursos no Orçamento no fim deste mês e reduzir a “chiadeira” da Esplanada dos Ministérios. Dos R$ 33,4 bilhões bloqueados, até R$ 15 bilhões devem ser liberados no final deste mês.

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O discurso que chega a Guedes é que a equipe econômica não pode ser tão inflexível e que precisa ajudar o governo a deixar uma marca de obras e ações, levando-se em conta as eleições municipais do próximo ano. Mesmo pedidos de políticos considerados justos pelo presidente, como manutenção de rodovias, têm dificuldade de ser executados por falta de dinheiro.

Enquanto escolhe o novo secretário de Receita, Guedes pode ver a reforma tributária andar no Congresso sem um texto oficialmente encaminhado pelo governo. Câmara e Senado devem dar prosseguimento às suas propostas.

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A avaliação de líderes partidários, reservadamente, é que a queda de Cintra não só não atrapalha como pode ajudar a reforma. Alguns parlamentares faziam questão de demonstrar publicamente que não gostavam do ex-secretário.

Na Câmara, o presidente da Comissão Especial que analisa a reforma, deputado Hildo Rocha (MDB-MA), disse que o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) será apresentado em 8 de outubro, com ou sem texto de Guedes:

— Não muda em nada a saída do secretário da Receita. Estamos analisando uma proposta da Câmara, feita pela Câmara. No dia 8, queremos que o relatório seja votado.

Já o relator da reforma do Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), disse que apresentará seu relatório na próxima semana. Ele esteve ontem com Guedes e pediu para o ministro mandar por escrito quais pontos o governo defende na reforma tributária:

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— Ele ficou de me mandar o mais rápido possível os pontos principais do que deseja o governo federal para a gente analisar. Pedi que ele botasse por escrito, do jeito que estou fazendo com todo mundo. A saída do secretário da Receita não mexe no nosso cronograma. Vamos apresentar o relatório na próxima semana.

Ainda que Cintra não fosse visto como o interlocutor ideal da reforma tributária com o Congresso, sua saída deixou um clima de que o projeto da equipe estaria, agora, “à deriva”, e de que todo o trabalho feito poderia ser em vão, caso parlamentares decidam tocar as propostas que já tramitam na Câmara e no Senado.

O plano da equipe econômica era incluir a nova CPMF na reforma e deixar que o Congresso decidisse o que fazer com a ideia. O presidente não era defensor da proposta, mas tampouco a vetou internamente. Sua atuação contundente contra Cintra é vista como a primeira de outras possíveis ações que desautorizem estudos tocados pela Economia.

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Riscos políticosTécnicos também apontam que nem todos os secretários que assessoram o ministro têm bom trânsito político — muitos são novatos na vida pública e não compreendem os riscos políticos de falas mal colocadas, projetos mal explicados e decisões intempestivas.

Para o mercado, a agenda liberal defendida por Guedes é crucial.

— Há um diagnóstico inequívoco de que a recuperação está aquém do que se esperava. Isso acalora o debate de flexibilização da agenda liberal. Mas os sinais que temos até agora da equipe econômica é que ela quer atuar mais do lado da oferta, melhorando a competitividade e o ambiente de negócios, do que propriamente estimular a demanda. É um debate que vai continuar, mas a equipe econômica não tem dado sinais de que quer flexibilizar sua agenda, de que busca soluções heterodoxas — afirmou Anna Reis, economista-chefe da GAP Asset.

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De acordo com Anna, medidas de flexibilização da agenda liberal, como alterações na regra do teto de gastos, teria impacto negativo direto no câmbio, no nível de risco-país e no patamar da Bolsa.

— O governo tem sete meses de vida. Não dá para consertar uma recessão nesse tempo. Os números começam a mostrar alguma melhora, mas o crescimento não virá tão rápido assim. No entanto, a direção é boa, e isso se vê no risco-país e nos juros. A agenda liberal apenas começou a ser implementada. Abandoná-la seria péssimo, na visão do mercado. O Brasil já esgotou sua capacidade de expansão fiscal — observou José Tovar, sócio-fundador da Truxt Investimentos. ”