Por Rosanne D'Agostino, G1 — Brasília


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no início do mês que não há relação de emprego entre um motorista do aplicativo de transporte Uber e a empresa.

Mas, segundo especialistas ouvidos pelo G1, esse entendimento vem sendo mal interpretado. Para eles, cabe à Justiça do Trabalho decidir sobre as questões trabalhistas envolvendo aplicativos de transporte de passageiros.

O caso julgado pelo STJ foi o de um motorista de Poços de Caldas (MG) que pedia a reativação de sua conta pela Uber.

O juiz da primeira instância cível mandou o processo para a Justiça trabalhista, e um conflito de competência foi instalado no STJ para decidir com qual dos dois juízes a causa ficaria.

No STJ, a Segunda Seção, que trata de direito civil, entendeu que caberia à Justiça comum. Nessa decisão, os ministros afastaram a existência de relação de emprego entre o motorista e a empresa.

“A relação de emprego exige os pressupostos da pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. Inexistente algum desses pressupostos, o trabalho caracteriza-se como autônomo ou eventual”, entendeu o STJ.

O relator, ministro Moura Ribeiro, afirma que a Uber atua por meio de aplicativo que aproxima motoristas parceiros e clientes, e que os motoristas são empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma.

Disse também que não têm relação hierárquica e “seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício entre as partes”.

A situação trabalhista dos motoristas do aplicativo Uber

A situação trabalhista dos motoristas do aplicativo Uber

Justiça Civil x Justiça do Trabalho

Para especialistas, a decisão do STJ não significa que a Corte afastou o vínculo empregatício entre os motoristas do aplicativo e a Uber porque, segundo eles, essa questão cabe somente à Justiça do Trabalho decidir, caso a caso. O STJ apenas entendeu que, naquele caso específico, o tema discutido não era trabalhista, avaliam.

Advogados em direito do trabalho defendem que a decisão deve ser observada dentro do contexto do processo que chegou ao STJ: o de um motorista que pretendia anular perdas com a suspensão de sua conta e pedia indenização por danos morais, e não verbas trabalhistas, como 13º salário e férias.

“O STJ só julgou um conflito de competência. Não entrou no mérito da questão do vínculo de emprego”, afirma Décio Daidone Júnior, especialista em direito trabalhista, sócio da ASBZ Advogados.

“Quando ele [relator] falou das características do emprego, subordinação etc., ele falou para dizer que isso não está sendo discutido”, pondera.

“Essa decisão está sendo interpretada de forma errada”, afirma André Ribeiro, sócio da área trabalhista do Dias Carneiro Advogados.

“A decisão expressamente fala no voto do relator que, como não há nenhum pedido trabalhista envolvido na ação, a competência é da Justiça cível”, diz.

“Nesse sentido, essa decisão não é um precedente impedindo motoristas do Uber ou qualquer trabalhador de plataformas de serviços de discutir eventual vínculo de emprego na Justiça do Trabalho. Pelo contrário”, complementou Ribeiro.

O advogado Carlos Eduardo Ambiel, especialista em direito trabalhista do escritório Ambiel, Mansur, Belfiore e Malta, explica que a competência para julgar as relações de trabalho é da Justiça do Trabalho, incluindo as relações de emprego.

“Mas nessa questão que foi para o STJ, o foco era outro. Somente para delimitar a competência é que se interpretou que a relação era cível”, afirma.

“Isso não afasta a competência da Justiça do Trabalho quando a discussão for se a relação do motorista é de emprego ou não”, disse.

“E obviamente que, se dentre as discussões se levar a questão se existe ou não relação de emprego do motorista, me parece que a competência será da Justiça do Trabalho”, declarou.

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