• Abel Reis*
  • Abel Reis*
Atualizado em
Computador ; linguagem binária ; inteligência artificial ; artificial intelligence ;  (Foto: Pexels)

 (Foto: Pexels)

Sim, Ele mesmo. A pergunta parece absurda, eu sei, mas acompanhem o raciocínio. Vem ganhando espaço na mídia uma exótica tese defendida por alguns filósofos, futuristas e mais recentemente por Elon Musk, o CEO da Tesla. A tese (correndo o risco de simplificá-la) diz assim: o desenvolvimento da computação e da neurociência levará, em um horizonte de séculos, à criação de cérebros artificiais que, na prática, serão indistinguíveis ou até mesmo superiores ao cérebro humano original.

Mais que isso: é possível imaginar que experiências de Realidade (com R maiúsculo), criadas a partir de tais sistemas artificiais, alcançarão um tal grau de verossimilhança que não será possível distingui-las da vida dita “real”. Exemplo: você chega em casa, ativa uma prótese neural instalada no seu cérebro biológico e se engaja em um novo episódio de sua série preferida. Personagens e trama se apresentam a você, na sua sala ou durante a balada do fim de semana, como se fosse realidade palpável, objetiva – e será!

Vamos um pouco além: em mais séculos, quando a nossa civilização já tiver colonizado outros planetas (começando por Marte, projeto em que Musk também está envolvido), talvez cérebros (e seus corpos) na Terra possam ser replicados em um planeta remoto, criando assim uma realidade novinha em folha para ser vivida. Tipo: errou a mão por aqui, faz upload do teu cérebro na cloud e vá tentar nova existência em outra galáxia. Viagem? Sim, literalmente.

Só que não para por aí. Se é admissível a hipótese da criação de experiências de Realidade simuladas por computador, por que não pensar que nós mesmos, os humanos, vivemos dentro de uma simulação computacional criada por outra civilização avançada ou por uma inteligência de mais alta ordem. Deus, talvez?

O fato é que nós, humanos, sempre fomos meio desconfiados da verdadeira condição da realidade. Desde Platão – que achava que a realidade era um simulacro, como sombras refletidas na parede de um caverna mal iluminada – a Philip Dick, escritor cujas obras inspiraram Blade Runner e Minority Report. De Descartes – que duvidou de tudo até se tocar que se conseguia pensar a dúvida é porque ele próprio existia de fato – passando por todos os idealistas metafísicos, chegando agora a Elon Musk. Até mesmo analistas do Bank of America se arriscaram nessa seara, dando conta em um relatório de 2016 para clientes (sim, é sério!) de que há de 20% a 50% de chances que nossa existência seja uma simulação computacional.

À parte a diversão intelectual, para que serve pensar sobre questões tão abstratas e de poucas consequências práticas para hoje ou mesmo para as próximas décadas? Simples: serve para nos acostumarmos com a ideia. Serve para crer e aceitar, cultural e psicologicamente, que nosso mundo será cada vez mais povoado por objetos e seres artificialmente arquitetados, by design – que o digam as técnicas de edição do código genético.

Estamos adentrando a 4ª revolução industrial. Mais uma virada dramática na aventura humana. Tempos de grande ansiedade, oportunidade e insegurança se aproximam. Em particular, a ideia de sermos assistidos, dirigidos ou substituídos por sistemas artificiais parece-nos aflitiva. Como lidar com isso? Como viverão nossos bisnetos e trinetos? Aqui entram em cena as narrativas utópicas tentando suprir nossa busca por sentido.

Não foi diferente na 2ª revolução industrial, quando a utopia socialista emergiu; ou na 3ª revolução industrial, período em que as virtudes das sociedades abertas e da informação foram tão celebradas. É preciso crer em algo renovado, quase mítico. Pode ser reconfortante a ideia de continuidade de nossas identidades por outros meios, ou ainda, a possibilidade de novas realidades simuladas. Isso traz à imaginação a esperança de que a 4ª onda industrial nos manterá progredindo.

Mas, convenhamos, místicos e religiosos têm uma resposta muito mais reconfortante para tudo o que nos cerca e inquieta. Afinal, pensar que somos bilhões de humano-apps jogando SIMS dentro de um sistema operacional chamado Deus, com o Diabo tentando hackear o jogo o tempo todo, é uma alegoria nerd demais, não? Melhor o caminho do Buda.

*CEO da Dentsu Aegis Network Brasil e Isobar Latam

Quer conferir mais conteúdo da Época NEGÓCIOS?
A edição deste mês já está disponível nas bancas, no nosso app e também no Globo Mais. Baixe agora!
App Época NEGÓCIOS - app.epocanegocios.globo.com
App Globo Mais - app.globomais.com.br
Disponível para tablets e smartphones.