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Rio

Escolas da Maré, onde confrontos fazem parte da rotina, têm altas taxas de evasão de alunos

Pela quarta vez este ano, os 17 mil alunos da região não puderam estudar
Escolas localizadas no Complexo da Maré (Arquivo) Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Escolas localizadas no Complexo da Maré (Arquivo) Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - Um dia após a morte de Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, baleado a caminho da escola , professores e alunos do Complexo da Maré até tentaram retomar a rotina, mas a presença de veículos blindados da polícia levou a 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) a suspender as aulas, nesta quinta-feira. Pela quarta vez este ano, os 17 mil alunos do maior conjunto de favelas da cidade não puderam estudar. E, em 2017, unidades de ensino da região ficaram 38 dias fechadas por causa da violência.

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A rotina de confrontos se tornou um dos fatores determinantes para a evasão escolar na Maré. Dados da 4ª CRE e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo censo escolar do país, dão a dimensão do impacto da violência na educação. Em 2016, a taxa de abandono do Ciep Samora Machel, na Favela Nova Holanda, na Maré, foi de 19,5%, quase dez vezes maior que a média verificada no ensino fundamental na cidade do Rio naquele ano — 2,1%. Das 30 escolas com os piores resultados, nove ficam na área da 4ª CRE, que abrange a Maré.

Os dados de evasão das salas de aula em 2017 ainda não foram divulgados, mas informações preliminares apontam para uma taxa de 6% na Maré. Para a coordenadora da 4ª CRE, Fátima Barros, as constantes interrupções no calendário escolar impedem a continuidade do aprendizado:

— Isso desestimula todo mundo, profissionais de ensino e alunos. Os conflitos também prejudicam a saúde mental de todos. Após um dia de conflito, a frequência escolar cai. Apenas 10% dos estudantes compareceram na manhã de hoje ( quinta-feira ).

Segundo Fátima, apesar da baixa frequência, as aulas só foram suspensas devido aos riscos:

— Havia “caveirões”, e o clima estava muito tenso. À tarde, helicópteros voltaram a sobrevoar a região. Não há como manter uma rotina escolar assim.

“Os conflitos também prejudicam a saúde mental de todos. Após um dia de conflito, a frequência escolar cai. Apenas 10% dos estudantes compareceram na manhã de hoje (ontem)”

Fátima Barros
Coordenadora da 4ª Coordenadoria Regional de Educação

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Professor da Universidade Católica de Brasília e fundador do movimento Todos pela Educação, Célio da Cunha também diz que o cenário na Maré prejudica o processo de aprendizado:

— O impacto é multidimensional e termina em repetência e evasão. É claro que uma criança que vai para a escola nesse clima de guerra se sente intimidada. A criatividade de uma pessoa com medo é bloqueada e o percurso de escolarização, prejudicado. O conhecimento está sendo sonegado, o prejuízo é incalculável.

Gisele Martins, coordenadora do eixo de educação da ONG Redes da Maré, lembra que, recentemente, a comunidade ganhou uma série de novas escolas municipais, mas isso não garantiu o pleno acesso ao ensino.

— Há um movimento de pais que estão retirando seus filhos das escolas da Maré para matriculá-los em colégios de fora. Observamos que as unidades em áreas com muitos confrontos são aquelas que têm uma evasão mais significativa. Muitas das novas escolas foram instaladas exatamente nesses lugares — explica Gisele.

Bruna da Silva, mãe de Marcos Vinícius, exibe camisa que filho usava no momento em que foi baleado Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Bruna da Silva, mãe de Marcos Vinícius, exibe camisa que filho usava no momento em que foi baleado Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio conseguiu, há um ano, uma decisão judicial que obriga o estado a elaborar um plano de redução de riscos e danos em operações na Maré. Até agora, nada foi apresentado.

— Esse tipo de operação ( como a de quarta-feira ) só pode ser considerada bem-sucedida dentro de uma lógica que desconsidera a vida e os direitos dos moradores de favelas — criticou o defensor do núcleo, Daniel Lozoya.

A operação de anteontem na Maré terminou com sete mortos . Na ação, nenhum dos 22 mandados de prisão que estavam com os policiais foi cumprido. Dados do Observatório da Intervenção na Segurança Pública, baseados em informações publicadas pela imprensa, mostram que as ações policiais têm sido violentas, mas com poucas prisões. De 21 de fevereiro a 14 de junho (114 dias), foram pelo menos 203 operações, com 56 mortos e 116 detidos. Só em 50 delas, segundo o observatório, mandados de prisão foram cumpridos.