Economia

'Primeiro vão reduzir dívida antes de voltar a consumir', diz Paulo Levy

Economista do Ipea diz que ainda demora para famílias e empresas acertarem o orçamento
Paulo Levy, economista do IPEA Foto: Terceiro / Agência O Globo
Paulo Levy, economista do IPEA Foto: Terceiro / Agência O Globo

RIO - Em entrevista exclusiva ao GLOBO, economista do Ipea diz que, mesmo com juros em queda, ainda demora para famílias e empresas acertarem o orçamento.

O GLOBO: Como analisa o resultado do PIB em 2016?

Levy: A recessão reflete a crise de confiança pela qual o país vem passando desde 2014, quando os primeiros sinais de desequilíbrios na política econômica se traduziram em pressões inflacionárias e aumento do endividamento público. Tudo isso acabou se materializando numa recessão forte em 2015 e novamente em 2016. Mas, no ano passado, a perspectiva foi diferente, já que houve mudança na politica econômica, com a troca do governo, e a possibilidade de se corrigir os desequilíbrios. É a pior recessão que o país já viveu, com instrumentos que realimentam esse processo, num círculo vicioso de desemprego, queda de consumo, de produção, de vendas. Há, no entanto, a chance de se romper esse círculo, na medida em que sejam aprovadas reformas que sinalizem uma trajetória mais sustentável para as finanças públicas.

Em que essa recessão é diferente das outras?

No passado, a grande maioria das crises vinha de fora para dentro e se manifestava sob a forma de desequilíbrios na balança de pagamentos. Por meio de desvalorizações cambiais, era possível impulsionar a economia, via aumento de exportações e substituição de importações. Em um segundo tipo de crise, o governo reagia via política fiscal expansionista para neutralizar os impactos negativos. No momento atual, a crise foi gerada internamente por desequilíbrios fiscais e processo inflacionário, provocados por uma certa leniência da gestão anterior do Banco Central, que impedem que se use a política fiscal expansionista e a desvalorização para sair da recessão. Estamos vivendo uma crise com os contornos clássicos, mas sem os instrumentos clássicos para combatê-la. Serão necessárias medidas mais estruturais e menos de curto prazo, por isso o processo é mais lento.

Há outras diferenças?

O endividamento. Em 2004, a participação do crédito no PIB era pouco acima de 20% e subiu para mais de 50% no fim de 2016. Não é elevado, só que cresceu muito rápido, com prazo curto e juros elevados, o que o torna muito vulnerável ao ciclo econômico. Isso também está prolongando a recessão por um período bem maior do que vimos no passado. A queda dos juros vai se traduzir em impulso sobre a demanda com defasagem muito maior. As empresas e famílias primeiro vão reduzir endividamento ou negociar taxa de juros mais baixas antes de voltar a consumir, o que torna a crise mais longa.

Economista debate os pontos mais importantes do resultado do PIB em 2016
Economista debate os pontos mais importantes do resultado do PIB em 2016

De onde virá o impulso?

O grande motor vai ser o investimento. Se melhorar o ambiente de negócios, com as reformas, inclusive tributária, é provável que os empresários voltem a investir. Depois de tanto tempo sem investir, o parque fica defasado tecnologicamente, o equipamento se deprecia e abrem-se oportunidades de investimento. Também citaria as concessões.

Qual o estrago que dois anos de recessão deixam?

A renda per capita regrediu 11%, o que certamente tem impacto social. Sabemos que os setores mais pobres têm menos condições de se defender e acabam sofrendo mais. Em meio à crise fiscal, o setor público deixa de ofertar serviços, e até mesmo a rede de proteção social fica menos eficiente numa recessão tão forte. Do ponto vista social, é muito duro.