Longevidade: modo de usar

Por Mariza Tavares

Jornalista, autora dos livros “Longevidade no cotidiano: a arte de envelhecer bem” e “Menopausa: o momento de fazer as escolhas certas para o resto da sua vida”

Rio de Janeiro


Mesmo com todas as dificuldades que enfrenta, a ciência brasileira continua produzindo boas notícias. Na XXXIV Reunião Anual da FeSBE, que se encerra no dia 13 em Campos do Jordão, um dos destaques é o trabalho do pesquisador Anselmo Moriscot, professor titular do departamento de anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Moriscot e sua equipe, liderada pelo pós-graduando William Silva, vêm obtendo resultados impressionantes com uma nova terapia que conseguiu aumentar em 40% a massa muscular em camundongos. O potencial para ser aplicada contra doenças que envolvem perda muscular é tão grande que o trabalho já tem uma patente e acabou de ser publicado na revista “Acta Physiologica”, que dedicou um editorial à sua relevância científica.

E aqui vou eu, mais uma vez, tentar “traduzir” essa complexa pesquisa que começou há quatro anos. Seu time dedicou-se a estudar o tecido muscular de camundongos através do transcriptoma, que abrange o conjunto completo de genes ativos – como se fosse um raio-X do que está acontecendo num determinado fragmento do organismo. “Analisamos três transcriptomas: o chamado de controle, do tecido muscular normal, sem alterações; o do tecido alterado, com atrofia; e o terceiro cujos animais haviam sido tratados com o aminoácido leucina, com o intuito de corrigir a atrofia. Estamos falando de algo entre 15 mil e 18 mil genes em atividade e, no final do processo, faz-se uma espécie de conta de subtração, para tentar identificar os genes candidatos que conseguiriam reverter o problema. Através de uma análise de bioinformática e outras técnicas, mapeamos os que são os candidatos a reguladores, potencialmente capazes de corrigir a atrofia. Com a utilização do software, de um grupo inicial de 300 ou 400, chegamos a dez ou 15 genes que ficaram no topo da lista”, explica.

Da esquerda para a direita, os pesquisadores William Silva e Anselmo Moriscot — Foto: Acervo pessoal

Sempre com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), a equipe levou um ano e meio somente para realizar todos os transcriptomas. A descoberta decisiva foi isolar o microRNA-29c, que reprime genes relacionados com a atrofia muscular. MicroRNAs são pequenas moléculas que regulam a expressão dos genes. Elas não produzem proteína, mas se associam a um ou mais RNAmensageiros, reprimindo-os. Isso faz com que proteínas deixem de ser produzidas, alterando o funcionamento do tecido biológico. A etapa seguinte foi injetar o microRNA-29c no músculo do animal: em linguagem científica, o objetivo era “superexpressar” o referido micoRNA. “Acompanhamos o comportamento do tecido depois de 7, 14 e 30 dias, e constatamos que houve aumento em 40% da massa muscular, com ganho de força consistente”, conta o professor.

Sua aplicação beneficiará indivíduos que têm perda de massa muscular, como ocorre durante o envelhecimento, e pacientes com caquexia, um tipo de desnutrição aguda que leva ao emagrecimento repentino. “Estima-se que, em dez ou quinze anos, poderá ser possível a utilização terapêutica microRNA-29c em humanos através, por exemplo, de um vírus, o chamado adenovírus associado, para tratar a atrofia ou implementar massa muscular”, finaliza.

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