Extra

Baixada Fluminense concentra as cinco áreas do estado com mais casos de letalidade violenta

Em nenhum lugar do estado do Rio mata-se tanto quanto na Baixada Fluminense. Considerando os primeiros sete meses de 2014, estão na região as cinco Áreas de Segurança Pública Integrada (Aisps) com maior índice de letalidade violenta — a soma dos homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte, roubos seguidos de morte e autos de resistência — para cada cem mil habitantes.

Das seis Aisps da Baixada, embora também apareça entre a terça parte de pior desempenho, só Magé escapou de encabeçar a lista. Sorte que não tiveram, na ordem, os moradores de São João de Meriti, Belford Roxo, Mesquita, Duque de Caxias e Queimados, área em primeiro no ranking de mortes.

— Existe, desde sempre, um descaso e uma incompetência no que diz respeito à Baixada. Não é de ontem, começou há tempos. E até hoje não houve tentativa séria de reduzir isso — analisa o sociólogo Gláucio Soares, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj.

A comparação com outras partes do estado parece reforçar a tese proposta pelo sociólogo, de negligência do poder público no trato com a Baixada Fluminense. Proporcionalmente, de janeiro a julho, houve 14 vezes mais vítimas da letalidade em Queimados do que em Botafogo, onde ocorreram menos de três registros por cem mil habitantes no período analisado — o levantamento foi feito pelo EXTRA com base nos dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Já as menores taxas são de Botafogo, Copacabana e Tijuca

A análise do número de homicídios a partir de 2006, primeiro ano disponível para consulta no site do ISP, também é desigual. Até 2013, houve um total de 13.163 casos na região, ou uma morte a cada cinco horas. Além disso, enquanto os registros caíram ano a ano na capital no período, a Baixada seguiu outro rumo, ultrapassando a cidade do Rio em 2011 e abrindo vantagem desde então.

Embora responda por 23% da população do estado, foram registrados na Baixada 37% dos homicídios ao longo de 2013. Já a capital, apesar de ter mais habitantes (38,6% dos cidadãos fluminenses), registrou 27,8% das mortes.

Marcas sentidas nas famílias

Nos últimos anos, moradores da Baixada Fluminense foram obrigados a se acostumar com a violência. E a conviver com as mortes repentinas, que frequentemente arrancam à força partes essenciais de muitas famílias.

Uma delas é a de Elizabeth Medina Paulino, hoje com 51 anos. Em dezembro de 2003, dois filhos e um sobrinho saíram de casa para uma noite de suposta diversão numa casa de show situada na Rodovia Presidente Dutra, em São João de Meriti. Nenhum dos três voltou.

Acompanhados de um quarto jovem, Bruno, de 20 anos, Rafael, de 18, e Renan, de 13, foram sequestrados na saída do estabelecimento e levados para Duque de Caxias, também na Baixada. Lá, acabariam executados.

A tragédia familiar de Elizabeth ganharia ainda mais uma pitada de crueldade. Num caso que remonta à origem dos grupos de extermínio, que começaram a atuar na região no fim da década de 70, ficou comprovado que policiais militares cometeram o crime. O motivo, segundo as investigações, foi uma infundada acusação de roubo feita à quarta vítima, o soldado do Exército Geraldo Sant’Anna de Azevedo Junior, de 21 anos.

Dos PMs que responderam pela chacina, quatro foram condenados, um morreu e outro foi considerado incapaz após ter diagnosticada doença mental. O último deles, o capitão Ronald Paulo Alves Pereira, único oficial entre os réus, foi considerado impronunciável em janeiro e não irá a júri popular pelo crime.

Tráfico, milícias e extermínio

Para o delegado Pedro Medina, da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense, a cultura de “justiça com as próprias mãos” que se sobressai em sua área de atuação é uma das causas do alto número de mortes. Além disso, nas contas dele, confrontos entre traficantes são responsáveis por 40% dos casos do gênero na região.

— Existem grupos armados responsáveis por este cenário. Aqui, há tanto tráfico de drogas, quanto milicianos e grupos de extermínio — acrescenta o delegado.

A inauguração da delegacia especializada na Baixada, em fevereiro, é apontada como um fator que pode auxiliar na redução da violência. Em março, afirma Medina, foram 170 homicídios, contra 126 em junho — uma queda de 26%.

— Isso é fundamental para a diminuição dos registros. A impunidade é uma das causas da retenção desta mancha criminal — afirma.

Já a Secretaria de Segurança (Seseg), por nota, afirmou que seu planejamento é para todo o estado do Rio. “Estamos atentos a particularidades e necessidades de cada região”, assegurou o texto.

Sobre a Baixada, a Seseg informou esperar que a presença de companhias destacadas (UPPinhas) em Nova Iguaçu, Meriti, Mesquita e na Mangueirinha, em Caxias, bem como a própria Divisão de Homicídios, contribuam para a redução dos índices de criminalidade. Por fim, prometeu repor efetivo policial na região.

‘Quem fez isso com meus filhos tinha certeza da impunidade’

Entrevista com Elizabeth Paulino, mãe de duas vítimas de chacina na Baixada, 51 anos

Como você avalia a situação da Baixada atualmente, 11 anos após a chacina?

Ainda é a mesma da época do crime. A sensação é de total impunidade e falta de segurança. Andar à noite na região é muito perigoso, todo mundo sabe disso.

O que mudou na sua vida depois do crime?

Eu achava que tinha segurança e confiava na polícia. Pensava que nunca aconteceria o que aconteceu com meus filhos. Agora, evito ao máximo a Dutra, bem como passar por São João de Meriti e Duque de Caxias, principalmente à noite.

Por que essas duas áreas?

Quem fez isso com meus filhos e meu sobrinho tinha certeza da impunidade, porque Caxias e São João sempre foram locais com uma incidência muito alta de casos de violência.

Em que pé está o caso?

Nem todos os culpados foram julgados e condenados. O mandante deste crime, um oficial da PM, foi declarado impronunciável em janeiro último. Vou continuar acompanhando o caso para cobrar justiça.