SÃO PAULO - Parte das investigações de propinas pagas pela Odebrecht no exterior passa pela conta, na Suíça, do ex-marqueteiro do PT João Santana. Extratos e mensagens trocadas entre o publicitário e o gerente da conta Shellbill, no Banco Heritage, obtidos pelo GLOBO, mostram que a mesma conta que recebeu dinheiro de caixa 2 para a campanha da ex-presidente Dilma Rousseff movimentou recursos de pelo menos mais três países: República Dominicana, Angola e Panamá.
Em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na ação movida contra a chapa Dilma-Temer, o ex-executivo da Odebrecht Fernando Migliaccio afirmou que a empreiteira pagou por campanhas de João Santana em seis países, incluindo, além desses três, El Salvador, Venezuela e Argentina. Dos países citados, apenas Angola e El Salvador não têm acordo de cooperação com a Lava-Jato.
A Odebrecht confessou ter pagado US$ 439 milhões em propina em obras de 11 países, sendo US$ 92 milhões na República Dominicana; US$ 50 milhões em Angola; e US$ 59 milhões no Panamá. Na Venezuela e na Argentina foram, respectivamente, R$ 98 milhões e R$ 35 milhões.
US$ 21,6 milhões aplicados
Procurada pelo GLOBO para falar sobre os pagamentos no exterior, a Odebrecht informou em nota que não se manifesta sobre o teor de colaborações de pessoas físicas e reafirmou compromisso de colaborar com as autoridades.
Os documentos mostram que o gerente da conta driblou, por diversas vezes, a cobrança da direção do banco Heritage para que fosse comprovada a origem de recursos, devido aos altos volumes. Em outubro de 2015, as aplicações financeiras do publicitário alcançavam US$ 21,6 milhões — ou R$ 67,1 milhões na cotação atual. Da conta saíram diversos pagamentos a offshores em paraísos fiscais, que seguem investigadas, entre elas uma identificada como “dona Maria”.
O gerente cita em mensagens dez entradas de US$ 500 mil da República Dominicana, em 2014. Ao ser preso em 2016, Santana fazia a campanha de reeleição de Danilo Medina, do Partido de Libertação Dominicana (PLD). Nos extratos, há ainda registro de 23 transferências, num total de US$ 1,996 milhão, originárias de Angola e feitas em 2014, dois anos depois de Santana ter feito a campanha do presidente José Eduardo Santos.
No Panamá, uma das empresas de Santana fez campanhas para o Partido Cambio Democrático em 2014. O contrato celebrado com a empresa fez parte dos documentos enviados pelo Heritage e que ajudavam a explicar o sucesso financeiro do publicitário.
Na maioria dos países, pagamentos de campanhas eleitorais não podem ser feitos no exterior ou a empresas estrangeiras, o que indica que os pagamentos também podem ter sido feitos por “caixa 2”.
Ao depor ao juiz Sérgio Moro, o publicitário afirmou que, se todas as pessoas que recebem por caixa 2 fossem colocadas em fila, ela poderia ser vista por satélite.
Publicitário esperava usar benefício da repatriação
Em 2015, quando as investigações da Lava-Jato já alcançavam pagamentos a campanhas políticas, o publicitário João Santana aguardava a aprovação da lei de repatriação para legalizar o dinheiro mantido na Suíça. Ao mesmo tempo em que as apurações avançavam no Brasil, aumentou a cobrança da direção do Heritage para que fossem apresentados documentos comprovando a origem dos recursos movimentados pelo publicitário na conta Shellbill entre 2012 e 2014.
Ao gerente, Santana acenava com a retirada do dinheiro do banco, aproveitando-se da lei de repatriação, que anistiou quem tinha dinheiro não declarado fora do país e foi sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, em janeiro de 2016. Em mensagem interna, o gerente relata a superiores que esteve com Santana em outubro de 2015, em São Paulo, e que o publicitário “estava convencido da aprovação” da lei de anistia fiscal, que seria submetida ao Congresso.
Dinheiro vira “panfleto”
A constante troca de mensagens com o gerente mostra que João Santana cuidava pessoalmente das entradas e saídas da conta na Suíça, ao contrário do que havia dito. Ao ser preso, em fevereiro de 2016, o publicitário dissera que não se envolvia na parte financeira da empresa e quem cuidava do dinheiro era a mulher dele, Monica Moura.
Procurado, o advogado de João Santana não retornou o contato feito pelo GLOBO.
Para falar com o gerente, o marqueteiro usava o endereço de e-mail jcerqueira1953@yahoo.com.ar. Em vez de mencionar valores, por várias vezes as quantias movimentadas eram tratadas como “panfletos”, “prospectos”, “questionários” ou “formulários”.
“Caro Antonio, por favor, peço sua atenção para três temas: a) enviamos, na semana passada, 198 questionários. Recebido? b) seguem, amanhã, mais 110 (....)”, diz Santana numa das mensagens.
O publicitário chegou também a usar um doleiro e obter dinheiro em espécie para o Brasil.
“Caro, necessito, se possível até amanhã, envio de formulários 80m através conterrâneo paulista (...)”, solicita o publicitário. No dia seguinte, o extrato registra a transferência de US$ 80 mil para um doleiro já flagrado em investigações nos Estados Unidos.
Santana e Monica Moura foram condenados a oito anos de prisão na Lava-Jato, por receberem US$ 4,5 milhões na Suíça do operador Zwi Skornicki. A ação que envolve as quantias pagas pela Odebrecht ainda não foi julgada.