Política Lava-Jato

Especialistas criticam uso de algema nos pés e nas mãos do ex-governador Sérgio Cabral

Para juristas, polícia errou e cometeu ato de 'constrangimento jurídico ilegal'
O ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral, realiza exame corpo delito no IML em Curitiba (PR) nesta sexta-feira (19) Foto: Geraldo Bubniak / Agência O Globo
O ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral, realiza exame corpo delito no IML em Curitiba (PR) nesta sexta-feira (19) Foto: Geraldo Bubniak / Agência O Globo

SÃO PAULO - Especialistas criticaram o uso de algemas nos pés e nas mãos do ex-governador Sérgio Cabral , na manhã desta sexta-feira, quando foi submetido a exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal ( IML ) de Curitiba . Após ser flagrado numa rotina de regalias na cadeia de Benfica , no Rio, Cabral foi transferido para o Complexo Médico Penal ( CMP ) no Paraná, onde já cumprem pena outros 10 presos da Operação Lava-Jato .

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, classificou o uso de algemas nos pés e mãos de Cabral como um "constrangimento jurídico ilegal e inconstitucional".

— A Constituição proíbe esse tipo de tratamento desumano e cruel. As algemas para os pés só são admissíveis em situação que há risco de fuga ou agressão — disse o ex-ministro. — No Brasil, temos uma tradição de maus tratos. Os aparelhos de repressão precisam se autoanalisar e tomar consciência, assim como a sociedade, de que não existe poder absoluto.

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Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP, também considerou que a PF errou ao algemar o ex-governador.

— Não havia risco de fuga, nem a integridade do ex-governador e de terceiros. Portanto, não deveria ser usada algema. Foi uma postura errada e com uma finalidade muito mais de usar isso publicamente e de querer transformar Cabral num símbolo negativo do combate à corrupção — afirmou Badaró.

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O professor de direito penal explicou que a lei brasileira é falha com relação às algemas, já que o código de processo penal só proíbe o uso no caso de mulheres grávidas enquanto estiverem em tratamento hospital ou trabalho e parto ou durante julgamento de acusados no tribunal do júri.

Badaró ressalta, porém, que em razão da falta de uma lei específica, o STF editou uma súmula vinculante em 2007, quando ficou estabelecido que o uso de algemas só lícito "em caso de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal".

O constitucionalista e criminalista Adib Abdouni tem opinião diferente. Para Abdouni, as regalias que Cabral recebia na cadeia do Rio são o suficiente para justificar o tratamento ao ex-governador:

— A algema é necessária para que fique claro a população que a polícia não é conivente com o crime. Tudo isso é um zelo realizado pelo próprio delegado - disse  Abdouni.

A Polícia Federal justificou que algemou Cabral para "preservar a segurança" do ex-governador e da população que o aguardava na porta do IML.

A assessoria de imprensa da polícia argumentou que a entrada do IML é uma área considerada "crítica" para a segurança porque o preso passa próximo da população e de jornalistas e pode estar exposto a algum tipo de tumulto.

"Os policiais avaliaram que havia necessidade do emprego das alegemas, seja para preservação do próprio custodiado, seja para preservação de terceiros que tivesse ali presente", disse a PF.

Apesar da alegação da PF, o uso de algemas nos pés não foi adotado com outros presos da Lava-Jato em Curitiba como o empreiteiro Marcelo Odebrecht e o ex-deputado Eduardo Cunha. Houve outro caso de detido algemado nos pés e nas mãos na Bahia em novembro, quando a 47ª fase da Lava-Jato prendeu o ex-gerente da Petrobras, José Antonio de Jesus.