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Economia

‘Teremos mais voos da Delta entre Brasil e Estados Unidos’, diz presidente da aérea americana

Em entrevista ao GLOBO, Ed Bastian diz por que trocou a parceria com a Gol pela Latam
Ed Bastian, CEO da Delta Airlines Foto: Steve Marcus / Reuters
Ed Bastian, CEO da Delta Airlines Foto: Steve Marcus / Reuters

SANTIAGO - Ed Bastian, presidente da Delta Airlines, vê a América do Sul como a próxima fronteira da aviação mundial. O motivo é simples: os moradores da região ainda voam menos que americanos e europeus. Para ele, há potencial de ampliação das rotas entre cidades americanas e brasileiras.

Tal oportunidade é uma das razões que usa para explicar o que levou a americana a anunciar, na semana passada, o plano de adquirir 20% da Latam (fruto da fusão da brasileira TAM com a chilena Lan) por US$ 1,9 bilhão. Para que o negócio avance, a Delta abandonou a parceria firmada em 2011 com a brasileira Gol, da qual deve vender sua fatia de 9%.

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Em entrevista ao GLOBO, concedida na sede da Latam, em Santiago, no Chile, ele fala sobre a estratégia para a região.

Por que a parceria com a Latam fez sentido para a Delta?

Sentimos que estávamos sub-representados na região (América Latina). Tínhamos uma grande parceria com a Gol, mas era local. Não era uma parceria regional nem internacional. Não tinha o potencial que a Latam tem. A Delta estava na quarta posição no tráfego entre os EUA e a América Latina, um mercado que, para mim, tem muito potencial para o futuro. Apesar da relação próxima com a Gol, temos a obrigação fiduciária de olhar para o que é melhor para a Delta no longo prazo. E é a parceria com a Latam.

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O que levam da parceria com Gol para o negócio com a Latam?

Certamente temos muito conhecimento sobre o mercado brasileiro, mas a Latam também tem. Vamos aprender novas habilidades com ela, que é focada no mercado internacional a partir do Brasil. A Latam é especializada nas conexões entre países na região.

Por que a América Latina é tão importante?

É uma região que cresce rapidamente e, apesar dos problemas macroeconômicos enfrentados por Argentina e Venezuela, é uma região com uma economia dinâmica. Ao mesmo tempo, boa parte do futuro da América Latina passa por trazer mais comércio, mais desenvolvimento, para cá. E, em qualquer parte do mundo, há uma correlação forte entre desenvolvimento da aviação e o desenvolvimento econômico dos países. Vejo potencial para expansão no mundo todo, mas a América do Sul é o mercado em que estamos mais interessados.

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Há planos para outras aquisições na América Latina, como a de 20% da Latam?

Não, já fizemos a grande aquisição na região. Junto com a Latam vamos ser número 1 nos cinco principais mercados da região em voos aos EUA. Estamos no lugar certo.

A aviação no Brasil foi chacoalhada pelo fim da Avianca. É um mercado relevante?

É, sim. A economia do Brasil não tem crescido muito nos últimos cinco anos, mas a aviação civil brasileira conseguiu crescer, apesar do cenário difícil. Há muitas oportunidades de expansão de rotas do Brasil para o Norte (EUA). Acho também que é um mercado pouco desenvolvido como um todo. O desaparecimento da Avianca abre espaço para uma competição mais racional entre as demais aéreas que operam no país. Com a parceria com a Latam, teremos mais voos da Delta entre Brasil e EUA.

É possível esperar redução de preços nos voos com destino ao Brasil no curto prazo?

Sim. O quanto, nós ainda vamos descobrir.

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Quais os desafios de operar no mercado brasileiro?

Infraestrutura. Há deficiência nos serviços de solo, o controle do tráfego aéreo está congestionado, a tecnologia poderia ser utilizada de maneira mais racional. Os desafios tecnológicos são o maior problema do Brasil neste momento.

Há planos para expansão no mercado local do Brasil?

Não, só em rotas internacionais a partir dos Estados Unidos. Não temos interesse em entrar em nenhum mercado doméstico da América do Sul.

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O Aeroporto do Galeão perdeu vários voos internacionais. Com o negócio com a Latam, a Delta pode ampliar sua presença no Rio?

A parceria com a Latam muda completamente nossa visão sobre a América Latina. Não quero comentar sobre nenhum terminal específico, mas espero que as receitas da Delta cresçam em US$ 1 bilhão em cinco anos por causa do acordo com a Latam.

Vai ser possível?

Sim, os países latino-americanos de maneira geral têm as menores taxas de passageiros por habitante no mundo. Ao mesmo tempo as rotas entre os países da região e os Estados Unidos crescem 6% ao ano, o que é uma taxa muito saudável. Com a parceria entre a gente e a Latam esse crescimento pode ser ainda maior.

Há planos para outras aquisições como a de 20% da Latam na América Latina?

Não, já fizemos a grande aquisição na região. Junto com a Latam vamos ser número 1 nos cinco principais mercados da região em voos aos Estados Unidos. Estamos no lugar certo.

As companhias de baixo custo são uma ameaça? Há muitas delas voando entre os países da América do Sul.

Competimos com todo mundo, incluindo a companhias de baixo custo em todo o mundo. Então sabemos como competir com elas. Sabemos como oferecer um serviço de qualidade superior ao que um passageiro obtém numa companhia de baixo custo. Até agora não tem havido um caso de sucesso de conexões low cost entre continentes.

Mas há a Norwegian no Brasil…

Sim, mas eles não estão bem sucedidos. Estão perdendo muito dinheiro. Eles estão voando por enquanto, mas vamos ver até quando. Vamos ver se eles estarão voando quando voltarmos a ter essa conversa (risos). A razão disso é que o preço do combustível é muito volátil, o consumo de combustível num voo transatlântico é enorme. O custo desses voos partindo da América do Sul, seja para a Europa ou para os Estados Unidos é muito significativo. É difícil fechar as contas só com tarifas promocionais. Os passageiros adoram preços baixos, mas o ponto é que as companhias aéreas oferecem essas passagens até o momento em que elas se dão conta que precisam aumentar os preços para conseguir gerar receita suficiente para manter a operação. É aí que o modelo de negócio dessas companhias de baixo custo começa a ser desafiado, porque começa a esbarrar no das companhias tradicionais.

Então você não tem medo delas?

Eu não tenho medo de nada (risos). Na indústria da aviação civil você vê de tudo e tem que competir com isso. E o que você faz com isso é ficar responsável por esses desafios. Se o preço do combustível vai subir ou descer, não importa, a própria empresa precisa antecipar os riscos e criar estratégias para vencê-los. O mesmo vale para os riscos econômicos, geopolíticos. A razão pela qual não tenho medo é porque os consumidores querem conhecer o mundo de uma maneira nunca vista antes. Passageiros estão mais por dentro do que acontece no mundo. A tecnologia permitiu isso. Eles veem uma imagem bonita de alguém no Rio e querem compartilhar dessa experiência. Consumidores nos Estados Unidos e ao redor do mundo estão cada dia mais compartilhando suas experiências de viagem, o que só aumenta o interesse das pessoas em também viajar. Há uma mudança secular acontecendo. Quando eu era criança era preciso ler um guia turístico sobre o que fazer num destino. Hoje as pessoas são bombardeadas por imagens de seus amigos tendo experiências incríveis ao redor do mundo. Além disso, na história da aviação comercial, as passagens aéreas nunca estiveram tão em conta como agora. Nos últimos 25 anos, as tarifas nos Estados Unidos caíram 40% em termos reais. A razão disso é que os aviões estão maiores, mais econômicos e com conexões mais inteligentes.

Uma concorrente sua, a American Airlines, anunciou mais voos para a América Latina dias após o acordo Delta-Latam. Vocês não temem nem a concorrência tradicional?

Competimos já bastante com eles e esse é o motivo do nosso anúncio com a Latam. Isso vai ampliar a competição na região e manter as tarifas sob controle e até mais acessíveis. Certamente isso vai aumentar as opções para os passageiros, seja do Brasil como dos demais países da região.

Muitos passageiros que tinham cartão da Oneworld ficaram surpresos com a saída da Latam dessa aliança global por causa da parceria com a Delta, que é fundadora da Skyteam. A Latam sinalizou que não entrará, de imediato, na aliança Skyteam, mas algum tipo de benefício está no radar de vocês para conquistar o passageiro acostumado com a Oneworld?

A Latam vai continuar a relação com as companhias da Oneworld mesmo sem ser um membro oficial da aliança. O programa de troca de milhas com as companhias da Oneworld continuará. A única diferença é que nos voos aos Estados Unidos a parceria não será mais com a American Airlines e sim com a Delta, que voa a muito mais destinos. Não acho que Latam precisa entrar na Skyteam. Não é preciso estar numa aliança global para obter os benefícios de parcerias bilaterais entre companhias aéreas. Creio que os acordos entre companhias aéreas que eles já mantêm com (a australiana) Qantas, a IAG (dona de British Airways e Iberia) são suficientes. Do ponto de vista do passageiro brasileiro, tenho certeza que será uma boa troca.

No ano passado, a Delta acusou publicamente a Qatar de concorrência desleal por usar subsídios ao querosene oferecidos pelo governo do emirado no Oriente Médio, acionista da aérea, para expandir as rotas aos Estados Unidos através da subsidiária Air Italy. No conselho da Latam, a Delta vai sentar-se ao lado de representantes da Qatar Airways, que é dona de 10% da Latam. Como vai ser essa convivência?

Acho que vai ser bom. Vamos estar tentando encontrar os melhores caminhos para a Latam e o que aprender da experiência da Latam. Não vai ser Delta contra a Qatar. Vai ser Delta mais Qatar melhorando a Latam.

Muitas companhias aéreas vão à falência todos os anos. Por que é tão difícil fazer dinheiro neste setor?

É um setor muito competitivo. As passagens estão continuamente ficando mais baratas. Quanto mais capacidade uma companhia acrescenta à sua malha, mais pressão ela põe sobre as concorrentes. É um setor que o retorno do investimento muitas vezes toma muito tempo. E há os fatores externos como as oscilações no preço do combustível, além dos problemas que cada país enfrenta e que deprimem a demanda. Quanto mais diversificação de receitas uma companhia conseguir, e mais serviços ela agregar aos passageiros, melhor para ela. Levou 15 anos para estarmos onde estamos hoje. Os ataques de 11 de setembro derrubaram a demanda por voos internacionais com destino aos Estados Unidos. Tivemos que reconstruir nosso modelo praticamente do zero.

*O repórter viajou a convite da Latam