RIO — Em 1995, Alex Bager trabalhava na Estação Ecológica do Taim, no Rio Grande do Sul, estudando tartarugas de água doce. Nos 90 quilômetros que percorria diariamente entre a estação e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), onde também realizava pesquisas, uma coisa chamava sua atenção: os animais atropelados nas rodovias.
Vinte e três anos depois, essa questão o levou a sair em uma jornada de 30 mil quilômetros pelo Brasil, durante um ano, para entender como morrem os bichos nas estradas. E concluiu que, por ano, são mais de dois milhões de animais de médio e grande porte mortos nessas circunstâncias.
LEIA MAIS: 'Animal não é coisa': projeto no Senado quer que bichos sejam tratados como seres com sentimentos
A expedição, que foi seu projeto de pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais ( UFMG ), começou em agosto de 2018 e terminou em junho deste ano. Pelo caminho, Bager achou 529 animais mortos, o que o levou à estimativa de 2.163.720 atropelados por ano. A base do cálculo veio de um primeiro levantamento feito em 2014 no Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas, da Universidade Federal de Lavras, também em Minas Gerais.
Na pesquisa de campo de agora, Bager levantou informações sobre os animais que habitam os mais de 100 parques nacionais e outras unidades de conservação por onde passou. Com base nisso, para chegar ao cálculo, elaborou uma taxa por estrada (se ela é de alto ou baixo fluxo, pavimentada ou não etc.) e por área.
Segundo o levantamento, a maior vítima das estradas brasileiras, entre os bichos de médio e grande porte, é o cachorro-do-mato — mais de um milhão por ano. Além disso, foi a única espécie com registro de óbito em todos os tipos de estradas. O pesquisador faz uma ressalva: apesar de ter encontrado apenas uma espécie de anfíbio durante sua jornada, essa é, segundo ele, a classe que mais morre nesses casos, mas não foi contabilizada em razão do tamanho.
— Não monitorei anfíbios. Fiz o trecho todo a 80 km/h no meu carro, era impossível computar animais de pequeno porte porque não tinha como vê-los. É importante ser bastante cauteloso porque isso pode gerar sensação de que anfíbios não morrem em estrada, mas é o contrário. Eles e as pequenas aves são as maiores vítimas —explica Bager, um dos criadores do aplicativo Urubu Mobile , que, desde 2014, é usado de forma colaborativa para usuários enviarem registros de animais mortos pelas estradas brasileiras.
Para mitigar o atropelamento da fauna, o ecólogo diz que seria muito importante que os governos federal e estaduais discutissem as questões ambientais durante o planejamento das estradas.
— A própria manutenção delas ficaria muito menor se houvesse esse planejamento. O que acontece é que se cria o problema e depois tem que resolver. Isso deveria estar no projeto inicial.
Passarela para a fauna
O tema dos atropelamentos da fauna, principalmente em rodovias que cortam áreas de reserva, está em pauta na Câmara dos Deputados , em Brasília, por conta de um projeto de lei que pede a reabertura da Estrada do Colono, que tem cerca de 17km, corta o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, e está fechada desde 2001, por determinação judicial.
Anna Carolina Lobo, gerente do programa de Mata Atlântica da ONG WWF-Brasil, teme os impactos ambientais da proposta.
— O fechamento é muito importante para a conservação daquela floresta, a última remanescente de Mata Atlântica no Oeste do país. O Parque Nacional do Iguaçu é o corredor mais importante para a conservação da onça pintada de toda a Mata Atlântica.
O PL 984/2019, do deputado federal Nelsi Vermelho (PSD-PR), prevê que a via se torne uma “estrada-parque”, modelo já adotado em outros países do mundo e que prevê passarelas e outras salvaguardas à vida selvagem.
— É possível adotar uma outra técnica construtiva, de grande valor paisagístico e que evite esse impacto. A gente poderia fazer disso um modelo de estrada cênica para o Brasil inteiro, como existem em outras parte do mundo. Mas uma estrada de asfalto que corta o meio do parque, sem passarelas suspensas, vai aumentar a mortalidade de animais, além de ser vetor de desmatamento e de extração de recursos naturais — diz Lobo.
Segundo Cláudio Maretti, especialista em áreas protegidas e ex-presidente do ICMBio , um argumento usado contra a inclusão dessas estruturas é que elas encareceriam a obra e teriam baixa eficácia.
— Quando fazemos novas estradas, como foi o caso da BR-101, na área de ocorrência do mico-leão-dourado, solicitamos construção de passagens de fauna, mas aí vem alguém e diz que vai encarecer a obra, que os animais não vão aprender a ler a placa para chegar até a passagem — diz Maretti. — Estudos mostram que a fauna aprende a buscar caminhos mais conhecidos. Se fizermos em áreas específicas que eles frequentam, diminui muito o risco. Mas isso custa.
Para ele, limites de velocidade também são outra estratégia fundamental em vias dentro ou próximas a unidades de conservação:
— Muitas precisam de uma estrada dentro para levar até algum atrativo, mas o que acontece é que as pessoas não querem conceder nada, querem estrada com a velocidade como a de um local que não tem fauna. Os animais podem passar de forma brusca, mas ninguém respeita. É preciso colocar obstáculos para evitar isso.
O que diz o DNIT
Responsável pelo monitoramento de atropelamento de animais nas rodovias federais, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes ( DNIT ), vinculado ao Ministério da Infraestrutura, diz que o último levantamento sobre o tema feito pelo órgão é de 2014.
Segundo o departamento, são realizados pelo menos 18 programas de monitoramento de atropelamento da fauna, cuja extensão soma cerca de 5.500 km (6,1% da malha de 90.048 km de rodovias federais), com cerca de 200 pessoas envolvidas. De 2014 a 2018, o investimento foi de aproximadamente R$ 55 milhões.
No entanto, “ainda levará um tempo para concluirmos (novo relatório) , dado o volume de informações que foram geradas desde o ano de 2014”, conclui o órgão, em nota.
*Estagiário, sob orientação de Marco Aurélio Canônico