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'Bacurau' ganha Prêmio do Júri e faz história em Cannes

Pela primeira vez, Brasil leva dois troféus no festival; filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles dividiu honraria com "Lés miserables"
Kleber Mendonça Filho recebe o Prêmio do Júri por "Bacurau" Foto: ERIC GAILLARD / REUTERS
Kleber Mendonça Filho recebe o Prêmio do Júri por "Bacurau" Foto: ERIC GAILLARD / REUTERS

CANNES - Pela primeira vez na História, o cinema brasileiro saiu ontem do Festival de Cannes consagrado com dois prêmios importantes. “Bacurau”, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, ganhou o Prêmio do Júri na competição principal. Na sexta-feira, “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, de Karim Aïnouz, havia sido eleito o melhor filme na mostra paralela Um Certo Olhar.

— Queria mandar um beijo para todo mundo que está vendo a cerimônia em Pernambuco, Brasil. É meu 20º ano em Cannes, eu vinha como jornalista e conheci muitos cineastas aqui — discursou Kleber, três anos após disputar a Palma de Ouro em Cannes com “Aquarius”.

— “Bacurau” envolveu o trabalho de muita gente, que batalhou para ver este filme honrado aqui nesta noite. Dedico este prêmio a todos os trabalhadores do Brasil, da ciência, da educação e da cultura — disse Juliano Dornelles.

A maior vitória do Brasil em Cannes foi em 1962, ao levar a Palma de Ouro com “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte. Em 1969, Glauber Rocha foi eleito melhor diretor por “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”.

Atrizes brasileiras já foram premiadas na categoria interpretação feminina por duas vezes: em 1986 (Fernanda Torres , por “Eu sei que vou te amar”, de Arnaldo Jabor) e em 2008 (Sandra Coverloni, por “Linha de passe”, de Walter Salles).

ARTIGO: Premiação do Brasil em Cannes é carregada de significados

O feito inédito da dupla premiação em 2019 foi celebrado pelo diretor brasileiro Walter Salles, de “Central do Brasil” (1998), que concorreu à Palma com “Diários de motocicleta” (2004) e “Na estrada” (2012):

— Esta foi uma participação histórica do cinema brasileiro em Cannes, que evidencia a sua extraordinária vitalidade criativa.

Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, co-diretores de 'Bacurau', em Cannes Foto: JEAN-PAUL PELISSIER / REUTERS
Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, co-diretores de 'Bacurau', em Cannes Foto: JEAN-PAUL PELISSIER / REUTERS

"Bacurau” dividiu a honraria com o francês “Les Misérables”, de Ladj Ly, que retrata a violência dos subúrbios parisienses. O principal troféu da noite, a Palma de Ouro, foi para o filme “Parasite”, do sul-coreano Bong Joon-ho, drama que examina as desigualdades sociais entre dois núcleos familiares. O Grand Prix ficou com “Atlantique”, da estreante diretora franco-senegalesa Mati Diop, sobre uma jovem de Dakar prometida em casamento. (Veja os premiados abaixo)

Com estreia prevista para agosto no Brasil, “Bacurau” foi exibido no dia 15, quarta-feira, com a presença da dupla de diretores e parte do elenco. A repercussão na imprensa internacional foi positiva, com algumas poucas criticas mistas e negativas.

O longa marcou a volta de Mendonça a Cannes três anos após disputar a Palma de Ouro com o longa “Aquarius” e ganhar as manchetes ao protestar publicamente, ao lado do elenco e da equipe, contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Desta vez, a única manifestação política surgiu nos créditos finais, em um letreiro dizendo que a produção, rodada no sertão do Seridó, na divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba, gerou 800 empregos.

Cidade fictícia

“Bacurau” é a fictícia cidade onde se passa a história, nome de um pássaro noturno e apelido do último ônibus da madrugada em Recife. No filme, a cidadezinha perde a matriarca e, dias depois, descobre que a própria comunidade desapareceu do mapa.

Presidente do júri deste ano, o cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu disse que a seleção de filmes foi “desafiadora”, e que muitos dos títulos inspiraram “urgência de consciência social”.

— Mas a decisão dos jurados não foi baseada em agendas sociais ou políticas — observou Iñárritu, vencedor de dois Oscars de direção, por “Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância)”, de 2014, e “O regresso” (2015). — Nenhuma outra consideração além do filme em si deve ser considerada para os prêmios. O cinema tem que falar por si só.

Vencedor do prêmio de melhor ator por “Dor e glória”, uma quase autobiografia de Pedro Almodóvar, o espanhol Antonio Banderas dedicou o troféu ao diretor espanhol:

— As pessoas acham que vivemos em um tapete vermelho, o que não é verdade. Sofremos muito, fazemos sacrifícios, e há muita dor por trás da vida de qualquer ator. Mas há também glória, e esta é a minha noite de glória. O melhor ainda está por vir.