Por Alba Valéria Mendonça, G1 Rio


A menos de 90 dias para o carnaval 2018, a maioria dos barracões das escolas na Cidade do Samba está fechada há mais de um mês — Foto: Alba Valéria Mendonça/G1

A menos de 90 dias para o carnaval 2018, o ambiente na Cidade do Samba, na Gamboa, na Zona Portuária do Rio, ainda é de Quarta-Feira de Cinzas. Com a maioria dos barracões interditada pelo Ministério do Trabalho desde 19 de outubro - para fazer a adaptações exigidas para melhorar as condições de trabalho - quase nada de sons de serra, lixa, solda, martelo ou máquinas de costura. O que mais se ouve é o lamento de quem vê descaso com a maior festa popular da cidade. Só nesta quarta-feira (22), os auditores e fiscais do trabalhar começaram a liberar os barracões: cinco dos 13 das escolas do Grupo Especial.

“Este ano as escolas de samba estão enfrentando tantos problemas, que vou sugerir à Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba) a criação do quesito superação”, disse o presidente da União da Ilha do Governador Ney Filardi, que ainda está com o barracão interditado.

O trabalho começou a ser liberado no final da manhã de quarta-feira, nos barracões da Mocidade Independente de Padre Miguel, Acadêmicos do Salgueiro, Estação Primeira de Mangueira, Unidos de Vila Isabel e Beija-Flor de Nilópolis.

O superintendente do Ministério do Trabalho, Adriano Bernardo, que assumiu há 23 dias, acredita que até o fim desta semana todos os barracões já estejam liberados. Para isso, as escolas têm de apresentar documentos - como notas fiscais - que mostrem que foram feitas as adaptações exigidas, como revisão da parte elétrica e hidráulica e substituição de máquinas e equipamentos. Unidos da Tijuca e Imperatriz Leopoldinense ficaram de apresentar os documentos nesta quinta-feira (23).

"Todas precisam apresentar os documentos exigidos para a liberação do trabalho. Nossa intenção não é gerar impedimento, mas segurança no trabalho é um assunto grave. E houve uma morte no barracão da São Clemente em setembro. Na segunda-feira (27), vamos fazer uma reunião com a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba), o Corpo de Bombeiros, Riotur e Ministério Público estadual para buscar um caminho e fixar prazos para obras estruturais que precisam ser feitas nos barracões, depois do carnaval", disse Bernardo.

Cidade do Samba quase virou cidade fantasma

Por 33 dias o cenário foi de portões fechados, restos de alegorias de carnavais passados nas ruas da Cidade do Samba. Nada sambas tocando alto nos recintos para animar os funcionários, de entrada e saída de caminhões de material, de burburinho na praça de alimentação. A cidade que é do samba quase se transformou numa cidade fantasma: vazia e sem ritmo, só com operários trabalhando nas obras exigidas.

A esta altura do campeonato, segundo Filardi, as escolas já estariam com cerca de 60% dos trabalhos nos barracões – de confecção de alegorias e de fantasias de alas da comunidade – prontos. Mas com a paralisação de três semanas, somente cerca de 30% do trabalho foi realizado. Além de ter o cronograma do carnaval atrasado, tem de arcar com os custos das obras – no caso da União da Ilha, orçadas em aproximadamente R$ 50 mil - e redução do subsídio da prefeitura.

“Não nos deram tempo para fazer as mudanças necessárias. Fomos pegos de surpresa, foram logo interditando os barracões. Tivemos de contratar engenheiro e técnicos em segurança do trabalho, operários e arcar com o material para as obras. Isso, numa época em que ninguém tem dinheiro. A crise afeta todas as escolas. É um descaso muito grande com uma festa que atrai tantos recursos, com a nossa cultura. Mas vamos mais uma vez nos superar e fazer um grande carnaval em 2018”, garantiu Filardi, que espera reabrir o barracão da União da Ilha na próxima semana.

Clima de Quarta-Feira de Cinzas na Cidade do Samba, com alegorias desmontadas nas vias e ausência de movimentação e de funcionários por 33 dias. — Foto: Alba Valéria Mendonça/G1

O diretor de carnaval da Acadêmicos do Grande Rio, Dudu Azevedo diz que facilitaria muito a vida das escolas se os fiscais do trabalho tivessem dado um prazo de início e conclusão das adaptações nos barracões. E diz que algumas obras estruturais não constavam no projeto do prédio original da Cidade do Samba, que é da Prefeitura do Rio, inaugurado há 11 anos. O G1 entrou em contato com a prefeitura do Rio, mas até o momento não obteve resposta.

“Não foi só a escola que foi prejudicada. Os funcionários também, pois cancelamos várias contratações porque o barracão está parado. Nesta época do ano, normalmente já estamos com uns 150 funcionários entre costureiras, aderecistas, decoradores. Mas está tudo parado. Numa época crise, com o fechamento dos barracões temos em média 1.600 empregos a menos. Fantasias estão sendo feitas fora daqui, mas não dá para adiantar os carros. Vai ser aquela correria, mas todo mundo vai querer mostrar o melhor carnaval que puder. Apesar de tudo, o carnaval vai sobreviver”, garantiu Azevedo, que estima que em dez dias o barracão da Grande Rio esteja liberado.

Oportunidade para desfiles mais criativos

O lamento na maioria das escolas não encontra coro no barracão da Estação Primeira de Mangueira. Segundo o carnavalesco Leandro Vieira, os 10 dias de paralisação do trabalho na confecção de alegorias não atrapalha o cronograma da escola. Ele pretende estar com tudo pronto na semana do desfile. E diz que os obstáculos e adversidades que as escolas estão enfrentando este ano só vão deixar o carnaval ainda melhor.

“Ter R$ 1 milhão a menos só significa que vou fazer um carnaval R$ 1 milhão mais barato, mas não inferior. Ao contrário, será mais criativo. Acredito na capacidade que os carnavalescos têm de se reinventar contra a capacidade da Prefeitura para tirar o brilho da festa. Trabalhar com verba reduzida, para mim, não é novidade. Fazer carnaval é também resistir", afirmou o carnavalesco.

Segundo Leandro, a Mangueira vai fazer um desfile manifesto, uma festa em defesa da cultura popular do Rio. "Um amarrado da alegria que sempre tivemos e que o prefeito quer encobrir. Vejo nesse momento uma oportunidade maravilhosa de radicalizar, o que tem a ver com nosso enredo. A Mangueira vai fazer um carnaval abusado, da diversidade, da liberdade, do mesmo tamanho do desfile passado. O carnaval é do povo, da rua e a rua é nossa por direito”, disse Leandro, que já estava trabalhando a parte de madeira dos carros, e que só vai incrementar o trabalho no barracão a partir de dezembro.

E uníssono, dirigentes, carnavalescos e funcionários dizem que por conta disso tudo, o carnaval de 2018 vai ser o melhor dos últimos anos. E fazem dos versos do samba do grupo Fundo de Quintal, uma espécie de hino à resistência: “Todo mundo que hoje diz/ Acabou, vai se admirar/ o show tem que continuar”.

Carnavalesco Leandro Vieira, da Mangueira, diz que restrições criam oportunidades para carnavais mais criativos e maravilhosos — Foto: Alba Valéria Mendonça/G1

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