Política

Odebrecht fecha acordo de R$ 30 milhões por trabalho escravo em Angola

Ministério Público do Trabalho investigou condição de trabalho de brasileiros em obra no país africano
Segundo Cáceres, empresas chinesas tentam ocupar o espaço da Odebrecht na América Latina Foto: Michel Filho / O Globo
Segundo Cáceres, empresas chinesas tentam ocupar o espaço da Odebrecht na América Latina Foto: Michel Filho / O Globo

SÃO PAULO - A empreiteira Odebrecht fechou acordo de R$ 30 milhões com o Ministério Público do Trabalho (MPT) em processo que envolve investigação de trabalho escravo e tráfico de pessoas em Angola. O valor deverá ser pago em 12 parcelas semestrais de R$ 2,5 milhões, com término de pagamento em 2023. O dinheiro será usado para campanhas, projetos e iniciativas que revertam em benefício à população, aprovados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região e pelo MPT de Campinas, responsável pelo acordo. ( Clique aqui e receba as newsletters do GLOBO )

Segundo o MPT, este é o maior acordo da história do Brasil relacionado ao combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas.

A investigação começou em 2013, com a publicação de uma reportagem sobre a situação de trabalho em Angola de 400 brasileiros levados para trabalhar nas obras da usina de açúcar e etanol Biocom, que pertence a Odebrecht, entre 2011 e 2012.

Os trabalhadores, em maioria, foram recrutados na região de Araraquara e Américo Brasiliense, no interior de São Paulo, e contratados por duas empresas intermediárias - Pirâmide Assistência Técnica Ltda e W. Líder.

Levados à Angola, muitos adoeceram, alguns com suspeita de febre tifoide, em razão das condições sanitárias nas obras e da falta de condição de higiene. Em reclamações trabalhistas, relataram , por exemplo, que os banheiros eram distantes do local de trabalho e permaneciam sempre cheios e entupidos, o que os obrigava a fazer as necessidades . Além disso, a água consumida não era potável, e a comida, muitas vezes, estragada.

O MPT investigou o caso e abriu ação coletiva. Em primeira instância, o juiz Carlos Alberto Frigieri afirmou que operários brasileiros foram submetidos a trabalho análogo à escravidão, degradante, "sem as garantias mínimas de saúde e higiene, respeito e alimentação”. O juiz havia condenado a empresa ao pagamento de indenização de R$ 50 milhões, a título de dano moral coletivo.

A Odebrecht e o MPT recorreram da decisão e, no último ano, as partes passaram a negociar um fim para o litígio, que poderia se arrastar por anos. Nesta quarta-feira, em reunião, as partes chegaram ao acordo.

As empresas do Grupo Odebrecht assumiram o compromisso de "jamais vir a realizar, promover, estimular ou contribuir com o aliciamento nacional ou internacional de trabalhadores" e de submeter trabalhadores à condição análoga à de escravo, sob pena de multa de R$ 100 mil por trabalhador. Se comprometeram ainda a não utilizar mão de obra contratada no Brasil e enviada ao país estrangeiro sem o visto de trabalho já concedido pelo governo local, sob pena de multa de R$ 60 mil por trabalhador.

A Odebrecht também se comprometeu a não usar terceiros - como aliciadores, intermediadores ou ‘gatos’ - para contratação de mão de obra, exceto em caso de trabalho temporário previsto na Lei n. 6.019/1974 e de serviço de facilitação à colocação no mercado de trabalho realizados pelo Sistema Nacional de Emprego, sob pena de multa de R$ 50 mil por trabalhador".

Em nota, Biocom nega acusações

Apesar de ter aceitado pagar R$ 30 milhões, a Odebrecht divulgou nota na qual afirma que a Biocom nega todas as acusações e que nenhuma instituição brasileira, ainda que convidadas, compareceu às instalações da usina para fiscalizá-la. De acordo com a empresa, "as condições de trabalho na empresa sempre foram fiscalizadas e atestadas positivamente por autoridades angolanas". A empresa disse esperar que o valor atribuído no acordo celebrado reverta em benefício da sociedade brasileira.

O procurador Rafael de Araújo Gomes, que é autor da Ação Civil Pública ajuizada na 2ª Vara do Trabalho de Araraquara, apontou, no entanto, que o valor pago é referente a dano moral coletivo e que, além do crime de trabalho escravo, havia grande quantidade de provas de que houve tráfico de pessoas.

— Tinha uma quantidade de provas, com cinco DVDs de documentos. Era muita coisa. E mais grave que isso era o tráfico internacional de trabalhadores, que iam para lá sem visto de trabalho e ainda tinham seus documentos tomados. E essa prática a empresa jamais negou, mas considerava válido.

Veja a íntegra da nota:

"Em resposta ao noticiado, a Biocom (Companhia de Bioenergia de Angola, Lda.) esclarece que, na data de ontem, a Ação Civil Pública iniciada em 13 de junho de 2014 na 2ª Vara do Trabalho de Araraquara foi extinta definitivamente por meio de acordo celebrado com o Ministério Público do Trabalho perante o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

A empresa reafirma que zela pelo cumprimento estrito da legislação e respeito às pessoas. Por isso, a premissa para celebração deste acordo foi justamente o fato de que ele não implica em qualquer reconhecimento de prática de trabalho escravo, nem de violação de direitos humanos ou de princípios que regem as relações de trabalho pela empresa.

Embora nenhuma instituição brasileira, ainda que formalmente convidadas, tenha comparecido às instalações da Biocom para fiscalizá-la, as condições de trabalho na empresa sempre foram fiscalizadas e atestadas positivamente por autoridades angolanas (equivalentes ao Ministério do Trabalho e Emprego).

A Empresa é uma das maiores empregadoras de Angola, com aproximadamente 2.100 empregados, sendo 1.940 angolanos, e cumpre rigorosamente a legislação trabalhista vigente.

A Biocom nega todas as acusações feitas pela reportagem e reafirma seu compromisso de transparência para com a sociedade se colocando à disposição para quaisquer esclarecimentos que ainda se façam necessários e espera que o valor atribuído no acordo celebrado reverta em benefício da sociedade brasileira"