Política Lava-Jato

Odebrecht pagou propina para abater dívida da SuperVia com a Light, dizem delatores

Diretor da empresa teria recebido R$ 2 milhões, entregues a um intermediário
Odebrecht pagou propina para abater dívida da SuperVia com a Light. Pagamentos parcelados totalizaram R$ 2 milhões em espécie.
Odebrecht pagou propina para abater dívida da SuperVia com a Light. Pagamentos parcelados totalizaram R$ 2 milhões em espécie.

RIO — Delações de três executivos da Odebrecht revelam que a empresa pagou propina a um executivo da Light para reduzir parte de uma dívida milionária com a companhia de energia. Benedicto Barbosa da Silva Júnior, Paulo Henyan Yue Cesena e Carlos José Viera Machado da Cunha disseram aos procuradores da República que o dinheiro, cerca de R$ 2 milhões, foi entregue a Ramiro Ribeiro, representante comercial de empresas portuguesas no Brasil. O codinome da operação, nas planilhas da empresa, foi “Luminosidade”. O destino final, segundo os delatores, teria sido o empresário Luiz Otávio Motta Valadares, diretor da Light entre 2012 e 2015. Ziza Valadares, como é mais conhecido, foi presidente do Atlético Mineiro. Ele nega as acusações. Os depoimentos foram enviados à Justiça Federal do Rio pelo ministro Edson Fachin, do STF.

No depoimento de Benedicto, Cosena e Machado Cunha, também há menção de pagamentos parcelados de R$ 600 mil a dois diretores da Agência Reguladora de Transportes do Estado do Rio de Janeiro (Agetransp) para financiar a campanha do PMDB no estado, em 2014. Os intermediários dos repasses ao partido foram os diretores da Agetransp, Arthur Bastos e César Mastrangem. Eles teriam sido indicados ao cargo, segundo os delatores, pelo ex-governador Sérgio Cabral. Durante o período que Cabral governou o estado, Arthur e Mastrangem estavam lotados como assessores na Casa Civil. O dinheiro foi entregue num escritório de campanha do PMDB na Rua do Carmo 6, no Centro do Rio.

Sobre o pagamento de propina ao executivo da Light, os diretores da Odebrecht disseram que em 2007, quando a empresa passou a controlar a SuperVia, a companhia de trens urbanos do Rio devia cerca de R$ 169 milhões de energia. Um acordo selado naquele ano, previa um parcelamento da dívida até 2022. Em 2014, percebendo que a Light passava por problemas de caixa, os executivos da Odebrecht disseram que agiram para conseguir uma antecipação nos pagamentos das parcelas com desconto, previsto num acordo assinado pelas duas partes. A operação iria reduzir a dívida quase a metade. Naquela altura, o valor era de R$ 102 milhões e cairia para R$ 65 milhões com o acordo.

Segundo contou o executivo Carlos José Vieira Machado, na época presidente da SuperVia e diretor de contratos da Odebrecht, ele foi procurado por Ramiro Ribeiro, que disse conhecer Ziza Valadares. Carlos, Ramiro e Valadares chegaram a ter pelo menos um encontro.

— Não foi um almoço. Foi um encontro no fim do dia num bar no Leblon. Ramiro levou Valadares — afirmou Carlos Machado em sua delação, lembrando que o acordo permitiu um desconto de R$ 9 milhões na dívida da SuperVia. Os R$ 2 milhões de propina foram pagos em parcelas.

Segundo contou Machado Cunha, naquela época presidente da SuperVia e diretor de contratos da Odebrecht, ele foi procurado por Ramiro Ribeiro, que disse conhecer Ziza Valadares. Carlos, Ramiro e Valadares chegaram a ter pelo menos um encontro num bar do Leblon. Controlada pela Odebrecht, a SuperVia é responsável pela administração de uma malha ferroviária de 270 quilômetros, com 123 estações, na Região Metropolitana do Estado do Rio.

O trem da SuperVia na estação Vila Militar Foto: Márcio Alves / Agência O Globo / 6-7-2016
O trem da SuperVia na estação Vila Militar Foto: Márcio Alves / Agência O Globo / 6-7-2016

No ano passado, em meio a maior crise financeira de sua história, o governo do estado beneficiou a SuperVia assumindo uma dívida de R$ 38,9 milhões que a empresa tinha com a Light. A engenharia foi possível devido ao projeto de lei sancionado em 15 de dezembro de 2015, que ficou conhecido como “leio do escambo”. A companhia de trens já foi uma das principais clientes da advogada Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral, ambos alvos da Operação Calicute, da Polícia Federal.

A SuperVia informa que as dívidas existentes entre ela e a distribuidora, relativas a 2016, são fruto de reajustes da tarifa de energia por índices muito acima da inflação ocorridos nos últimos anos. Já a Odebrecht explicou, por nota, que é de responsabilidade da Justiça a avaliação de relatos específicos feitos pelos seus executivos e ex-executivos. A Light, por sua vez, informou que realizou uma análise interna em todos os seus contratos e não constatou qualquer irregularidade. O GLOBO não conseguiu contato com Arthur Bastos e César Mastrangem.

OUTRO LADO

Os conselheiros Cesar Mastrangelo e Arthur Bastos, da Agetransp, negam veementemente a realização de qualquer pedido de recurso em nome de partido político ou para qualquer finalidade. Cesar Mastrangelo é técnico e nunca teve qualquer vinculação político-partidária, tendo trabalhado a maior parte da carreira na iniciativa privada. Arthur Bastou desfiliou-se do PMDB em 2013, antes de ser empossado na agência reguladora.

Em nota, a entidade diz que "é importante esclarecer que não houve pedido de abertura de inquérito para apurar qualquer fato relacionado aos conselheiros citados. A petição 6.747, referente ao vídeo mencionado, não trata dos conselheiros da Agetransp" e que o atual conselho diretor da agência reguladora "tem atuado com total rigor na fiscalização dos sistemas de transportes regulados".