RIO - Nunca pensei que em 19 anos iria presenciar tão nitidamente o compartilhamento do medo. O medo mútuo, que aprisiona, enclausura e traz pânico. O medo perseguidor, que vai atrás, que te impossibilita de dar um passo, comprar o pão, estender a roupa. O medo de a minha mãe descer para o trabalho e ser atingida. O medo da criança brincar no beco e ser atingida. O medo da grávida tentar chegar ao hospital e ser atingida.
Esse medo, ou melhor, essa bala, nos atingiu há quatro meses. Quatro difíceis meses de tensão que fazem uma única dúvida pairar sobre o ar: até quando? Até quando nos veremos proibidos de andar no local onde nascemos, amadurecemos e criamos nossos filhos? Até quando a instabilidade será o grande mote de uma favela que está no coração de uma cidade apaixonadamente chamada de "maravilhosa''? Até quando?
Enquanto essa pergunta é feita, tiros ultrapassam as paredes de casas. Alguém se esquivou e, por "sorte'', não se feriu ou virou mais um número nesse apanhado de dados que constatam o quanto estamos vulneráveis à violência e ao perigo. Para uma parcela, já deu. É hora de ir embora. É hora de procurar uma outra Pasárgada para ser feliz. Sem que se ouçam tiros, e onde a paz, enfim, seja possível.
Edu Carvalho é morador da Rocinha e repórter do site faveladarocinha.com
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