Por G1


Pouco mais de um mês após o fim do prazo para o envio de contribuições ao programa Future-se, o Ministério da Educação (MEC) criou um grupo formado por cinco juristas da Advocacia-Geral da União para analisar as propostas encaminhadas. A portaria foi publicada nesta terça-feira (1) no Diário Oficial da União.

O Future-se foi lançado em 17 de julho e é a aposta do MEC para aumentar a verba privada no orçamento das federais em meio ao cenário de contingenciamento (leia mais abaixo).

Na proposta original, há a previsão de que as instituições poderão fazer parcerias público-privadas, cessão dos prédios e lotes; criar fundos patrimoniais com doações de empresas ou ex-alunos; ceder os direitos de nomes de campi e edifício; e até usar a Lei Rouanet para projetos culturais. A adesão é voluntária.

Um dos pontos que levantou críticas de algumas universidades foi a inclusão das organizações sociais para celebrar contratos de gestão. Para as instituições, isso poderia ferir a autonomia.

Para começar a valer, o MEC precisa criar um projeto de lei com essas propostas, e enviar ao Congresso Nacional para aprovação. A ideia é que o grupo de juristas ajude na elaboração deste documento.

A consulta pública ao Future-se foi encerrada em 29 de agosto, após sofrer prorrogação. De acordo com o MEC, ao longo de mais de 40 dias, 59.204 pessoas se cadastraram na plataforma e 20.462 responderam pelo menos uma pergunta do formulário.

Contingenciamento e liberação

Desde o início deste ano, o MEC já passou por dois bloqueios: R$ 5,8 bilhões em abril e R$ 348,47 milhões em julho.

Na última segunda-feira (30), o ministério liberou R$ 808 milhões para universidades. Na ocasião, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que as universidades que quisessem mais recursos para o próximo ano teriam que aderir ao Future-se.

“Vocês [as universidades] vão ter que sair, bater na porta da iniciativa privada e buscar parcerias. A gente vai trazer dinheiro para quem não tem condição de fazer isso, que são os filhos dos mais pobres que hoje não estão na creche, nem na pré-escola. Os recursos novos que serão obtidos, como esse da Petrobras, serão gastos com o povo justamente mais vulnerável, e não para quem ganhou bilhões ao longo dos últimos anos”, afirmou o ministro Abraham Weintraub.

O fundo da Petrobras citado pelo ministro é resultado de um acordo com os Estados Unidos para encerrar as investigações contra a empresa. Parte dos recursos serão aplicados em ações da educação.

Críticas ao Future-se

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciou que não vai aderir ao programa porque, na visão da instituição, ele comprometeria a integridade administrativa, pedagógica, científica e patrimonial da universidade. O conselho que reúne as fundações de apoio às instituições de ensino superior e pesquisa propôs que o Future-se priorize contratos com estas entidades que já atendem as universidades, em vez de organizações sociais, como está previsto no projeto.

A proposta também foi rejeitada pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) que citou o impacto a autonomia autonomia universitária, o prazo curto para a análise do tema, além dos riscos de se vincular as instituições a "uma lógica mercadológica excludente que desvincula a responsabilidade do estado".

No sul do país, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) rejeitou a adesão ao programa Future-se, do MEC porque, segundo a instituição, iria contra os princípios de autonomia universitária e do ensino superior público.

Apoio ao Future-se

No fim de agosto, o MEC anunciou a intenção do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em aderir ao programa que, segundo o instituto, abre a possibilidade de ampliar os recursos para os trabalhos, pesquisas e infraestrutura.

A Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) ressaltou por meio de nota que reconhece um potencial neste programa para o fortalecimento da educação superior no país e reiterou o compromisso da instituição com a manutenção da universidade pública e gratuita.

A Academia Brasileira de Educação (ABE) também demonstrou apoio.

O que é o Future-se?

O programa foi lançado em meados de julho. A adesão é voluntária, mas as universidades que aderirem ao programa terão que cumpri-lo integralmente – e serão cobradas se não implementarem pontos específicos.

O MEC afirma que o programa pode atrair cerca de R$ 100 bilhões às universidades. Segundo o ministério, os recursos virão da União, de fundos constitucionais, de leis de incentivos fiscais e depósitos à vista, de recursos da cultura e de fundos patrimoniais.

O lançamento ocorre em meio ao contingenciamento de verbas das universidades, anunciado no fim de abril pelo governo. De acordo com a associação que representa os reitores das universidades federais, a Andifes, a medida atinge de 15% a 54% dos recursos que podem ser cortados das universidades federais.

Com o programa, as universidades poderão:

  • Celebrar contratos de gestão compartilhada do patrimônio imobiliário da universidade e da União. As reitorias poderão fazer PPPs, comodato ou cessão dos prédios e lotes;
  • Criar fundos patrimoniais (endowment), com doações de empresas ou ex-alunos, para financiar pesquisas ou investimentos de longo prazo;
  • Ceder os “naming rights” de campi e edifícios, assim como acontece nos estádios de futebol que levam nomes de bancos ou seguradoras;
  • Criar ações de cultura que possam se inscrever em editais da Lei Rouanet ou outros de fomento.

Soluções do mercado financeiro

O Future-se, no modelo apresentado, se baseia em uma série de dispositivos do mercado financeiro. Segundo o MEC, essa “carteira de ações” inclui:

  • Fundo de patrimônio imobiliário

O MEC diz ter recebido R$ 50 bilhões em lotes, imóveis e edifícios da União. Esse patrimônio será convertido em um fundo, e os lotes, cedidos à iniciativa privada. A rentabilidade das construções volta para o fundo, que ficaria disponível para o financiamento. Como exemplo, o MEC citou um lote de 65 mil metros quadrados próximo à Ponte JK, um dos cartões-postais de Brasília.

  • Microcrédito para startups

O MEC quer incluir no financiamento universitário uma linha de “microcrédito produtivo orientado”. Segundo Lima, hoje, 2% dos depósitos à vista ficam no Banco Central, e já há linhas de crédito para microempreendedores e pessoas em vulnerabilidade. A ideia é estender o modelo para start-ups.

  • Fundo soberano do conhecimento

Segundo o MEC, todo esse dinheiro será gerido em um “fundo soberano do conhecimento”. O capital privado, além do investimento direto em cada instituição, poderia entrar nesse fundo, de onde seria redistribuído às universidades. Royalties, patentes, parques tecnológicos também aportariam dinheiro nesse fundo.

O que diz a lei?

O artigo 207 da Constituição Federal prevê que as universidades gozam de “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Isso significa que nem o MEC nem o setor privado podem, em tese, interferir nos planos de ensino, pesquisa e extensão determinados pelas reitorias.

Já o artigo 213 define que as atividades de pesquisa, extensão e inovação nas universidades “poderão” receber apoio financeiro do poder público. Neste caso, o texto indica que o financiamento direto dessas atividades não é obrigatório.

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