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Renato Portaluppi: o fanfarrão é campeão

Renato Portaluppi: o fanfarrão é campeão

Renato Gaúcho fala o que quer, toma cerveja na festa do título, decreta feriado. E agora é um dos grandes técnicos do Brasil

SÉRGIO GARCIA
01/12/2017 - 16h53 - Atualizado 01/12/2017 18h45
Renato Portaluppi,tecnico do Grêmio (Foto:  ADILSON GERMANN/PHOTO PREMIUM/Gazetapress)

Ao subir no caminhão que conduziria a delegação do Grêmio no cortejo em comemoração ao tricampeonato da Copa Libertadores, na manhã da quinta-feira 30 de novembro, o técnico Renato Portaluppi destoava. Enquanto os jogadores vestiam uma camiseta comemorativa da conquista, sacramentada na véspera com a vitória por 2 a 1 sobre o Lanús, na Argentina, Renato trajava uma discreta camisa polo branca e um boné cinza, sem qualquer alusão ao clube. Porém, é provável que um treinador jamais tenha tido tamanho protagonismo numa festa de título. Ao desembarcar do avião que levou a equipe de Buenos Aires a Porto Alegre, era Renato quem carregava o troféu – não algum craque do time, ídolo da torcida. No Grêmio, o ídolo é Renato. No trio elétrico que levou a equipe do aeroporto Salgado Filho ao estádio do Grêmio, a cena se repetiu, mas com um toque da irreverência. Renato deixou a taça de lado para abrir uma lata de cerveja, sem embaraço.

Era o começo da festa nos moldes que Renato estabelecera. Na véspera, na entrevista coletiva concedida após o jogo, num tom sério de riso contido, ele avisou aos dirigentes que estava dando a si mesmo uma folga de três dias, para espairecer um pouco após um período de tensão. Com cinismo sutil, que pode soar imperceptível para quem não o conhece, Renato começou a se divertir. “Eu queria que alguém agora acordasse o prefeito de Porto Alegre”, disse, ainda sério. “Desculpe, prefeito, eu sei que o senhor é uma autoridade. Mas eu, Renato Portaluppi, estou declarando amanhã feriado em Porto Alegre.” Ainda se lembrou de disparar um pouco de ironia cáustica para os rivais figadais do Internacional. “E, com todo respeito, dar os parabéns aos colorados também, por ter subido para a série A. E também podem pegar essa beirinha do feriado amanhã.”

Na aridez do futebol brasileiro, em que técnicos e jogadores ficam cada vez mais sem graça, blindados por um séquito de empresários, assessores e marqueteiros de clubes, que controlam entrevistas e produzem declarações anódinas, Renato é um tipo cativante, daqueles que valem a pena parar para ver e ouvir. Goste-se ou não, ele não muda de acordo com a situação e o interlocutor. Há duas semanas, quando uma reportagem do canal ESPN mostrou que o Grêmio usou um espião com drone para filmar um treino fechado do Lanús – e de outros adversários ao longo do ano –, Renato disse que “o mundo é dos espertos”. E acabou.

Fosse um dos técnicos “professores”, que veem o futebol como ciência, são letrados nos pressupostos do espanhol Pep Guardiola e fazem cursos-relâmpago na Europa, Renato com certeza já gozaria de maior beneplácito de especialistas. Mas ele não é fácil. Dispensa o glossário do treinador moderno, que tem “marcação alta”, “segunda bola”, “jogo apoiado”. Renato tem uma concepção prática, que dá ênfase ao emocional e resgata o naïf do jogo.

Renato Gaúcho carregado pelos jogadores.O idolo no Grêmio é o técnico (Foto:  FELIX ZUCCO/Agência RBS/ESTADÃO CONTEÚDO)

O inquestionável Tite, técnico da seleção brasileira, o mais celebrado do país na atualidade, é desses estudiosos, com grandes resultados a apresentar. Foi para Tite e outros que Renato dirigiu ironias a cursos no exterior. “Futebol é que nem andar de bicicleta: não se desaprende”, disse, após a conquista da Copa do Brasil do ano passado com o Grêmio. “Quem precisa aprender tem de estudar, tem de ir para a Europa. Quem não precisa pode tirar umas férias na praia sem problema algum.” Não à toa, em vez de buscar aprimoramento longe, quando não está trabalhando, o hábitat de Renato é a rede de futevôlei no Posto 9, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Sempre alternou longos períodos entre a areia e o gramado. Antes de começar no Grêmio, no ano passado, ficou dois anos no retiro à beira-mar.

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Aos 55 anos, ao seu jeito irônico e direto, Renato é o primeiro brasileiro a ganhar a Libertadores como jogador e treinador. Seu primeiro triunfo foi em 1983, aos 21 anos, como atacante do Grêmio. Alto, rápido e driblador, o cabeludo Renato fez o improvável cruzamento que resultou no gol da vitória sobre o Peñarol. Meses depois, fez os dois gols na final do Mundial Interclubes, contra o Hamburgo. Naquele jogo, cumpriu a promessa feita aos colegas antes da prorrogação: “Segurem aí atrás que eu decido lá na frente”. Desde que iniciou a carreira de técnico, há 17 anos, Renato ganhou uma das duas decisões de Libertadores que disputou e duas das três finais de Copa do Brasil. É um currículo invejável, mas que, entretanto, não o alçou ao primeiro escalão do futebol brasileiro. Até o início deste ano, Renato ainda era visto pela mídia especializada com certa reticência. Nesta temporada, no entanto, seu Grêmio foi considerado o time que joga o melhor e mais envolvente futebol no país.

Renato dispensa o glossário da moda entre os técnicos. Tem uma concepção prática, que resgata o naïf do jogo

As tiradas bem-humoradas e o estilo impetuoso fizeram com que Renato fosse visto como um treinador “boleiro”, à moda antiga, que prioriza os “rachões” de que o jogador tanto gosta, em vez do trabalho técnico-tático, mais maçante. “A grande virtude do Renato é o trato com os jogadores. É um treinador que transmite confiança e extrai o máximo do time, por meio de uma linguagem simples, que se traduz na maneira como a equipe joga”, diz o técnico Valdir Espinosa, que descobriu Renato no interior gaúcho, no fim dos anos 1970, comandante no Mundial de 1983 e a quem o pupilo dedicou o título. “Hoje há muito treinador que fala de uma forma rebuscada, e as coisas não acontecem dentro de campo. O bom comandante é aquele que fica no mesmo degrau em que estão os comandados.” Essa maneira de gerir talento pode explicar o sucesso do Grêmio, um clube longe da capacidade de investimento de Palmeiras ou Flamengo, que reúnem elencos mais dispendiosos. Metade dos titulares que atuaram na final da Libertadores eram jogadores renegados em seus clubes anteriores.

A persona folclórica foi construída por Renato espontaneamente ao longo da carreira. Mulherengo, espirituoso e fanfarrão, com cabelo comprido cortado à mullet, Renato namorou lindas mulheres, entre elas a modelo Luma de Oliveira, que depois se casaria com o empresário Eike Batista. Certa vez, brincou com Pelé dizendo que cada gol do Rei correspondia a uma conquista amorosa sua, para em seguida tripudiar: “Só que você parou nos 1.000 gols”. Hoje em dia, Renato é visto na companhia de outra beldade, Carol, de 23 anos, sua filha com a apresentadora de TV Carla Cavalcanti. “É impressionante como ele tem estrela e know-how para suportar o mito que ele mesmo cria”, diz o jornalista Marcos Eduardo Neves, autor da biografia Anjo ou demônio – A polêmica trajetória de Renato Gaúcho.

Na beira do campo, sempre que tem chance, Renato procura dominar uma bola despretensiosamente, só para mostrar que ainda é craque. Sempre autocentrado, disse recentemente que foi melhor que Cristiano Ronaldo, um jogador “que trabalha muito na força e não tem muita técnica”. Na terça-feira (5), o Grêmio embarca para disputar o Mundial de Clubes em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Se der o previsível, o time gaúcho enfrentará o Real Madrid de Cristiano Ronaldo na decisão do torneio, no dia 16. Quem vai acreditar e quem vai duvidar de Renato diante do Real Madrid?








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