Coluna
Cora Rónai Cora Rónai escreve às quintas
Cora Rónai Foto: Agência O Globo

Tudo joia

Até comprei outros colares, mas nenhum jamais foi tão querido aos meus olhos quanto aquela geladeira em gotas

A meteorologia me traiu. Prometeu 14 graus, mas a vida real marcou 6 e me deixou tiritando na rua, mal equipada com roupas de inverno ma non troppo . Chove, venta, mal se vê o topo dos prédios encobertos pela neblina, as árvores estão peladas. Seria um pavor completo se não fosse Nova York, que é boa até quando é ruim; e se, passando pela porta giratória de qualquer loja, eu não fosse acolhida pelo calor insuportável que é exatamente o inverso do frio desgraçado dos cinemas e restaurantes cariocas.

Na Tiffany, além do calor, havia champanhe e água mineral para os fracos (como eu). Não no primeiro piso, que é aquele que em geral percorremos, silenciosos, deslumbrados e vagamente perturbados pelos preços, mas na sala ampla e bem escondida que é onde a turma que tem dinheiro vai às compras, isso quando não liga encomendando um conjunto de esmeraldas pelo telefone. Sim, pessoas, isso acontece, e com tanta frequência que uma vendedora me confidenciou que, nos seus primeiros tempos na joalheria, tinha crises de angústia achando que nunca ia conseguir vender nada. Não foi o caso, porém, e hoje ela ri: há sempre mais chineses do que joias.

Essa sala, em que fui parar por acaso e que é um requintado monumento ao bege, foi decorada para parecer um apartamento nova-iorquino. Nada nela chama a atenção. Os únicos pontos de cor são arranjos de flores, bonitos mas discretos, como todo o resto: é evidente que nada pode distrair as atenções das verdadeiras estrelas da casa.

Há sofás e poltronas confortáveis e, atrás de uma parede, um espaço onde os clientes podem desenhar as suas joias com a ajuda de especialistas. Há projetos simples que nascem em torno de uma pedra, há sinfonias de ouro, diamantes e ostentação. O ritmo do mundo ainda é lento nesse mundo rarefeito, e, às vezes, entre o desenho e o momento mágico em que a peça vai para a sua caixa azul, passa-se mais de um ano: encontrar pares de gemas perfeitos é complicado, achar diamantes que passem pelo crivo da casa, uma dificuldade.

Há uma cabine para que as joias possam ser experimentadas junto com as roupas com que serão usadas. O teto dessa cabine, frequentada pelas mulheres de xeques árabes e por atrizes em véspera de Oscar, é em tecido, tem uma borla pendurada ao centro e lembra o interior de uma tenda no deserto.

Há pequenas vitrines com uma ou duas joias em destaque. Não são coisas triviais. Vejo um colar discreto com grandes — realmente grandes — contas prateadas e uma única conta de brilhantes, pergunto o preço e descubro que 1) as contas são pérolas acinzentadas; e 2) o meu apartamento mal e mal cobriria o preço. É lindo, mas nunca nos encontraremos na vida, eu e ele.

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Já fui muito, muito apaixonada por joias. Podia passar horas olhando para uma única pedra, podia passar o tempo de uma tarde perdida no oriente de uma só pérola, sonhando com lendas e histórias das mil e uma noites.

Uma vez estava juntando dinheiro para uma geladeira nova. Depois de muitos meses, consegui sobras de salário suficientes para ir à loja em triunfo, mas quando entrei no shopping havia um colarzinho tão lindo numa vitrine que não resisti — e passei mais um ano com a geladeira velha, que àquela altura tinha quase a minha idade. Dormi muito tempo com aquelas pequenas pérolas ao meu lado, feliz por ter tal tesouro ao meu alcance.

Primeiro quase não tinha coragem de usá-las, depois passei a usá-las todos os dias, sempre, mesmo com as camisetas mais surradas. Um dia, em Roma, o fecho quebrou, e guardei as pérolas na bolsa com todo o cuidado, embrulhadas num lenço. Naquela mesma noite, voltando para o hotel, um motoqueiro me deu um safanão e levou a bolsa embora. De lá para cá ganhei dinheiro suficiente para comprar outros colares, e até comprei outros colares, mas nenhum jamais foi tão querido aos meus olhos quanto aquela geladeira em gotas.

Uma outra vez eu estava aqui mesmo, em Nova York, e parei para ver a vitrine de um antiquário chamado A La Vieille Russie. Ali estavam algumas das joias mais fabulosas que eu jamais tinha visto fora de um museu. A certa altura resolvi entrar para ver um par de brincos mais de perto; alguns minutos depois estava tomando chá com o vendedor e conversando sobre a história daquelas joias antigas, sobre os livros que tínhamos lido, sobre a vida em geral. Quando nos despedimos, ele já sabia que a minha curiosidade era proporcionalmente inversa ao meu orçamento. Ainda assim, perguntou se eu não gostaria de experimentar os brincos. Agradeci, mas fui sincera: não queria desperdiçar ainda mais o tempo dele.

— Não gasto o meu tempo só com o que pode me dar dinheiro, gasto o meu tempo também com o que me dá prazer — disse ele. — Vou trazer algumas coisas para você experimentar.

E sumiu lá para dentro. Quando voltou, trazia algumas bandejas com peças ainda mais extraordinárias do que as que estavam na vitrine: colares indescritíveis, anéis em que o sol brilhava, pulseiras de guardar na lembrança para uma vida inteira. Experimentei todas, uma por uma, enquanto ele me contava quando tinham sido feitas, de onde tinham vindo, quanto custavam.

Foi uma tarde mágica, e voltei para o hotel pisando em nuvens.

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