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Economia

Em nova fase de investimentos, China aposta em serviços e tecnologia no Brasil

Empresas chinesas começam a se voltar para setores de consumo. País asiático aportou cerca de US$ 60 bi no país nos últimos dez anos

A Didi Chuxing, chamada de Uber chinês, adquiriu a 99, plataforma brasileira de transporte por aplicativo
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Domingos Peixoto
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Domingos Peixoto/26-10-2016
A Didi Chuxing, chamada de Uber chinês, adquiriu a 99, plataforma brasileira de transporte por aplicativo Foto: Domingos Peixoto / Domingos Peixoto/26-10-2016

SÃO PAULO - O investimento chinês, que até alguns anos atrás estava focado em grandes projetos de energia, petróleo e agronegócios, está chegando ao cotidiano dos brasileiros. Os asiáticos, que investiram quase US$ 60 bilhões no país nos últimos dez anos — segundo dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) — estão atuando em setores como transporte por aplicativo, bancos digitais, lojas de alta tecnologia e até celulares usados. Isso contribui para uma mudança de imagem que a China busca no mundo. De “copiador de produtos”, o gigante asiático quer ser reconhecido como uma potência em inovação tecnológica.

— A China já é uma potência tecnológica, exportando inovação. Por trás da guerra comercial com os Estados Unidos, há a disputa tecnológica — diz Tulio Cariello, coordenador de Análise e Pesquisa do CEBC.

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Essa busca por se mostrar como um país inovador já se reflete no Brasil. Depois dos projetos bilionários, o investimento hoje é menor, mas está mais disseminado pela economia e gera efeitos no mercado de trabalho.

Segundo o pesquisador mexicano Enrique Dussel Peters, professor da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e coordenador-geral da Rede Acadêmica da América Latina e Caribe sobre China (Red ALC-China), o Brasil é o país latino que mais se beneficia da relação com a China.

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— O comércio entre os dois países e o investimento chinês no Brasil sustentam, segundo nossos estudos, 1,6 milhão de empregos no país — afirmou.

Uma das principais estratégias para o projeto de mudança de imagem da China é o fortalecimento de marcas de tecnologia. Um exemplo disso foi a inauguração da primeira loja da Xiaomi no Brasil, em um shopping paulistano, em junho.

A loja teve fila na porta e senha para visitação por um mês. Com 200 produtos — com preços que vão de R$ 25 a R$ 9mil, passando por canetas a robôs de limpeza —, a marca prevê uma segunda loja no país ainda neste ano e uma “agressiva expansão” em 2020. Para o diretor Luciano Barbosa, mais que quebrar o preconceito em relação a produtos chineses, a Xiaomi pode ajudar a intensificar a relação entre os dois países:

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— Estamos vendo a demanda dos brasileiros. Podemos criar produtos especiais para este mercado.

Parcerias

Parte destas empresas chinesas começa a investir em tecnologia conjunta no Brasil. Esse é o caso da BYD, gigante que produz painéis solares, carros, caminhões e ônibus elétricos e acabou de vencer a licitação para um monotrilho em Salvador.

— Estamos fazendo parceria com empresas nacionais, como a WEG, de motores, e a CSN, para o desenvolvimento de materiais mais resistentes — disse Adalberto Maluf, diretor da subsidiária BYD Brasil.

Essa ligação com inovação e tecnologia é confirmada no mundo acadêmico. O Instituto Confúcio, do governo chinês, já dá aulas de mandarim para dez mil universitários brasileiros.

— Os universitários veem a China como uma grande opção e estão cada vez mais procurando o ensino do mandarim — afirmou o professor Luís Antonio Paulino, coordenador do Instituto Confúcio na Unesp.

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Vinte meses depois da aquisição da 99, plataforma brasileira de transporte por aplicativos, por US$ 600 milhões, a Didi Chuxing, chamada de Uber chinês, informa que o faturamento cresceu seis vezes e o número de motoristas triplicou, chegando a 600 mil no país. Hoje, a empresa atende 18 milhões de usuários. Nas próximas semanas, a empresa está trazendo um novo executivo, Mi Yang, para expandir a operação no país, com foco em segurança do passageiro e motoristas, além da criação de um novo centro de atendimento na América Latina, que funcionará 24 horas.

A empresa chinesa de venda de itens eletrônicos de segunda mão Aihuishou investiu US$ 3 milhões na brasileira Trocafone, que vende celulares de segunda mão reformados. O capital chinês permitiu que a Trocafone contratasse mais 40 desenvolvedores para melhorar a plataforma, chegando a 450 funcionários.

— Temos um projeto conjunto para uma empresa global de venda de celulares usados e a Trocafone será o hub para a América Latina — conta o diretor-executivo da empresa, Guille Freire.

Novas oportunidades

Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B., vê novas oportunidades de investimento chinês nas concessões de estradas federais e estaduais e no setor de energia renovável.

O presidente da State Grid Brazil, Chang Zhongjiao, disse ao GLOBO que o interesse da empresa pelo país se mantém. De todo o investimento no exterior feito pela State Grid, gigante chinesa do setor de energia, 50% vieram para o Brasil, o que representa R$ 27 bilhões nos últimos nove anos, explicou Chang.

— Temos interesse em longo prazo no Brasil. Há muitas necessidades no setor de energia a serem supridas, o sistema regulatório é muito transparente e está em pleno funcionamento, e o Brasil é muito receptivo a tecnologias inovadoras, como a que trouxemos para o linhão de Belo Monte — disse Chang.

Para os chineses, entre os grandes mercados consumidores do mundo, o Brasil apresenta estabilidade jurídica, o que abre uma grande oportunidade de investimento, embora ainda exista certa preocupação com o sistema tributário e com as responsabilidades trabalhistas, avalia o advogado Thiago Flores, do escritório Dias Carneiro.